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VERSÃO IMPRESSA
(O Vampiro de Curitiba na edição)
A tristeza da perda e a imbecilidade do dia a dia
New York- Não posso dizer que não fiquei triste com a morte do Boal. Óbvio que fiquei. Fiquei triste com a morte de um artista. Quantos deles temos hoje em dia? Poucos.
Muito poucos.
Se você liga a televisão ou vai ao cinema pode medir: vai ouvir a palavra KILL ou MATAR ou MORRER a cada 3 minutos (se não mais) e o Ibope exige que os programas sejam baseados na vida e na relação polícia versus bandido e os procedimentos legais: são milhares de programas, em milhares de formatos. Na política é a mesma coisa. A retórica é a mesma.
Pontes explodem, carros explodem, pessoas explodem. Raramente nota-se que já existiu uma sinfonia como a de Mahler, a SEGUNDA, a Ressureição, para ser mais preciso. Poucas vezes a mídia, seja ela qual for, nos remete a uma sinfonia de Beethoven ou a uma ópera da Wagner. Não há mistérios! É a violência que dá audiência mesmo. E, se não é a violência bruta, a crassa, então é o melodrama barato, estúpido. E se não é isso, somos consumidos pela notícia do PÂNICO (como o terror da gripe suína e outras coisas do tipo. Nossa vida sempre em “perigo de vida” e a tal chamada guerra dos mundos, que Orson Welles tão magnificamente satirizou pelo rádio). Ah…
Boal morreu. Seu Teatro do Oprimido não era a “minha coisa”. Mas faz pensar. Faz pensar o que ele pensava sobre seu teatro. E isso não é pouco. E nos faz pensar sobre a vida, ou melhor, a morte. Os grandes artistas, ou melhor, a ARTE GENIAL, como a de Mahler, como a de Beckett, como a de Joyce ou a de Gogol, Tolstoy ou Conrad ou seja lá qual for seu autor predileto, faz pensar sobre a morte: como deve ser, como somos imbecis com nossos valores materiais aqui nesta terra. Claro, Goethe e seu Fausto, assim como Marlowe e seu Fausto. Shakespeare e as comédias trágicas e as tragédias trágicas ou as moderadas.
O sistema nos traiu. Sim, fomos traídos. Somos todos cornos! Estamos vivendo há uma década, ou mais, sob falsas pretensões e sob falsos valores esperando um messias.
Somos uns imbecis achando que o dia de amanhã será melhor porque o politico A, B, ou C nos salvará da crise absoluta do sistema vigente. Não nos salvará.
E Boal nisso tudo? Bem, Boal tinha suas convicções. Podia não me convencer com seu teatro “em prática”, mas ele já previa e já cantava essa bola há muito tempo. Qual bola? A de que somos cornos de um sistema que nos trai. Mas ele, diferente do Living Theater, diferente dos outros que cantavam a mesma bola, levou seu teatro pro lugar do consumo: o supermercado, ou o lugar onde se consumia aquilo que o sistema martelava na gente! Teatro de Martelo! Um ensaio permanente e inocente (até) de como fazer de corno um sistema que nos faz de corno. Boal estudou aqui na Columbia University e fez grandes amigos. Mas era outra era, outro tempo.
Esse tempo hoje:
Um bando de imbecis tweetando, ou twitando, como preferirem, achando que estão na “última”, exacerbando o ego e elevando o seu anonimato berrando pros oito cantos do mundo o “nada” do que fazem todos os dias. Que lindo! Já o teatro do invisível de Boal já cantava a bola justamente desse invisível ou desse oprimido (que somos nós, todos nós. Não necessariamente se fala de uma CLASSE, e sim de um estado de ser).
A Arte volta a fazer parte de nossas vidas e de nossas lágrimas. Tentei resistir e não escrever, pois não gosto de escrever emocionado. Augusto Boal morreu e com a morte dele se percebe que morreu um artista.
Isso deixa a ARTE num estado de fragilidade. Ou com a imunidade baixa, fraca.
O mundo não é feito, mas “está” feito de programas que trivializam a alma, que derrubam o ser humano para um lugar onde ele não merece estar: a sua pior ignorância.
É isso. Escrevo pois pesa o peso da M.O.R.T.E. e, nesses dias de angústia, a falta de um ser que construiu um vocabulário teatral é realmente triste. Muito triste.
Quantos construíram um vocabulário teatral?
Quantos sequer “pensaram” sua arte?
Estamos sendo traídos pelo sistema: talvez seja hora de pararmos de nos acusar uns aos outros e pensarmos na CENA de ORIGEM. Sim, aquela que os filósofos invocam quando têm de enfrentar a GRANDE CRISE, ou melhor, GRANDE ARTE, ou seja: a morte!
Gerald Thomas, 3 de Maio de 2009.
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(O Vampiro de Curitiba na edição)
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Do Blog do Caetano Vilela:
“Nós artistas de uma hora para outra nos transformamos todos numa espécie de ‘ativistas humanitários-culturais’! Não basta a ‘nossa causa’ é preciso ter “contrapartida social” para isso e aquilo e agora também nos exigem “medidas preventivas contra o impacto ambiental negativo”… que ‘po*&%$%a’ é isso? Tudo agora tem de ser carbon free, sustentável, ecológico, etc.
E eu digo: “é só uma pecinha de teatro senhor!”, “é apenas uma ópera madame!”, “é só um showzinho presidente!”
Qual o papel do Artista na burocracia contemporânea deste rosário sem fim ‘pseudo politicamente correto’? Produzir/Poluir?
Tá certo também que parte da ‘classe’ exigiu seu reconhecimento depois de palestras, encontros e ‘sufrágios democráticos’ (contando os braços erguidos ‘a favor’) num movimento batizado de “Arte contra a Barbárie” (!), resultando dentre outras aberrações ‘excludentes’ num tal “Fomento para as Artes”.
É isso então, lutaram contra a ‘barbárie’ (seria o ‘capitalismo do teatrão’), ganharam o ‘fomento’ e hoje são todos ‘ativistas’ de plantão defendendo o seu espaço (físico) alugado produzindo pouco para pouquíssimos (às vezes até muito para ‘muitíssimos’, mas não faz diferença), fazendo muito barulho para não largarem o ‘osso fomentado’.
Viraram ‘educadores’, plantaram sementes (paúba?), reciclaram seus programas (ou ‘pogrom/погром’) em troca de quê?
Nem prêmios nos credenciam mais. Um Shell (poluidora?) desacreditado vale hoje muito menos do que o antigo Molière (passagem para Paris ida e volta sem nenhum dinheiro!). Prêmios também viraram ‘contrapartida social’ das empresas que usam artistas como mico de circo: Prêmio Bravo, Contigo, Coca-Cola, etc… nenhum deles trazem público e muito menos prestígio.
A indiferença é triste e gritante.
…
O resultado do que se busca é o contrário, o teatro brasileiro está fomentando o emburrecimento do seu público. Falarei apenas do teatro, já que se abrir o verbo para defender a ‘classe lírica’ serei acusado de defender a ‘barbárie’ produzida pela alta elite! Mal sabem eles que faço ópera ao ar livre em Manaus para mais de 20 mil índios encantados! Seria isso uma ‘medida contra o impacto ambiental negativo’ aceitável? Aliás são 20 mil índios que deixaram de ligar os seus televisores e foram à praça (a pé ou com transporte público movido a energia alternativa!) pública assistir a um espetáculo lírico. Essas coisas enlouquecem críticos da Alemanha, Espanha, EUA, França, etc… todo ano e são publicadas em todas as mídias mas parece que o burocrata por trás do ministério da cultura além de surdo e monoglota é insensível ao reconhecimento do ‘inimigo estrangeiro’. Hummm, acabei falando!
Sou ARTISTA e não EDUCADOR, minha função é outra; deveríamos passar ao largo da catequisação da luta de classes que este governo inflama.
Que as EXCEÇÕES destes casos possam produzir mais e PENSAR este País!
Poucas vezes encontramos um diálogo aberto e honesto nos espetáculos apresentados em São Paulo, comunicar não é mais a razão de estrear um espetáculo, tudo se resume a um sindicalismo frouxo e burro. A obra já não fala por si (que me perdoe Adorno), é preciso fazer um ‘movimento’ (que me perdoe Caetano Veloso)! Uma geração inteira de artistas que começou a respirar após a ditadura ainda está bastante imatura para lidar com certos valores de liberdade e capitalismo (que me perdoe Marx).
Desconhecem princípios sobre a ética (que me perdoe Espinosa) e banalizaram o mal (sorry Hannah Arendt).
Ao final deste governo, nós artistas, nos juntaremos aos milhões de ‘assistidos’ por todas as ‘bolsas sociais’ e nos tornaremos mendigos por anos e anos de uma política populista e melíflua que demorará muito (dependendo dos próximos e próximos governantes) para ser extirpada e repensada.
Claro que quem sofrerá com isso será a Arte, muito antes dos artistas, mas estamos falando de algo supérfluo, não é mesmo?!”
(Vamp na edição)
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“Não, não… não é o que vocês estão pensando. Não, não é isso. De certa forma… quero dizer, de alguma forma, é o que vocês estão pensando, sim. Não posso negar. De alguma forma, o que vocês estão vendo agora, confirma exatamente isso (o que está no palco, vida, política, jornais, etc), e confirma também o que vocês estão pensando.
Engraçado. Triste. O desmoronamento. Várias obras de arte têm essa cara. Melhor, o PODER tem essa cara também.
O Poder e a Arte tem a cara da destruição!”
E por aí vai a narração inicial de “O CÃO QUE INSULTAVA MULHERES, Kepler, the dog” que estreou semana passada (apresentação única) em Sampa e pelo IG.
Muita coisa pessoal aconteceu na minha vida desde que comecei a ensaiar o espetáculo. Muita coisa aconteceu desde que ela foi ao ar.
Às vezes devemos dar uma parada em tudo. Zerar. Lubrificar o corpo. Postar a alma diante do espelho como o mais angelical dos seres ou o mais diabólico deles e perguntar: “o que estamos fazendo aqui? Pra quem e pra quê? Quem são nossos amigos? Quem são os oportunistas? Quem são nossos inimigos?”
As respostas podem vir na hora. Outras podem demorar algum tempo. De uma forma ou de outra, quem vive uma ‘vida pública’ assim como eu, já deve dormir com um olho aberto. Quem se aproxima… hummm, deve se aproximar porque deve querer alguma coisa.
INÍCIOS DE TUDO
Vejo uma geração (aliás, duas) inteira de pessoas fingindo que estão acontecendo coisas. Uma, a mais velha, FINGE que há um NOVO INÍCIO de TUDO, como se os tempos de hoje fossem a nova Gênese. Bosta. Não tem nada de novo acontecendo além do fingimento oportunista desses alguns que querem estar desesperadamente correndo em busca de um tempo perdido.
E tem de fato a geração de hoje, a nova, que não sabe porra nenhuma mesmo e que olha qualquer negócio com aquele olhar bestial de novidade. Dá preguiça? Não sei. Dá pena. Mas sempre foi assim. Schoenberg já escrevia sobre isso. Outras dezenas também. E sei lá quem escrevia que o “tempo contemporâneo traz memórias pra serem preenchidas”. Ah, tem cara de ser Wittgenstein, mas posso estar chutando.
“Hedonismo perverso”
Mesmo assim, exausto da estréia do Cão que insultava e insulta, fui ver o espetáculo que Jô Soares montou no “Teatro Vivo” com o Wilker e cia. E o quê? Me surpreendi como o Wilker está ÓTIMO, como o Jô deixou o texto de Albee de pé, sem pretensões de querer cultuar um manifesto em torno de si mesmo. Ah sim, nem tudo é perfeito, mas… quem sou eu para estar escrevendo sobre perfeição ou cultos sobre o diretor, etc.?
Encontrei no camarim um Jô Soares tão doce, tão simpático e tão aberto a tudo que, complementar ao texto do Albee e a interpretação inesperada de Wilker, deixa em aberto se não devemos nos olhar mais no espelho todos os dias um pouco menos. Vou repetir. Olhar MAIS no espelho um pouco MENOS (essa frase é melhor em alemão). Olhar menos no espelho e testar nossas idioTsincrasias e daqueles que consideramos amigos, inimigos ou da tchurma ou da antiTchurma ou de pessoas que consideramos hostis ou da nova FASHION Actor ou Fashion ACTRESS ou do Pink is the new Black. E por quantos anos olharemos para fora ao invés de para dentro para constatar uma coisa, uma única e só coisa?
Sylvia, a cabra, é uma paixão impossível porque ela não existe.
A questão mais profunda e mais dolorosa entre nós da humanidade seria: temos realmente alma suficiente para amar ou entregar, para colocar nosso coração à disposição de alguma outra pessoa em qualquer momento de nossas vidas? Ou o MOTTO do “Kepler the dog” está mesmo certo: ”Não, nao é o que vocês estão pensando. Sim, é o que vocês estão pensando, sim. O que está colocado na frente de vocês e na minha frente agora é isso! E se está colocado na sua frente, tem que ser comido, atacado, digerido, possuído e depois… CAGADO FORA!
XEQUE-MATE!
Gerald Thomas,
Depois de uma longa conversa sobre “amizades da oportunidade” com João Carlos do Espírito Santo.
PS: “O CÃO QUE INSULTAVA MULHERES, KEPLER, THE DOG”, AO QUAL O TEXTO SE REFERE, PODE SER VISTO AQUI:
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GERAÇÃO CARETA
“Tem uma espinha de peixe entalada na minha garganta”, me conta uma atriz. “Já fui várias vezes no otorrino e ele diz que não tem nada ali… mas eu sinto ela lá”. Já um dos atores, quase quieto ou cabisbaixo, diz que gostaria de dizer tanta coisa , mas tanta coisa, mas não sabe como e nem por onde começar.
Olha só que loucura! Estou cercado de gente na faixa dos 25 pra 30 anos. Nunca me senti cercado por gente tão careta em toda minha vida.
Careta? Como definir?
Sim. O artista tem que merecer estar no palco. Tem que merecer estar ali no foco de luz enquanto a platéia está escura. E, para isso, tem que ter experiências de VIDA que gente da platéia não tem, não tem CORAGEM de ter (barreiras de todas as formas, tabus, sexualidade mal resolvida, etc).
Hoje em dia as coisas mudaram. A PLATÉIA parece ser mais interessante que o pessoal do palco. Não é difícil entender porquê. Numa sociedade disfuncional como a de hoje, onde cada um vem se rastejando de um canto e se segurando onde pode, atores e gente de palco deveriam estar SEMPRE léguas na frente. Experiências na frente. Para poder contar ou contra-propôr esse “algo” que está proposto pelo status quo.
Não é o caso. Os atores se chocam com as mesmas coisas que a Da. Maria do Interior das Pratarias se choca. Se despedem com a mesma distância que Da. Maria se despede ao sair da Igreja aos domingos e encaram a vida no palco como se fosse uma ciência: não é!
Existem MUITAS E VÁRIAS crises no teatro. Ás vezes não se tem o que dizer mesmo. Ás vezes não nos deixam dizê-lo. Ás vezes existem tantas coisas para serem ditas que é necessário acionar um freio de mão para que a coisa não se torne hemorrágica. E agora, nesse instante, EU SINTO, que estou batendo com a cabeça na parede criando galos que não cantam, galinhas que não chocam, ovos que não estalam. “Eu tento, entende Gerald? Eu tento chegar… mas não consigo.”
GT: “Tenta chegar? Mas como? Você já não está aqui?”
“Tento chegar a essa coisa proposta” , me conta uma outra atriz, “mas ela está longe de mim”.
Medo. Muito medo. Medo de se arriscar. O pior é que a arte nunca existiu sem RISCO. Melhor ainda: a arte vive do próprio RISCO!
O resto, o mundo lá fora resolve.
Ou não, como sempre foi o caso.
Gerald Thomas
Num engarrafamento existencial de São Paulo
(Vamp, com saudades, na edição)
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