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Novos videos com Gerald Thomas, Zé Celso e Judith Malina. E: Zé Celso em New York a Caminho de New Orleans. Ou seja: New Zé!

Obs: Novos vídeos da palestra em New York no final do post, embaixo das fotos.

O evento de ontem no Theaterlab foi de tamanha importância que só posso dizer uma coisa: proporcionou o encontro que não acontecia desde 1971: Judith Malina (Living Theater) e  Zé.

O que dizer de uma obra tão estupenda? Tão… suprema? São quase 4 horas de DVD (e olha que eu odeio ver peça de teatro em vídeo ou DVD), mas aquilo é um filme, com dinâmica e lumiere e espírito de  quem vive  dentro da física e a metafísica, a dor da vida e a beleza da morte, e a tragédia da besteira de como a humanidade se arrasta através da hipocrisia (clássica, no sentido do erro crasso, clássico). Uma obra! Uma OBRA!

Zé Celso é, de longe, um dos maiores  encenadores de todos os tempos “dos mundos”. Claro, vestido de louco, de bobo (fool) ou de puck, como nas Bacantes, ou como um sincero SER Feliniano contador de estórias. Ontem no debate ele berrava, cantava. Eu berrava, mas não cantava. Falávamos de Rivotril e ríamos!

Algumas perguntas pertinentes:  “Por que suas produções não viajam?” Eu tomei a liberdade de responder. “São máfias que fazem grupos ou cias teatrais viajarem ou não. Às vezes não são máfias. Às vezes o convite é geníuno. Mas NUNCA se trata do diretor querer ou não. Estamos todos nas mão dos “diretores ou programadores de festivais” ou das grandes casas de teatro no mundo.

É de se questionar mesmo porque o Zé não viajou o mundo nesses 50 anos de Oficina. Mas, querem saber? Ainda terá os próximos 50 para fazer o que não fez até hoje.

Eu não pude deixar de ressaltar a importância de Marcelo Drummond no Oficina nesses últimos 20 anos. Além de ser um ator engraçadíssimo, ótimo, maravilhoso, ele fez a “oficinamachine” (como Hamletmachine de Heiner Mueller) andar. Ovacionei-o de pé!

Hoje eu levo o Zé e Marcelo ao quartel general do Living Theater. E assim, os pingos são colocados nos devidos “is”. Ah, sim! Flora Sussekind estava na platéia. Uma teórica maravilhosa.

Estou sem palavras deliberadamente porque elas (redondas como as bolas) redundam uma festa orgiástica daquele tamanho, daquela proporção farsesca, comparada com o tamanho da barriga do Pereio ou os pênis e vaginas de tanta gente do coro. É melhor mesmo ficar com as imagens do fogo que queima no planalto central ou no centro do palco do Teatro Oficina em São Paulo e que frita nossos cérebros, assim como frita a carne humana passageira de atores passageiros, da vida passageira, de seres neoclássicos passageiros, dos clássicos em geral e da História  que existe em todos nós.

 

 

 

 


Gerald Thomas

 

(O Vampiro de Curitiba na edição)

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Harold Pinter: O Silêncio do SILENCIADOR

 

O SILÊNCIO dos Silêncios.

  

New York – Este ano de 2008 ainda tinha que engolir mais um! Justamente o dramaturgo que fazia do silêncio a sua pausa dramática. Nascido em Portugal, de uma família judia com o nome de Haroldo Pinto, Pinter chegou na Inglaterra cedo. Como todos os bons playwrights “ingleses”, ele também era um outsider. Stoppard, ainda vivo e muito vivo, nasceu na república Tcheca. Beckett (de quem Pinter se diz “aprendiz”) era irlandês, Shaw, igualmente, da ilha vizinha à Inglaterra e assim por diante.

Mas o que importa tudo isso? Ah, os silêncios nas peças de Harold Pinter. Sim, eles nos causavam um certo desconforto. Causavam na platéia dos anos 60 e 70 um enorme, digo, enorrrrme, desconforto. Justamente por ser um outsider, Pinter via a aristocracia Britânica criticamente, mas queria desesperadamente fazer parte dela.

Em seu casamento quase doentio com Lady Antonia Fraser (cujos livros vendiam mais que os dele), Pinter conseguiu subir de “classe”, algo importantíssimo numa sociedade dividida em classes, em bairros “posh” ou “working class“, em sotaques, como a de Londres, que em si só tem cinco distintos sotaques, acentos, variados.

Harold Pinter, em THE SERVANT – raramente colocado no palco – dá um show do que é um texto hegeliano. Sim, um pouco de Beckett. Um pouco de “Fim de Jogo “(se insistem, se “ele”, o próprio Pinter queria moldar seus textos a partir de Beckett, do mestre de quem ninguém escapou nesse século XX que passou) Por que Hegel? Escravo, senhor, aquelas coisas: o poder do não dito, o “desdito”, o “mal-dito”… uma relação de poder não resolvida entre classes (na Inglaterra de hoje e sempre da qual Edward Bond e David Hare e Alan Bennett também escrevem).

Pinter não mantinha vínculos com Portugal. Nao falava mais o português. Stoppard também nada tem a ver com os Tchecos ( a não ser recentemente, quando decidiu rever suas raizes). Beckett saiu da Irlanda, mas mesmo encrustrado em Paris – e tentando escrever em francês – Samuel Beckett nunca abandonou a língua Joyciana que vem a ser, essencialmente, um irlandês onomatopéico. Nelson Rodrigues sempre foi um brasileiro apaixonado. Mueller um alemão que olhava na direção dos gregos e de Shakespeare e de seu mentor, Brecht. Como se vê, o século XX foi pontuado por autores que deixaram sua marca por algo “unique” e, no entanto, semelhante. O quê? O Bairrismo!

Quando eu ouvia dizer que havia um Pinter sendo montado fora de Londres (fora do Royal Court, pra ser preciso) eu achava muito estranho. Nada contra. Mas sua linguagem era, essencialmente, londrina, assim como a de Nelson é, essencialmente, brasileira: dificil de ser traduzida ou entendida por outras culturas.

Eu não conheci Harold Pinter. Mas ouvi Backett falando várias vezes sobre ele. Não eram elogios, propriamente. Nem reclamações, tão pouco. Eram desabafos. Alan Schneider, o diretor que me deu muita dor de cabeça quando eu queria colocar no palco, aqui no La MaMa, a prosa de Beckett nos anos 80, foi atropelado em Londres por um Ciclista (que eu chamo de Godot) ao depositar no correio do bairro de Hampstead (o bairro onde eu moro quando estou em Londres) uma carta para Beckett. Como americano, esqueceu de olhar pra direita e, pum! Veio um Godot e o atropelou. Mas, o que se conta, nos meios teatrais, é que Schneider estava encenando Pinter no Everyman Theater – um pequeno teatrinho lá no alto do morro do bairro chique. E seu elenco… bem, deixa pra lá… estamos em pleno Natal… SILÊNCIO!!! PSIU! Atores olhando uns pros outros por 3 minutos. Tensão total. Um homem morto na rua, atropelado: trata-se do diretor. Golpe do autor? Do autor de “THE ACCIDENT”? Seria demais !

Pinter-Schneider – Beckett. Hummm! Certa vez, bêbado como um tatu, o autor dos silêncios que “liam a introversão dos sentidos daquilo que não se dizia um pro outro explicitamente, mas, no olhar, se expressava e se ofegava” (Terra em Trânsito, GT 2007), quebrou um salão de barbeiro inteiro ao saber de um “affair” de Antonia Fraser. Depois se acalmou. Ele próprio estava com a sua amante.

Ah, a Londres de Mayfair, de Belgravia!!!

Cancêr no esôfago também consumiu Heiner Mueller. Prêmio Nobel… hummm…. Beckett o recusou, Pinter o aceitou. Hoje, além de ser Natal, não é um bom dia para críticas. Rest in peace and in your final silence Mr. Pinter, I hope you’ll find that there isn’t such tremendous noise to disturb youI mean, there is an extremely noisy silence right at this very moment. Yes, there is. Throughout the stages of the world your name is being called out. Can you hear it? Can you hear it? We’re calling out your name.
Farewell, Mr. Pinter or should I simply say, have a good Homecoming.

Gerald Thomas, New York.
On The Day Christ was born.
2008

PS: abaixo desse post: o vídeo de “UM CIRCO DE RINS E FÍGADOS” com Marco Nanini onde Pinter é mencionado junto com Genet, Beckett e outros dramaturgos.

PS 2: Por que será que tanto Beckett quanto Pinter decidiram morrer no Natal ou perto do Natal?

Estranho… muito estranho! Pelo menos Pinter não nasceu no dia da Páscoa, como Sam.

 

(Vamp na edição)

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Precisamos de Um Figurino para Usar Nessa Recessão!

O Figurino apropriado para a RECESSÃO

Qual seria? Tudo bem, já estamos ouvindo que as coisas vão de mal a pior. Péssimas, pra dizer a verdade.  Ninguém gasta mais um tostão em nada. Restaurantes vazios, lojas às moscas, os gigantes da automotive industry entregues às traças e… o mundo um grande cenário de teatro pós-moderno. O que seria isso? Bem, aqueles escombros pós-explosão nuclear que adorávamos colocar no palco: “ruínas que ainda estavam lá onde eu brincava quando menino”, lembranças de Hiroshima, Dresden, etc. Algo como um reator nuclear rachado ou uma hipótese pessimista da pior catástrofe dada errada (ou “Dada” errada: uma Roda de Bicicleta de Duchamp no meio dos escombros!). Uma mulher enterrada como se fosse num holocausto moderno berrando HELP ou HILFE ou SOCORRO mesmo e nem um único ouvido mais a escutá-la no bairro tradicional de Alfama, em Lisboa, ou na Lapa do Rio, onde um rato assado passa por churrasquinho e túnicas africanas lindas apontam que todo dia se comemora o último dia do fim do mundo.

Não, nesses lugares não existe recessão! Não existe a “nova” recessão, porque SEMPRE houve recessão. Então, qualquer novo anúncio passa batido ou vira piada, um gol contra ou mais uma dessas lorotas que se contam no “mundo estrangeiro ultramarino”. Interessante.

Homens iscas. Nada os mordem. Estão lá para serem mordidos, mas nada os mordem.

Diluem suas águas minerais com água da bica. Não se trata de recessão, Zé Mané? Não seria essa a ordem do dia? Então vamos às perguntas básicas: por que os presidentes das nações mentem tanto? Por que não aprendemos NUNCA com o desenrolar da história que a própria história não passa de uma ilusão, assim como uma mera encenação teatral? Ah, claro, e como encenação, o que sobra não chega a ser propriamente um registro físico, documental, mas o que se ESCREVE a respeito dela. E esses escritos são ficção PURA. Melhor ainda, IMPURA. Conclusão: não aprendemos! Somos imbecis? Reagimos a impulsos Pavlovianos? Não nos desenvolvemos? Como seres humanos continuamos a levantar a perna para cada poste que encontramos para mijar? Tão simples ou imbecil  quanto isso? Vamos sempre repetir os erros históricos e lorotas de ‘notas oficiais’ para sempre? SEMPRE? Na capa da Folha de sábado, a enorme manchete: 

“A crise econômica eliminou 533 mil postos de trabalho nos Estados Unidos em novembro, elevando a taxa de desemprego de 6,5% para 6,7%, segundo informou o Departamento do Trabalho. É o maior corte de vagas em um mês no país desde 1974. Há hoje 10,3 milhões de desempregados nos EUA. Os dados são de novembro, que registrou a 11ª queda mensal consecutiva.”

“Estamos todos PENETRADOS”

 

Melhor frase do “Quantum of Solace”, o último James Bond, onde pouca coisa se salva, exceto a cena na ópera de Bregenz. Linda. Cortes lindos. Esfaqueamentos encenados num palco e cenários deslumbrantes (de Aida, acho) e tiros rolando pelas coxias entre os “bonzinhos” e os maus!

 E a frase: “WE ARE EVERYWHERE, haven’t you noticed?”

-Estamos em todos os lugares, vocês não notaram?

A falência múltipla de órgãos, todos eles, desde o CRASH de todas as instituições financeiras até TODAS as mentiras corporativas que os governos tentam nos empurrar goela abaixo… desde os complôs históricos, a cujos documentos “top secret” nós não temos acesso até gente reescrevendo a história para que o FDA e iguais ou semelhantes agências lucrem com a nossa depressão, ou criem um pânico ou – pior – lucrem com o PÂNICO instalado, O PÂNICO CRIADO pela indústria do terror (ambos os lados!)… Ai, meu deus, Gerald, melhor medir suas palavras! Onde estou querendo chegar? Em Brecht? Num tratado de Heiner Mueller? Num daqueles monumentais e revisionísticos discursos que só fazem mesmo é PROVOCAR mais a ira das instituições como a(s) igrejas, as sociedades organizadas, os sindicatos?

Não, nada disso!

Gostaria somente de poder reduzir tudo isso a um caldo ou à uma essência. E qual? A essência da farsa ou do drama farsesco, ou clownesco, onde (num cenário detonado, como todos os meus são), um ator encontra um Bordeaux 1933 e se lembre do pior de todos os regimes de todos os tempos: o Terceiro Reich. E, logo em seguida, ele encontra um Barolo 1945, ano do fim de tudo isso. Numa mão, ele segura o Bordeaux, noutra o Barolo. Ascensão e Queda. Uma mão e outra, que contraste! E que vinhos!

Algo estranho? A primeira vista pode ser. Mas a meninada de hoje, imbecilizada como está, não notaria as datas, nada teria a comentar. A vida como ela está: Cada vez mais provinciana, reduzida ao TERROR do bairro, ao terror do confinamento das Hiroshimas de suas pequenas e medíocres cabeças!

Como sempre foi, como sempre foi…

Vivemos como sempre vivemos.

Sem causa para muito alarme.

A razão dessa coluna? Um desabafo ocasional contra a falta de cultura que me pega de vez em quando. Só de vez em quando. Quando me pego conversando com 60 jovens que não sabem os nomes BÁSICOS do porquê chegamos aqui, onde estamos hoje. E do hoje que veio da maneira que chegou aqui. Porque não sabem e não leram um único LIVRO que explicasse o porquê de tantas… Ah, não! Não posso ser derrotado por mais um grupo de deslumbrados sem sul, sem norte, sem leste ou oeste!

Ah sim… Tem muita gente lucrando anunciando CRISE, RECESSÃO, etc.

Cuidado: estamos aqui como sempre estivemos.

Gerald Thomas

(O Vampiro de Curitiba ba edição)

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50 anos de Cultura – A "Folha Ilustrada" comemora meio século de existência

 

O IMPÉRIO DAS MEIAS VERDADES 

New York – Brecht, o Bertold, assim como Chaplin, foram perseguidos pelo macartismo. Foram investigados por Hoover e foram blacklisted e perseguidos pela bruxaria. Também milhares de escritores, cineastas, atores acabaram nos fornos da perseguição! Muitos colaboraram, como sempre colaboram, e entregaram os outros para se SAFAR. No espetáculo (bem autobiográfico) “Rainha Mentira”  eu contava episódios sobre a minha própria família: odisséias nada simpáticas através do Terceiro Reich, que Ruy Castro e a Cia. Das Letras resolveram distorcer de tal forma num livro horrendo, que acabou por causar, indiretamente, a morte da minha mãe, poucos anos após o lançamento dele. 

50 ANOS DE ILUSTRADA. PÓS-TUDO

(50 anos de cultura) 

Recebi aqui o livro e estou até agora meio bestificado. Quero dizer, bestificado de uma forma boa. Muito boa.

A seleção feita por Marcos Augusto Gonçalves nos seis meses em que teve para cavar nos calabouços dos arquivos de 50 anos de cultura do caderno, resultaram num livro incrível e… Não posso deixar de REGISTRAR aqui a minha enorme gratidão pelo destaque dado ao meu trabalho e a essa figura que lhes escreve. 

Entre outras várias entradas e fotos, na página 236, por exemplo, fico lisonjeado em aparecer numa entrevista que o Otavio Frias Filho fez comigo em 1988 (caramba! O tempo!). Transcrevo um trechinho: 

Gerald Thomas e a Impossibilidade de Dizer” 

Arte é uma coisa menor. A ciência, hoje em dia, é muito mais artística do que a Arte, só que não é entretenimento. A Cibernética, a Matemática que se estuda de dez anos para cá é uma coisa muito mais artística. Ela é hoje o que o teatro foi para os gregos. Está para nossa civilização como Freud esteve cento e poucos anos atrás. Pela primeira vez a Física está usando termos místicos, falando de “a coisa”. Eles não têm coragem de falar em deus ainda, mas daqui a pouco vão admitir um deus, não por forças místicas, mas porque as equações derramam nisso aí. A Arte hoje em dia é uma arte de declamação e falha, inclusive, nisso, porque é adornada, decorada com artificiozinhos. Pegue qualquer pintura: ela não é a síntese da nossa existência resolvida nem a problemática da nossa existência por resolver.” 

(Janeiro de 1988) 

Tem mais, mas só transcrevo isso, porque já está ótimo. O livro é uma homenagem à cultura, a brasileira, se é que existe isso. Existe. A Santíssima Trindade do Teatro, como Nelson de Sá assim a batizou, está lá: Zé Celso, Antunes e eu. Eu e Bete. Bete e eu, o eterno casal. O casal que nunca se vê. Já não vejo a Bete há (desde que o Muro de Berlim foi erguido em 1961… ooops!) 

De resto, estou sem tempo para me estender numa grande coluna porquê, numa troca de e-mails ontem com o Vamp, questionamos o quanto vale o Blog, o quanto ocupa o nosso tempo ficar analisando o chat dos comentaristas entre si próprios. Ao mesmo tempo, o blog é para isso mesmo. As contradições e suas sombras, os nicknames e as pessoas iradas que parecem tudo saber, nada saber, curta memória e aqueles que curtem a memória. 

Jurei que não escreveria nada hoje, Domingo, dia de chuva em NY e encontros com gente do passado, e com uma papelada enorme aqui diante do computer. O quê? Como? Sim! Uma compilação de COLUNAS e artigos e mais colunas e peças escritas e livros de compilações de tudo e pós-tudo. 

Aqui, um trechinho de uma coluna que escrevi para as contra-capas do “Caderno B”, do JB, das terças (esta de 15 de abril de 2003, o ano em que voltei a morar em Londres): 

“…Quem lucra? Quem perde? É complicado. Uma nova ordem econômica mundial está se formando. Evidente que os americanos já estão com total controle sobre o petróleo iraquiano. Ao mesmo tempo, o Congresso Americano não debate mais as questões que estavam massacrando há seis meses (Enron, WorldCom, Inclone, AOL-Time Warner e outros escândalos corporativos). Os ingleses, que nunca aderiram ao EURO, se juntaram com os americanos e, ao que me parece, o alvo é continuar a procurar inimigo do “eixo diabólico”… Já que a Al Qaeda está aí e tudo que aconteceu foi o seguinte: já que não conseguiram, até hoje, encontrar o Bin Laden, foram atrás do Saddam Hussein.” 

Quem diria, quem diria… relendo isso 5 anos e meio depois não dá um CERTO CALAFRIO???? 

Caramba! Já escrevi em tantos jornais e de tantos cantos do mundo, desde Zagreb, Budapest, Miami, Tel-A-Viv, Tucson (Arizona), Munique, Chapada da Diamantina,  até sei lá onde. Me pego lendo colunas como “Sir Fernanda Montenegro” ou “Um ano sem Paulo Autran” ou “Doutor Sergio Britto”, o homem de teatro que me levou ao Brasil e a quem sou e serei eternamente GRATO – porque sei ser GRATO, SIM – sempre  e que me deu “Quatro Vezes Beckett” de presente em seu “Teatro dos Quatro”. 

Era uma versão de “Beckett Trilogy” daqui, aquela com o Julian Beck no palco. Sérgio me levou pro Rio uma, duas vezes. A segunda foi pra fazer o “Quartett”, de Heiner Mueller, com ele e Tonia Carreiro. Ambas as montagens nos renderam prêmios Moliere. 

Numa conversa com meu amigo Caetano Vilela, ele me dizia que o teatro não se prestigia mais; não existem mais prêmios e que os prêmios de hoje surgem de pequenas panelinhas. Eu ouvi, pensei e pensei de novo.

Tudo já foi mais glorioso. Deixei meu prêmio Moliere cair no chão de propósito e recusei a passagem em econômica da Air France porque… porque eu ia daqui de NY para Paris anyway, então para que ir do Brasil, apertado, sendo que aqueles QUINHENTOS MIL dólares de mídia que NÓS rendíamos a eles, por causa daquele evento (sendo os 6 melhores do país) não podia, ao menos, nos render assentos em classe executiva? (Um ano depois de meu protesto, parece que virou executiva, sim) 

Este livro me traz muitas memórias. O Brasil precisa delas. Um país que quer apagá-las, como o Incêndio do Teatro Cultura Artística, o fogo mais metafórico da história. 

Obrigado, galera, por terem deixado ser quem eu sou!

Somando e dividindo tudo, só tenho mesmo a dizer:

OBRIGADO, estou super de BEM com a vida!

 

Gerald Thomas

 

(O Vampiro de Curitiba na edição)

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UM ANO SEM PAULO AUTRAN

 

Adeus a Paulo Autran – Ilustrada de segunda, 15 de Outubro de 2007, Folha de S Paulo

 

Paulo Autran dominou os truques dos mestres

Ator falava como Laurence Olivier e fisgava o público com seu olhar


GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Chego do velório e percebo que Paulo Autran morreu no Dia da Criança. Não poderia ter escolhido dia melhor. Talvez seja por isso que esse “ator/símbolo de si mesmo” tenha escolhido um dia como esse e tenha deixado sua mulher, Karin Rodrigues, com um sorriso lindo estampado na cara.

Num momento relaxado, indo buscar sua Karin na peça “O Médico e o Monstro” (há mais de dez anos), ele, Ney Latorraca e eu só falávamos cretinices. Sugeri que fôssemos visitar Haroldo de Campos, que morava a três quarteirões do Tuca, e Paulo brincou: “Mas eu tenho que me vestir de “concreto”? Símbolos? Há um mês e meio, ele estava sentado na minha platéia no Sesc Anchieta, numa quarta-feira, justamente duas semanas depois que ele mesmo havia sido “tombado” enquanto vivo, o que é raríssimo.

Sim, o visionário Danilo Santos de Miranda resolveu transformar o teatro do Sesc Pinheiros em teatro Paulo Autran. E o próprio Paulo pediu que fosse o grandíssimo Marco Nanini quem fizesse as cerimônias da ocasião. Assim como no filme “Quero Ser John Malkovich”, agora, finalmente, podia se “estar dentro” de Paulo Autran pagando ingresso. Ele riu disso entre um trago e outro (maldito cigarro!) enquanto discutíamos algo sobre o Terceiro Reich.

“Estar dentro”, dizia Paulo, “tem muitas conotações”. E ríamos… O espetáculo que acabara de ver era o meu “Rainha Mentira” e lidava com campos de concentração, mas o sempre bem-humorado intérprete (diferente de ator que representa) estava se referindo a coisas mais leves, obviamente. Sempre estive ao lado desse homem, e sempre “combinamos algo pra daqui a um ano” mas nunca compartilhamos o palco. Curioso. Fomos até chamados de “elitistas” pelo atual ministro da Cultura.

O restaurante Piselli era o nosso cruzamento acidental mais freqüente em Sampa e lá falávamos de tudo, assim como fazíamos ao longo desses 23 anos, desde a casa de Tonia Carrero, quando eu a dirigia (junto com Sergio Britto, em “Quartett”, de Heiner Mueller), em sua própria minimansão, onde Paulo e Karin se hospedavam, no Rio.

Ator erudito

Ele era um ator e não um representador. Era um intérprete, alguém que vive em todas as épocas, especialmente no futuro e vê tudo no passado. Paulo é, ainda no presente, um educador, um erudito como poucos nesta classe teatral. Ao contrário de tantos que andam por aí, com ele as conversas podiam perambular entre as razões da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, os filósofos gregos, a queda do Império Romano, a divisão da China pós-Revolução Cultural de Mao…

E seu registro de voz era estranhíssimo. Fora da língua portuguesa, digo, brasileira. Ele falava exatamente no mesmo registro (“pitch”) que Laurence Olivier. E, assim como uma criança, tinha a curiosidade de olhar para o céu e observar estrelas. Mas no teatro transformava as estrelas em refletores e nos devolvia a luz de uma lâmpada que batia em sua pupila e nos fisgava, não importa em que ponto ou fundura do palco ele se encontrava. Truques de grandes mestres, já que carisma não se explica.

Ele olhava a imensidão do universo com a mesma intensidade que o urdimento do teatro. Essa vivência é muito difícil de explicar. Mas Paulo será muito difícil de explicar porque, mesmo enfermo, ele não parava de ir ao teatro, de querer enxergar novos talentos, de querer estar no palco por eles, ou melhor, através deles.

O ator morre todos os dias, no momento em que se veste de personagem. Morre de novo quando o personagem morre ou quando a cortina fecha ou quando o público o aplaude ou na solidão do seu camarim.

Quem morreu na última sexta foi uma grandiosa criança chamada Paulo Autran, cujo legado não nos deixará nunca.

Quem sabe ele está estudando um novo método qualquer pra poder nos surpreender novamente. Vai com Deus, meu querido. Fique em paz!

GERALD THOMAS é autor e diretor de teatro

 

Quem quiser assistir a entrevista de Gerald Thomas com o Paulo Autran clique no link abaixo:

http://www2.uol.com.br/geraldthomas/new/entrevistas.htm

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