Miami- South Beach
Depois de dias com um post aqui em baixo, que atingiu mais de seis mil hits, sobre pedófilos, me senti na obrigação de relatar um pouco do que tenho assistido numa conferência que aborda assuntos como exilados, desterrados, aqueles que buscam trabalho porque se sentem reféns em seus próprios países. Sei, pela minha família, o que é isso. Digo, ser refém.
Bem, esse assunto também não é exatamente novo para mim, não. Na década de 70 eu trabalhava como voluntário no Secretariado Internacional da Amnesty International em Londres, a favor dos presos políticos, exilados, torturados, desaparecidos, etc., no Brasil. Eram 24 horas sobre 24 horas de trabalho. Trabalhávamos com telex! Urgent Action! Os telegramas para que as torturas sobre A, B ou C cessassem tinham que estar na mesa do Almirante Helio Leite ou Julio de Sá Bierrenbach no Superior Tribunal Militar, em Brasília, em questão de horas e… assinados por chefes de Estados de democracias cristãs européias ou monarquistas! Bem, não vou aqui repetir essa história. Quem sabe, sabe, e quem não sabe, não precisa!
Nunca acreditei que o Estado devesse ter/pudesse ter qualquer tipo de PODER sobre o cidadão! Por que isso? Porque metade da minha família virou carvão em Auschwitz justamente por causa de ABUSO de poder!
Mas, de volta á essa conferência: haitianos, cubanos, mexicanos que cavam túneis ou são trazidos pelos coyotes, ou hondurenhos e mesmo paquistaneses que nada têm a ver com a Al Qaeda, mas tentam a entrada pela costa da Flórida ou Louisiana (via Jamaica ou Trinidad) depositam todas as suas vidas e esperanças para poder entrar aqui. São pessoas ou famílias inteiras que se arriscam a barquinho (aquilo com que brinco nas BlogNovelas e agora estou completamente arrasado pois os vi de frente) e que, às vezes, são interceptados pela Coast Guard Americana e mandados de volta para os tubarões.
Como o Gustavo, um peruano. Uma vez aqui dentro, trabalha como carregador de navios de turistas, como a Carneval Cruises. Não está legalizado e leva insultos de pessoas nessa cidade onde é permitido andar de moto sem capacete. Por que os insultos? Porque não fala uma palavra de inglês. “Mas tudo bem”, digo eu.
“Ninguém em Miami fala inglês: espanhol é a língua oficial”. “No, boss! Los grandes hablan en russingles!”
Ah…
Miami onde tudo é possível. Onde o “concierge” do hotel consegue tudo. Entendem? TUDO (deixem suas fantasias irem longe e os dólares voarem)! Miami, aonde a crise da Wall Street não chegou e onde a Collins Avenue ou a Lincoln Road são povoadas por tijuanos e dependem do serviço de imigrantes ilegais, esse assunto ainda é, continua sendo, o mais controverso.
McCain é, há mais de duas décadas, o senador do estado do Arizona. Quando estive em Tucson, conversei com os motoristas de táxi que vão para caça à noite com night vision. Cada cabeça trazida lhes vale 100 dólares. “Mas não é pelo dinheiro”, brincava um (enquanto eu, entre o espanto e quase lágrimas, me encolhia no assento de seu táxi). “É pelo esporte mesmo!”.
Ontem eu estava numa tal depressão, mas tal depressão que recebi esse e-mail do meu fiel e real amigo, um verdadeiro psicanalista, João Carlos do Espírito Santo. Acho que o conteúdo do e-mail diz tudo. Sobre o meu estado após a convenção, lhe escrevi e ele respondeu:
“… Este era meu medo ao sabê-lo ouvindo os depoimentos: os ecos que despertariam.
Sim! O desejo de quem minimamente está vivo, é este, anular-se ou explodir toda esta perversão diária. Quando pensamos que chegamos ao final do poço, descobrimos que tem mais um pouco, que alguém escavou mais. Só não tem escada para subir, sair do que os cínicos aprofundam sentados em suas indiferenças, em suas armadilhas em que a palavra dissociou-se da coisa, da referência, e foi à deriva do mau-caratismo.
Sim Gerald e não há sequer consolo pensar que isso está circunscrito a países periféricos, esta é a tônica da contemporaneidade: A ABJETA, sórdida relação com toda a alteridade.
Esta é a herança dos nossos tempos, de nossos territórios: deturpação, esvaziamento da ética, implosão da moral em discurso pervertido, em bestialogias diárias, em sórdidos sorrisos chamados mercados. Reduzem-nos a isso, mercadoria para troca ou para o descarte, o refugo, o lixo.
Mas, previne-te, que nestes ataques intensos às sensibilidades reside o maior ardil, Derrubam, se nos vencem, os últimos resistentes, os que colocam o dedo na ferida, os que nomeiam o que eles negam. Sobrevivemos para ver campos de concentração sem muros, para viver torpor social, ausência de solidariedade. Atravessamos o século XX para entregar, jogar a toalha? De jeito nenhum, vamos a resistência, pois o silêncio é o que esperam para enfim, arquitetar a destruição final. Aqui vale recordar os mortos – todos os que valem a pena prantear – e elevar-se a condição superior do anacrônico e dizes:
NÃO!
NÃO! AINDA NÃO CHEGAMOS AO FINAL, SE SOMOS PONTO É PARA INÍCIO DE PARÁGRAFO.
NÃO! Um seco não, um claro e inequívoco não em nome do SIM, que dás a tantos anos, que teimo em resgatar em meus pacientes, pois do contrário, cederemos às cinzas, ruiremos em nossas vidas com o que ainda espera, com o horizonte do viável.
Recobra-te, em silêncio chora o que está, mas não te renda ao que querem que seja.
Só há um caminho: SEGUIR SEMPRE!
Se ainda houver tempo hoje, responda-me, pois sinto os estragos do dia de hoje em seu mais íntimo ser.
Um grande, solidário, triste e querido abraço.”
João Carlos
Sim, seguindo em frente sempre! Às vezes me pergunto…
COMO?
Gerald Thomas
Ainda em Setembro, último dia do mês, 2008.
(O Vampiro de Curitiba, na edição)