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Gerald Thomas fala ao GLOBO

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VERSÃO IMPRESSA

jornal o globo

(O Vampiro de Curitiba na edição)

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Boal Morto: Quantos Ainda Pensam a Sua "Própria" ARTE?

A tristeza da perda e a imbecilidade do dia a dia

 New York- Não posso dizer que não fiquei triste com a morte do Boal. Óbvio que fiquei. Fiquei triste com a morte de um artista. Quantos deles temos hoje em dia? Poucos.

Muito poucos.

Se você liga a televisão ou vai ao cinema pode medir: vai ouvir a palavra KILL ou MATAR ou MORRER a cada 3 minutos (se não mais) e o Ibope exige que os programas sejam baseados na vida e na relação polícia versus bandido e os procedimentos legais: são milhares de programas, em milhares de formatos. Na política é a mesma coisa. A retórica é a mesma.

Pontes explodem, carros explodem, pessoas explodem. Raramente nota-se que já existiu uma sinfonia como a de Mahler, a SEGUNDA, a Ressureição, para ser mais preciso. Poucas vezes a mídia, seja ela qual for, nos remete a uma sinfonia de Beethoven ou a uma ópera da Wagner. Não há mistérios! É a violência que dá audiência mesmo. E, se não é a violência bruta, a crassa, então é o melodrama barato, estúpido. E se não é isso, somos consumidos pela notícia do PÂNICO (como o terror da gripe suína e outras coisas do tipo. Nossa vida sempre em “perigo de vida” e a tal chamada guerra dos mundos, que Orson Welles tão magnificamente satirizou pelo rádio). Ah…

Boal morreu. Seu Teatro do Oprimido não era a “minha coisa”. Mas faz pensar. Faz pensar o que ele pensava sobre seu teatro. E isso não é pouco. E nos faz pensar sobre a vida, ou melhor, a morte.  Os grandes artistas, ou melhor, a ARTE GENIAL, como a de Mahler, como a de Beckett, como a de Joyce ou a de Gogol, Tolstoy ou Conrad ou seja lá qual for seu autor predileto, faz pensar sobre a morte: como deve ser, como somos imbecis com nossos valores materiais aqui nesta terra. Claro, Goethe e seu Fausto, assim como Marlowe e seu Fausto. Shakespeare e as comédias trágicas e as tragédias trágicas ou as moderadas.

O sistema nos traiu. Sim, fomos traídos. Somos todos cornos! Estamos vivendo há uma década, ou mais, sob falsas pretensões e sob falsos valores esperando um messias.

Somos uns imbecis achando que o dia de amanhã será melhor porque o politico A, B, ou C nos salvará da crise absoluta do sistema vigente. Não nos salvará.

E Boal nisso tudo? Bem, Boal tinha suas convicções. Podia não me convencer com seu teatro “em prática”, mas ele já previa e já cantava essa bola há muito tempo. Qual bola? A de que somos cornos de um sistema que nos trai. Mas ele, diferente do Living Theater, diferente dos outros que cantavam a mesma bola, levou seu teatro pro lugar do consumo: o supermercado, ou o lugar onde se consumia aquilo que o sistema martelava na gente! Teatro de Martelo! Um ensaio permanente e inocente (até) de como fazer de corno um sistema que nos faz de corno. Boal estudou aqui na Columbia University e fez grandes amigos.  Mas era outra era, outro tempo.

Esse tempo hoje:

Um bando de imbecis tweetando, ou twitando, como preferirem, achando que estão na “última”, exacerbando o ego e elevando o seu anonimato berrando pros oito cantos do mundo o “nada” do que fazem todos os dias. Que lindo! Já o teatro do invisível de Boal já cantava a bola justamente desse invisível ou desse oprimido (que somos nós, todos nós. Não necessariamente se fala de uma CLASSE, e sim de um estado de ser).

A Arte volta a fazer parte de nossas vidas e de nossas lágrimas. Tentei resistir e não escrever, pois não gosto de escrever emocionado. Augusto Boal morreu e com a morte dele se percebe que morreu um artista.

Isso deixa a ARTE num estado de fragilidade. Ou com a imunidade baixa, fraca.

O mundo não é feito, mas “está” feito de programas que trivializam a alma, que derrubam o ser humano para um lugar onde ele não merece estar: a sua pior ignorância.

É isso. Escrevo pois pesa o peso da M.O.R.T.E. e, nesses dias de angústia, a falta de um ser que construiu um vocabulário teatral é realmente triste. Muito triste.

Quantos construíram um vocabulário teatral?

Quantos sequer “pensaram” sua arte?

Estamos sendo traídos pelo sistema: talvez seja hora de pararmos de nos acusar uns aos outros e pensarmos na CENA de ORIGEM. Sim, aquela que os filósofos invocam quando têm de enfrentar a GRANDE CRISE, ou melhor,  GRANDE ARTE, ou seja: a morte!

 

Gerald Thomas, 3 de Maio de 2009.

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(O Vampiro de Curitiba na edição)

 

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Arte e Estado Não se Misturam

 New York – Tem datas que não nos falham. Nossos mestres, nossos grandes mestres, ou momentos como o assassinato de JKF, a crise dos mísseis, a foda do “Último Tango em Paris”, a queda do muro de Berlin e, por exemplo, o tiro que o ditador da Romênia, Nicolae Ceaucescu levou na frente das câmeras de TV. Para o espanto de todos, aquilo foi chocante. Mesmo para aqueles que, como eu, haviam feito demonstrações nas ruas contra o Nixon e a guerra do Vietnam e queríamos ver os Stalinistas todos atrás das grades, eu, um pacifista por natureza, fiquei assustado com aquele tiro.

 

Por que digo isso? Por causa do tempo/espaço onde estamos e ocupamos quando algo dessa magnitude acontece. Assim como a morte repentina e precoce do “monstro sérvio” Milosevic (numa cela em Haia), a morte de Ceaucescu me marcou porque eu ensaiava o meu “Sturmspiel” no teatro estatal da Baviera em Munique com um vasto elenco. Todos comentamos o evento naquele dia. Alguns extras eram romenos. Eu tinha uma namorada (mezzo soprano) chamada Ruxandra Donose, que vinha de Bucarest e cuja família havia sofrido nas mãos do ditador. E, no teatro, Andrej Serban, havia sido “resgatado” por Ellen Stewart, anos antes. Décadas antes. Ainda jovem. Senão, teria entrado nos fornos da ditadura daquele terrorista no poder.

Tudo isso pra introduzir um belíssimo artigo de Caetano Vilela sobre ARTE e ESTADO. OS DOIS não se misturam. Quando um quer entrar no outro não HÁ MAIS ISENÇÃO POSSÍVEL.

Mesmo de forma mais branda (no teatro estatal de Munique – no meu caso no Cuvillies Theater), a pressão de Klaus Everding, (secretário de cultura de toda a Baviera na época), já era uma interferência gigantesca. O Muro de Berlim ainda não havia caído. Ainda vivíamos a guerra fria. Enfim, ao belíssimo artigo de Caetano:

Do Blog do Caetano Vilela:

Que ‘movimento’ é esse? (ou: sou Artista e não Educador-Ativista)

 

Ao trabalho camaradas, organizem um movimento e façam a máquina produzir!
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“Nós artistas de uma hora para outra nos transformamos todos numa espécie de ‘ativistas humanitários-culturais’! Não basta a ‘nossa causa’ é preciso ter “contrapartida social” para isso e aquilo e agora também nos exigem “medidas preventivas contra o impacto ambiental negativo”… que ‘po*&%$%a’ é isso? Tudo agora tem de ser carbon free, sustentável, ecológico, etc.
E eu digo: “é só uma pecinha de teatro senhor!”, “é apenas uma ópera madame!”, “é só um showzinho presidente!”

Qual o papel do Artista na burocracia contemporânea deste rosário sem fim ‘pseudo politicamente correto’? Produzir/Poluir?
Tá certo também que parte da ‘classe’ exigiu seu reconhecimento depois de palestras, encontros e ‘sufrágios democráticos’ (contando os braços erguidos ‘a favor’) num movimento batizado de “Arte contra a Barbárie” (!), resultando dentre outras aberrações ‘excludentes’ num tal “Fomento para as Artes”.
É isso então, lutaram contra a ‘barbárie’ (seria o ‘capitalismo do teatrão’), ganharam o ‘fomento’ e hoje são todos ‘ativistas’ de plantão defendendo o seu espaço (físico) alugado produzindo pouco para pouquíssimos (às vezes até muito para ‘muitíssimos’, mas não faz diferença), fazendo muito barulho para não largarem o ‘osso fomentado’.
Viraram ‘educadores’, plantaram sementes (paúba?), reciclaram seus programas (ou ‘pogrom/погром’) em troca de quê?

Nem prêmios nos credenciam mais. Um Shell (poluidora?) desacreditado vale hoje muito menos do que o antigo Molière (passagem para Paris ida e volta sem nenhum dinheiro!). Prêmios também viraram ‘contrapartida social’ das empresas que usam artistas como mico de circo: Prêmio Bravo, Contigo, Coca-Cola, etc… nenhum deles trazem público e muito menos prestígio.
A indiferença é triste e gritante.

O resultado do que se busca é o contrário, o teatro brasileiro está fomentando o emburrecimento do seu público. Falarei apenas do teatro, já que se abrir o verbo para defender a ‘classe lírica’ serei acusado de defender a ‘barbárie’ produzida pela alta elite! Mal sabem eles que faço ópera ao ar livre em Manaus para mais de 20 mil índios encantados! Seria isso uma ‘medida contra o impacto ambiental negativo’ aceitável? Aliás são 20 mil índios que deixaram de ligar os seus televisores e foram à praça (a pé ou com transporte público movido a energia alternativa!) pública assistir a um espetáculo lírico. Essas coisas enlouquecem críticos da Alemanha, Espanha, EUA, França, etc… todo ano e são publicadas em todas as mídias mas parece que o burocrata por trás do ministério da cultura além de surdo e monoglota é insensível ao reconhecimento do ‘inimigo estrangeiro’. Hummm, acabei falando!

Sou ARTISTA e não EDUCADOR, minha função é outra; deveríamos passar ao largo da catequisação da luta de classes que este governo inflama.
Que as EXCEÇÕES destes casos possam produzir mais e PENSAR este País!
Poucas vezes encontramos um diálogo aberto e honesto nos espetáculos apresentados em São Paulo, comunicar não é mais a razão de estrear um espetáculo, tudo se resume a um sindicalismo frouxo e burro. A obra já não fala por si (que me perdoe Adorno), é preciso fazer um ‘movimento’ (que me perdoe Caetano Veloso)! Uma geração inteira de artistas que começou a respirar após a ditadura ainda está bastante imatura para lidar com certos valores de liberdade e capitalismo (que me perdoe Marx).
Desconhecem princípios sobre a ética (que me perdoe Espinosa) e banalizaram o mal (sorry Hannah Arendt).

Ao final deste governo, nós artistas, nos juntaremos aos milhões de ‘assistidos’ por todas as ‘bolsas sociais’ e nos tornaremos mendigos por anos e anos de uma política populista e melíflua que demorará muito (dependendo dos próximos e próximos governantes) para ser extirpada e repensada.
Claro que quem sofrerá com isso será a Arte, muito antes dos artistas, mas estamos falando de algo supérfluo, não é mesmo?!”

 

(Vamp na edição)

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Surtos De Individualismo

 

Não, não… não é o que vocês estão pensando. Não, não é isso. De certa forma… quero dizer, de alguma forma, é  o que vocês estão pensando, sim. Não posso negar. De alguma forma, o que vocês estão vendo agora, confirma exatamente isso (o que está no palco, vida, política, jornais, etc), e confirma também o que vocês estão pensando.

Engraçado. Triste. O desmoronamento. Várias obras de arte têm essa cara. Melhor, o PODER tem essa cara também.

O Poder e a Arte tem a cara da destruição!”

E por aí vai a narração inicial de “O CÃO QUE INSULTAVA MULHERES, Kepler, the dog” que estreou semana passada (apresentação única) em Sampa e pelo IG.

Muita coisa pessoal aconteceu na minha vida desde que comecei a ensaiar o espetáculo. Muita coisa aconteceu desde que ela foi ao ar.

 Às vezes devemos dar uma parada em tudo. Zerar. Lubrificar o corpo. Postar a alma diante do espelho como o mais angelical dos seres ou o mais diabólico deles e perguntar: “o que estamos fazendo aqui? Pra quem e pra quê? Quem são nossos amigos? Quem são os oportunistas? Quem são nossos inimigos?

 As respostas podem vir na hora. Outras podem demorar algum tempo. De uma forma ou de outra, quem vive uma ‘vida pública’  assim como eu,  já deve dormir com um olho aberto. Quem se aproxima… hummm, deve se aproximar porque deve querer alguma coisa.

INÍCIOS DE TUDO

Vejo uma geração (aliás, duas) inteira de pessoas fingindo que estão acontecendo coisas. Uma, a mais velha, FINGE que há um NOVO INÍCIO de TUDO, como se os tempos de hoje fossem a nova Gênese. Bosta. Não tem nada de novo acontecendo além do fingimento oportunista desses alguns que querem estar desesperadamente correndo em busca de um tempo perdido.

E tem de fato a geração de hoje, a nova, que não sabe porra nenhuma mesmo e que olha qualquer negócio com aquele olhar bestial de novidade. Dá preguiça? Não sei. Dá pena. Mas sempre foi assim. Schoenberg já escrevia sobre isso. Outras dezenas também. E sei lá quem escrevia que o “tempo contemporâneo traz memórias pra serem preenchidas”. Ah, tem cara de ser Wittgenstein, mas posso estar chutando.

“Hedonismo perverso”

Mesmo assim, exausto da estréia do Cão que insultava e insulta, fui ver o espetáculo que Jô Soares montou no “Teatro Vivo” com o Wilker e cia. E o quê? Me surpreendi como  o Wilker está ÓTIMO, como o Jô deixou o texto de Albee de pé, sem pretensões de querer cultuar um manifesto em torno de si mesmo. Ah sim, nem tudo é perfeito, mas… quem sou eu para estar escrevendo sobre perfeição ou cultos sobre o diretor, etc.?

Encontrei no camarim um Jô Soares tão doce, tão simpático e tão aberto a tudo que, complementar ao texto do Albee e a interpretação inesperada de Wilker, deixa em aberto se não devemos nos olhar mais no espelho todos os dias um pouco menos. Vou repetir. Olhar MAIS no espelho um pouco MENOS (essa frase é melhor em alemão). Olhar menos no espelho e testar nossas idioTsincrasias e daqueles que consideramos amigos, inimigos ou da tchurma ou da antiTchurma ou de pessoas que consideramos hostis ou da nova FASHION Actor ou Fashion ACTRESS ou do Pink is the new Black. E por quantos anos olharemos para fora ao invés de para dentro para constatar uma coisa, uma única e só coisa?

Sylvia, a cabra, é uma paixão impossível porque ela não existe.

A questão mais profunda e mais dolorosa entre nós da humanidade seria: temos realmente alma suficiente para amar ou entregar, para colocar nosso coração à disposição de alguma outra pessoa em qualquer momento de nossas vidas? Ou o MOTTO do “Kepler the dog” está mesmo certo: ”Não, nao é o que vocês estão pensando. Sim, é o que vocês estão pensando, sim. O que está colocado na frente de vocês e na minha frente agora é isso! E se está colocado na sua frente, tem que ser comido, atacado, digerido, possuído e depois… CAGADO FORA!

XEQUE-MATE!

Gerald Thomas,

Depois de uma longa conversa sobre “amizades da oportunidade” com João Carlos do Espírito Santo.

 

(O Vampiro de Curitiba na Edição)

 

PS: “O CÃO QUE INSULTAVA MULHERES, KEPLER, THE DOG”, AO QUAL O TEXTO SE REFERE, PODE SER VISTO AQUI:


 

 

 

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O que temos "aprontado" no SESC Av. Paulista e também vai virar a BlogNovela

 

KEPLER, O CÃO ATORDOADO

 

Reflexões… (observações dos ensaios)

 

Por Ruy Filho

 

Tentar diagnosticar nossa identidade, já seria um desafio imensurável. Tratar o diagnóstico, então, pelo prisma da arte, associando esta ao poder, torna a abordagem ainda mais complexa.

 

Tudo inicia na exposição de corpos dependurados. Escolha anunciada do próprio criador. “Porque eu coloquei ali”. Mas há mais no que aparenta ser apenas um início de espetáculo. Não são meramente atrizes de ponta-cabeça. Os corpos, expostos como estão, re-significam-se no que possuem de mais óbvio e, portanto, menos percebível ao primeiro olhar já viciado em traduções: são corpos, meramente. Como as figuras de Francis Bacon.

 

Bacon traduz não a mera perda da identidade contemporânea, pois esta seria facilmente confundida com o que há de superficial na maneira como agimos, pensamos e nos mostramos. O que apresenta é nosso interior degenerado, corpos sem pele, cuja estrutura horrível dá imagem, cor e berro a nossas neuroses e solidões desde de sempre, em contínuo.

 

Os dois corpos no fundo do palco são, como se mostram, então, os mesmos e seus próprios duplos espelhados; o corpo sem pele e a casca solta, a voz e o silêncio do próprio criador. E, ao se auto-arremessarem sobre a parede sem exigir qualquer dramaticidade que não o mero gesto, reafirmam sua condição de corpos.

 

Espelhados igualmente, dois outros assumem o palco. Kepler se funde ao seu cão e entrega a este sua reflexão. Tornam-se o mesmo e outro. Enquanto o cão representa a razão, o homem se mostra adestrado e submisso a dar rotina ao animal. Como se estivéssemos cada vez mais voltados a priorizar nossa sobrevivência instintiva ao invés da nossa capacidade em conduzir a outros caminhos, outras possibilidades.

 

A repetição do texto inicial sugere estarmos ainda na mesma cena. Uma reapresentação da primeira. Assim, o animal e seu dono são os mesmos. Tanto quanto os dois corpos dependurados são apenas um. Feito a criação que serve para representar o criador e este a si como própria criação…

 

À razão do cão, contradiz a expurgação descontrolada da merda. Dejeto limitado a existência de um desejo concreto. O corpo absorve o necessário e devolve o que há de mais impróprio pelo resto, pelo lixo. A merda traduzindo, assim, a vida. E, segundo Artaud, representando o divino em nós, pois lembra nossa capacidade em nos purificarmos, a tentativa de sermos melhores do que somos deixando para fora de nossos corpos o que se faz desagradável, e que há algo além. Ou alguém. A merda, portanto, serve de prova da existência de Deus. Deus, entendido aqui, como o maior ou primeiro criador.

 

É disso que tratou Piero Manzoni ao expor seu próprio excremento como obra de arte, ou a Madonna de Chris Ofili, pintura ornamentada por fezes. O que esses artistas estão apresentando é a tese de que o sagrado não existe além e sim no próprio homem, na experiência concreta do corpo que traduz em si mesmo criação e criador. Pois somos o todo e o único, todos e ninguém.

 

Como responder, então, o paradoxo entre “a arte tem a cara do poder” e “o poder tem a cara da arte”? O que parece ser a mesma coisa, expõe uma problemática crucial para chegarmos a tal da identidade. Na primeira questão, a arte é colocada como artifício, instrumento de determinação de uma ordem pela subjetividade da estética; na segunda, o poder se fantasia de subjetividade para esconder sua manipulação. Mas nem tão distantes estão. Equilibram-se na existência do próprio homem como fruto responsável por ambas, já que tanto arte quanto o poder são atributos da necessidade humana de superar o meio, seja ele simbólico (e portanto cultural e natural, entendendo que a origem etimológica das duas palavras são a mesma) ou político.

 

E é esse homem, essa figura, transformada em mulher, que vemos surgir da figura do cão. Se deus é o criador de tudo e todos, então a mulher é responsável pela continuidade da vida. É ela igualmente criadora. A humanidade se configura, portanto, na existência da criação como instrumento de adoração do criador. Adoração exposta em desejo ao próprio corpo, como o streptease do ator (metáfora da necessidade de abdicarmos de nossas máscaras sociais para nos reencontrarmos puros e originais), como a idolatria ao inacessível, ao inquestionável, ao que cala, representado pelo Santo Graal (face existencial de criador supremo).

 

O Homem se afasta de seu duplo. Tem esquecido de compor sua humanidade pela junção do ser e do existir. E a individualidade solitária faz com que, ao nos afastarmos de nós mesmos, nos afastemos de nossa capacidade crítica em ouvir e comparar.

 

Não se trata de valorizar morais ou fundamentos éticos religiosos. Pelo contrário. A peça avança sobre a condição iconoclasta de maneira mais vertical, propondo o próprio homem (criador de si mesmo) como ícone a ser desconstruído ao reivindicar sua capacidade de se recriar e re-significar. Desconfigura a face sagrada e ri de sua face animalesca.

 

A questão, agora, é compreender onde nos reconhecemos então. O que resta deste homem transformado pela história em representação da própria história? Na solidão autodestrutiva, na surdez descomedida, como encontrar nossa identidade?

 

Estamos, como Kepler, isolados por e em nossos próprios discursos. Sem deuses, sem diálogos, sem respostas, pois perdemos a capacidade de fazemos perguntas. Silêncio e ausência. Se tivesse que resenhar sobre nossa identidade hoje, a partir do espetáculo, diria que estamos fadados a fracassar em sermos nós mesmos.

 

 

 

Ruy Filho

 

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GERAÇÃO CARETA

GERAÇÃO CARETA

Tem uma espinha de peixe entalada na minha garganta”, me conta uma atriz. “Já fui várias vezes no otorrino e ele diz que não tem nada ali… mas eu sinto ela lá”. Já um dos atores, quase quieto ou cabisbaixo, diz que gostaria de dizer tanta coisa , mas tanta coisa, mas não sabe como e nem por onde começar.

Olha só que loucura! Estou cercado de gente na faixa dos 25 pra 30 anos. Nunca me senti cercado por gente tão careta em toda minha vida.

Careta? Como definir?

Sim. O artista tem que merecer estar no palco. Tem que merecer estar ali no foco de luz enquanto a platéia está escura. E, para isso, tem que ter experiências de VIDA que gente da platéia não tem, não tem CORAGEM de ter (barreiras de todas as formas, tabus, sexualidade mal resolvida, etc).

Hoje em dia as coisas mudaram. A PLATÉIA parece ser mais interessante que o pessoal do palco. Não é difícil entender porquê. Numa sociedade disfuncional como a de hoje, onde cada um vem se rastejando de um canto e se segurando onde pode, atores e gente de palco deveriam estar SEMPRE léguas na frente. Experiências na frente. Para poder contar ou contra-propôr esse “algo” que está proposto pelo status quo.

Não é o caso. Os atores se chocam com as mesmas coisas que a Da. Maria do Interior das Pratarias se choca. Se despedem com a mesma distância que Da. Maria se despede ao sair da Igreja aos domingos e encaram a vida no palco como se fosse uma ciência: não é!

Existem MUITAS E VÁRIAS crises no teatro. Ás vezes não se tem o que dizer mesmo. Ás vezes não nos deixam dizê-lo. Ás vezes existem tantas coisas para serem ditas que é necessário acionar um freio de mão para que a coisa não se torne hemorrágica. E agora, nesse instante, EU SINTO, que estou batendo com a cabeça na parede criando galos que não cantam, galinhas que não chocam, ovos que não estalam. “Eu tento, entende Gerald? Eu tento chegar… mas não consigo.”

GT: “Tenta chegar? Mas como? Você já não está aqui?

Tento chegar a essa coisa proposta” , me conta uma outra atriz, “mas ela está longe de mim”.

Medo. Muito medo. Medo de se arriscar. O pior é que a arte nunca existiu sem RISCO. Melhor ainda: a arte vive do próprio RISCO!

O resto, o mundo lá fora resolve.

Ou não, como sempre foi o caso.

Gerald Thomas

Num engarrafamento existencial de São Paulo

(Vamp, com saudades, na edição)

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Vamos acabar logo com o inimigo? Obama: astro POP visto pelo deserto do Arizona e pela Guernica de Picasso, ou pelo Africasso, um modesto e lindo projeto de Simon Yiga, garoto jovem su-africano: AFRICASSO!

Obama, Lula, escândalos, problemas existenciais, riqueza e pobreza, quem está certo ou errado, Iraque, vítimas, retórica, retórica e retórica… A arte, sua inutilidade, pessoas que sabem TUDO, mas não saem da toca. E fala-se  disso e daquilo, sobre os homofóbicos e sobre as diferenças entre a seriedade de “interpretar” um papel e “to play a role”, ou seja, “brincar” de fazer um papel no palco. Mas raramente se fala sobre um jovem negro de 25 anos, empresário, sul africano, natural de Johanesburgo.

Pois! Seu nome: Simon Yiga. Idealizador de um projeto maravilhoso: “Africasso”, tremendamente inspirador. África e Picasso. Não se trata de uma ONG, não se trata de querer “curar” a miséria. Simon “coleciona” trabalhos de artistas da África inteira e junta tudo num espaço virtual e, de lá, vende pro mundo.

Mas, de uns tempos pra cá, ele tem me revelado que está mal humorado, chateado, puto mesmo. ‘Afroputo’ mesmo: “What is it, Simon?”.

“São esses merdas do Zimbabwe que vêm pra cá, roubam nossos empregos e trabalham por 25 cents….”. Acho que não preciso dizer mais. Conhecemos esse filme. Nos EUA, temos 12 milhões de mexicanos “legalmente ILEGAIS” catando espinafre e uva na Califórnia. E dominicanos, equatorianos, etc., catando o lixo em Columbus, Ohio. Trabalho que americano NÃO QUER mais fazer.  E aí? Como se sai disso?

Obama ficou pop no mundo, esta virando ícone.

Uma das maiores questões que Obama terá pela frente será a questão dos ilegais. Simon tem verdadeira paixão por ele, assim como eu. Simon, assim como eu, quer pôr um fim a essas guerras inúteis, invasões absurdas baseadas em mentiras e uma vida quase paranóica de escutas telefônicas legitimadas por um Patriot Act e serviços de Intelligence Gathering Agencies que até hoje, quase 7 anos após a queda das torres, não prenderam ou mataram Bin Laden. E só conseguiram disseminar mais ódio contra os EUA e criar novas células de terroristas! É isso. Hoje, somente hoje, morreram 28 em Bagdad e 22 em Kirkuk, vitimas de homens-bomba. Mas Bush diz que esta melhorando e tudo sempre sobre controle. Da?

Às vezes, não sei o que fazer com esse Blog. Não sei se devo cumprimentá-lo todos os dias ou ainda me pendurar nos galhos que restam. Esse blog brota como um arbusto ou um cacto no deserto do Arizona. Talvez eu devesse ser engolido por um iguana, como foi a Andréa N., ou a Andréa Schwartz, aquela que inventaram como filtro pra mascarar o que realmente o Eliot Spitzer, ex Governador do estado de Nova York, fazia naquele quarto de hotel em Washington… atchim!

Alguém, no vasto silêncio da solidão de uma campanha política pró-Obama no estado do Arizona – território inimigo porque esse AZ pertence a McCain – me perguntou porque eu me encostaria num blog como se ele fosse algo físico, palpável.  Assim como o Simon em Johanesburgo, olho pela janela e deliro. Deve ser o deserto imaginário. A cultura jalapenha!

Explico: Sou nômade. Sou assim como a Espanha: dividido em quatro. Às vezes preciso me encostar, sentar, descansar em algo, mesmo que seja em algo virtual. Pode-se dizer que a Espanha (assim como a Itália ou a Inglaterra), muda de identidade e de sotaque a cada 15 quilômetros. Mas prefiro dizer que sou como a Espanha.

Quando venta a morte na profunda relva

e remove do ocidente todas as imagens

que as nuvens erguem – então

vem a noite e lê as estrelas.”

(poema retirado do livro “Aventuras de Uma Língua Errante, por J. Guinsburg – editora Perspectiva)

E quando as estrelas aparecem tudo fica numa perspectiva triste. Ficamos pequenos. Mínimos. Não ha Johannes Kepler que nos coloque num lugar real. Somos efêmeros e passageiros e nossas dores, meras expressões de egos inflados. Alguns mais inflados que outros.

Me pego num simples beliscar, petiscar, mandando um email desejando “merda” ou “Break a Leg” pra alguém que teve estréia de um espetáculo teatral essa semana. Gesto de carinho, óbvio. Resposta? Pouco importa, já que pouco, pouco importa. Digo pouco nada importa, ou nada realmente importa nos continentes onde as coisas importadas importam: na África de Africasso e de Nelson Mandela, por algum motivo, onde o Simon ainda é revistado pela polícia por ser negro, por morar em bairro de brancos(!!!!), às vezes quero mesmo é desistir! Mas quem sou eu? Nada e ninguém!

Já que hoje, o que realmente importa seria o pop e a multidão que ovacionou Obama em Berlin, lá pela casa dos 200 mil. Tipo, meio Woodstock. Só que na Alemanha, eu tenho medo dessas multidões. Em 1933, também havia multidões ovacionando.

Não, chega disso. Como eu disse, sou como a Espanha. Sim a de Franco,a de Hemingway,  a de Guernica de Picasso. Uma única lâmpada ainda acesa. Em volta, destruição, Guerra Civil, mortos, fascismo, etc.

Sim, o Obama, pra mim e para tantos que conhecem os Estados Unidos e não querem mais a constante mentira da chamada “guerra contra o terror” desorganizada, mas sim algo que não aliene as pessoas, e sim o sonho já tardio de Dr. Martin Luther King Jr. A guerra contra o terror terá que continuar nos lugares onde, de fato, ele, o terror, existe.

No Iraque essa invasão só fez mesmo espalhar terror, matar civis que nada tinham a ver com isso, deixar soldados americanos em body bags e em estado de trauma e mutilação irreversível.

“Como em qualquer guerra”, contra-argumentaria  o interlocutor. Não senhor. Talvez Hitler justificasse a invasão da Polônia através de métodos tortos e estupidamente históricos, até que voltasse a Napoleão: afinal, a Polônia era outra terra como eu, como Guernica, quebrada, estilhaçada, com uma lâmpada no meio (se tanto) unificando vozes, idiomas, etc.

A invasão do Iraque e aquela monstruosa, repito, MONSTRUOSA reunião, convenção dentro de MIM, aqui dentro da Espanha, das quais participaram 21 países “para comprar e disputar os direitos pela RECONSTRUÇÃO do Iraque” !!! Que loucura!! Aquilo foi uma coisa tão sórdida que nem meu braço esquerdo (que chamo de Lorca) conseguiria explicar.

As mentiras são mantidas até hoje que nem meu braço direito (que chamo de Generalíssimo Franco) consegue explicar: não havia Armas de Destruição em Massa. Sabia-se disso, já que as várias expedições da UN, Hans Blix e companhia, nos afirmavam isso com certeza.

E, de fato, não encontraram nada. Até hoje, nada foi encontrado. Só fizeram mesmo foi abrir a porta para a INDÚSTRIA do jihad. A indústria dos que odeiam, a indústria do ÓDIO, dos meninos e homens-bomba, dos lagos de mel e das 72 virgens esperando os pobres virgens… Ah, Saddam! Claro, esqueço Saddam, aquele que, durante seu BRUTAL, regime gaseificou curdos, surdos, cegos e mudos.

Certo. Mas na operação Desert Storm de Bush Sr e de Clinton, achou-se melhor NÃO bombardear o paÍs inteiro e não ir em busca do petróleo óleo e nem por menos que uma única desculpa de se perder recrutas, pois Osama Bin Laden tem a ver com o Talibã e Afeganistão, e talvez até o Paquistão, mas uma coisa sempre foi certa: Saddam e Laden se odiavam. Sim, entre árabes assim com dentro de mim, aqui dentro, os Bascos e os Andaluzes e Catalães não se topam, se tripam, não trepam.

Vamos derrubar todos aqueles que consideramos horrendos? Vamos? Vamos inventar e difundir campanhas horríveis a respeito deles até que, na centésima rodada ela talvez se torne uma… ”meia verdade”?

Que tal começar pelo espelho do próprio banheiro?

O espelho de Bush está estilhaçado, assim como eu. Já me viram? Já me viram pendurado no Prado ou em reproduções em livros? Eu, Guernica, sou horrenda, feia de morrer e por isso fui pintada, pra meter medo numa época em que a arte ainda fazia algum sentido.

Robert Langdon Lloyd (Royal Shakespeare Company)
na producao de ALL STRANGE AWAY (premiere mundial) de Samuel Beckett, direcao e adatacao de Gerald Thomas
(Harold Clurman Theater – 1984- NY)

Aqui embaixo, um retrato do que eu sou hoje, só que representado por um ator meu, digo, um ex-ator meu, Robert Langdon Lloyd, em All Strange Away, peça que adaptei da prosa de Beckett em 84 num lugar remoto do mundo chamado Nova York. Tristes lembranças não ter mais uma cara, uma face, uma terra, pois explodiram temporariamente com nossa identidade até novembro, quando teremos eleições, e então quem sabe… Assim como o Generalíssimo Franco explodiu comigo e, grande parte da população dizia que elegera o grande mestre do teatro! Mestre do teatro? Os grandes ditadores são mestres do teatro, mestres do teatro da crueldade. A xenofobia dos povos, a defesa de suas identidades mesquinhas, ughhhh, numa era cada vez mais de plástico-derivado-do-petróleo faz com que moral, escrúpulos, essas coisas me tornem, eu , a Guernica, uma pintura ameaçada. Na África ou no Arizona então, mais ameaçada ainda. Não por causa das atrocidades históricas remotas, mas pelas atrocidades dos últimos 8 anos de administração Bush e que ainda veremos sendo descobertas aos poucos e que, deus me livre, se sobrevivermos…sentiremos o troco.

Gerald Thomas

Obrigado Vamp pela edicao, correcao, etc!!!!

PS: Importantissimo! Media Biased Against Obama

by DAVID KNOWLES
JUL 28TH 2008 9:22AM
A George Mason University Center for Media and Public Affairs acaba de publicar um estudo que prova que as tres NBC, ABC e CBS foram muita mais DURAS com OBama do que com McCain nos ultimos 6 meses de campanha! Isso se chama de?
De que?
adivinhem!
GT

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