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Gal Costa defende “O Sorriso do Gato de Alice” e Gerald Thomas
GAL COSTA Rainha suprema e amiga meu Deus como eu me arrepio ouvindo isso. É obvio que as lágrimas correm, as memórias…tudo volta, tudo aquilo que escrevi, o CHOQUE que tive (nós todos tivemos) no dia 9 de novembro….e eu….ainda tinha TANTA COISA PRA TE DIZER. Fazia um tempo enorme que não te via. Fazia um tempo enorme que eu não te dizia “I LOVE YOU”. Estou nesse túnel escuro triste e sem explicação – assim como vocês também estão – com o espelho coberto de panos (rasgados), (com a roupa rasgada) olhando pra cima pedindo algum tipo de …. Sei que não há. Gal se comunicava com Deus. Eu sempre dizia isso, desde o primeiro dia dos ensaios do nosso show. Gal reside na minha alma, na alma de todos nós. Mesmo assim, a tristeza é imensurável. E junto com a tristeza, o mistério, a indignação e a constatação de que Gal Costa esteve sempre fiel, até o último segundo de sua vida, aos princípios mais dignos e magnificos, DIVINOS que um ser humano, que um artista, uma DIVA, representante de seu povo, de seu público pode estar: apaixonada pela vida, apaixonada pela arte, apaixonada pela MUSICA e apaixonada pelo BRASIL #gal #galcosta #sorrisodogatodealice #peitosdefora #indignacao #rainhasuprema #deusa #iloveyou #gonetoosoon #geraldthomas1 #musica #musicabrasileira #music #cantora #singer
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SHAKESPEARE, A HERETIC…by Gerald Thomas
Shakespeare wasn’t just an author or visionary. He was, mostly a biblical heretic.
Gerald Thomas Feb 23, 2023 New Paltz, NY

Shakespeare was not just an author. Nor was he just a visionary or a mad critic writing for posterity. Well, everyone knows that, I guess. Harold Bloom and Jan Kott have disserted on this at length. Many of his characters were built up to be mythical beings; mostly by us, along history, mind you! – survivors of all times and for posterity. Yes, superheroes of their time, if you will.
And I have a feeling he knew that. Shakespeare was almost a biblical heretic. Or is that our vision in the 21st Century? Of course it is. We take the side of the rebel. The author is, necessarily the “contraire, le gauche”, and that’s quite okay. His “Tempest”, therefore, becomes his “inner” most mature example of rebellion and forgiveness and freedom. His “King Lear” was his “outer” most – shall we say – nihilism, revenge and rage. That leaves our Hamlet…. Well, our Hamlet….This is as difficult a question as it is Hamlet’s own dilemma; the core of existence itself.
For each century that passes or decade even, Shakespeare has acquired a new meaning. His pieces have found their way into the corridors of Wall Street as well as submarines or even favelas; you name it. All valid, by the way. “Existence” is a subject pretty hard to beat in the theater or in literature.
In this 21st century, I see Shakespeare as mixture a of Clausewitz and Freud together playing Russian roulette at Casino da Urca. Yes, something strange in the Kingdom of Assis Chateaubriand. Why do I say this? Funny you should ask !
The best theater requires no explanation. My theater in particular begs for no explanation at all. It’s done through juxtapositions. And they tend to explain themselves (or not). Look at a painting of Jackson Pollock and try to explain it. There is no way. Try explain Beethoven 5th Symphony. Stunning, yes? In both cases, both are better left unsaid.
Shakespeare wrote precisely for the future and his Hamlet was an example of a young man trying to circumvent the corrupt monarchical system and by coining and conning his own ways and shaping his identity at all costs in the name of a possible revenge of his father’s assassination.
But everything here is a game. A play within a play. Yes, it’s even in the play !!! It’s a serious play!.
Hamlet understands the ending, his end his finitude right at the beginning. He also understands “Hamm’s Endgame”. And throughout the play he has nothing accompanying him but his solitude.
And why does all that sum up to such a savory idea? Why do we want to watch it and live it over and over again?
I do not know how to answer that. Art has no easy answers.
One might venture the obvious by saying that Shakespeare wrote treatises as well as “Constitutions”. And these can be changed or can receive “amendments” like the American Constitution, for example. He was somewhat of a Freud of his time and Hamlet was his punk/youth/rebel admonition-alter-ego validated through the mirrors of every civilization before and after him.
Hamlet, more than all others, is utterly timeless. Elsinore and the Island of the Mad Dogs and Englishmen are metaphors that increasingly fit into this modern world that Jan Kott calls “Shakespeare, our Contemporary” and all this social media nightmare, all this psychological bullying by the radical right and by the liars in command, make this play all the more relevant – more than ever before since I was born in 1954.
Gerald Thomas
Feb 23, 2023 New Paltz
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“BLOW Pó” – comentários ótimos

“Está belamente escrito, prosa fluida e, como sempre ilustradíssima, ri alto em vários momentos, como da mulher junk food forensic. Ousado, necessário, o tom confessional lembra vagamente A Noite Arma, do David Carr, com a diferença de que o vício dele o levou muito perto do fim. Você achou que devia falar da infidelidade com a advogada suíça. Sabiamente preservou o (****) porque está vivo e é melhor mesmo evitar problemas. A tese pessoal (cocaína = sexo) é melhor elaborada do que a geral (arte e drogas andam juntas). Adorei. Made my day!” Edward Pimenta @edwardpimenta (escritor, jornalista, O Globo)
“I have been reading “Blow”…Witten so perfectly, so elegant…scary and seductive at the same time. How much is fiction how much is fact? The realistic parts are every second Word. The typos don’t bother me…I could also afford a 12 year old “mal” before a snort! Brilliant” Hans Aschenbach (Musico e Professor USA / Alemanha) https://www.facebook.com/hans.aschenbach
“O que vale, aqui, é a matéria literária, eficiente e saborosa. Se pende mais para o narrativo, a autoficção ou memórias, fica ao gosto do leitor. O próprio autor faz alusões que permitem essas múltiplas leituras: “este é um relato pessoal da minha experiência com a droga” em contraponto aos trechos “a vida de um autor pode ser transformada por ele em ficção” e “personagem e autor se reencontram e compartilham suas dores”. São expedientes consagrados. Isso posto, é nítido que o livro também carrega consigo alguns propósitos extraliterários. O texto tem qualidade, em forma e conteúdo, mas é evidente que o projeto do autor não foi empreender um tour de force junkie–sexual tal qual Pornopopeia, ou promover um arregaço epistêmico como Naked Lunch. Assemelha-se mais a um manifesto contra a caretice. Porque a caretice nesse país não é algo inofensivo. Ela bota uma bala na cabeça de quem não tem a cor certa.” Marcio Aquiles (Escritor, crítico literário e teatral) @marcioaquiles
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“PEDRA DE TOQUE” (do meu livro Nada Prova Nada, 2011 Editora Record)

PEDRA DE TOQUE
Nova York – Londres. Quando eu atravessava a ponte de Williamsburg, na madrugada de 11 para 12 de setembro de 2001 em direção a Ground Zero para ver se conseguia chegar ao monte de ruínas daquelas duas torres que eu vi crescendo, lentamente, andar por andar, e depois ruindo, numa só explosão, numa só exploBUM. No chão aquele monte de ferro retorcido, foi o que sobrou daquelas duas torres.
Sim, aquelas duas torres com cara de nada, a cara da geração de Warhol retorcida e derretida no chão, o impacto bateu no meu fígado, pessoas passavam desnorteadas em todas as direções.
Meus olhos procuravam se fixar nos rostos menos retorcidos que eu podia achar. Um passarinho morto no chão, um passarinho irmão, morto e empoeirado e seco hoje, nessa tentativa de atravessar essa ponte para ir até Ground Zero.
Toda aquela poeira me cobria e parecia a poeira de todo o século XX. Era a poeira deixada de tudo aquilo em que eu acreditava no século que acabava de ser fechado, assim como eu fechava as cortinas depois de espetáculos empoeirados e com igual quantidade de fumaça!
Minha cabeça naquele dia estava suicida.
Eu, meio quase nada estava atravessando aquela ponte, atravessando em braile em direção a um monte de ruínas pegando fogo. E eu caminhava naquela direção para conferir o quê? As pedras no chão?
Há não sei quantas horas o World Trade Center caiu. Quando criança, eu abria a porta do armário e brincava com as ruínas ou detritos do Lego e me encurralava para dentro da cama ou pra dentro daquele imenso armário barroco que virou o meu “teatro”, a minha “arena de ações fictícias” onde bonecos e cabides e volumes quaisquer e velas faziam uma verdadeira mise-en-scène. O barulho das torres caindo assim como o das crianças na rua jogando bola era ensurdecedor e eu queria estar onde os mendigos estavam, onde as ruínas estavam, onde os “rejeitados” estavam porque sentia que não teria pique para aguentar essa farsa.
Era tanta coisa! O desmoronamento que eu havia presenciado naquele dia culminou numa espécie de êxtase, aquele que leva as pessoas a um clímax coletivo.
Me aproximando lentamente, muito lentamente das ruínas do Ground Zero, aquela confusão toda, gente por tudo que é lado, minha reação foi estranha. Virei para trás. Quis dar meia-volta e retornar, mas paralisei. Se alguém estivesse vendo as minhas pupilas dilatadas talvez estivesse vendo a Guernica revivida, as vacas da tela de Picasso apagando aquela lâmpada, ou então a Europa depois da chuva de Max Ernst mais destruída ainda, sei lá, não sei o que (d)escrevo.
É avassalador como algumas obras de arte têm o poder de invadir nossas cabeças nesses momentos de tragédia. Ruínas dessa proporção parecem que têm esse poder. Será que a destruição do poder também terá esse poder? Me aproximei. Assim como uma criança ou um ser apaixonado ou apavorado, acabo de ter aquele ataque de lucidez, absoluta lucidez a meu respeito, digo: me percebi “perecível”. Minhas feições, troncos, membros e – até então – uma curta existência eram todos uma ruína em plena paranoia.
Cheguei lá nas ruínas, nas tais ruínas que Beckett tanto descreve em sua prosa e em sua dramaturgia were the ruins still there where you played as a child, when was that da peça That Time (Aquela Vez) na qual dirigi Julian Beck também aqui em Nova York há 23 anos. Julian, nas últimas, era uma “ruína” em si.
Quimioterapia e câncer no corpo inteiro, seria a primeira vez em que Beck pisaria fora do seu “Living Theatre” e me convidou para dirigi-lo. Isso é, até hoje, um ponto de interrogação na minha vida. Logo eu? Juntei Beck com Beckett e comecei esse louco processo metalinguístico que conta uma verdade dentro de outra e cria mais de uma camada de leituras: o ator estava doente e o público, seu imenso público, sabia disso. A peça só mostrava a cabeça de uma pessoa imóvel ouvindo vozes de três fases diferentes da vida do passado dessa pessoa. A combustão era estarrecedora: “Se a ruína ainda estava lá onde você brincava em menino, onde foi aquilo?” O público ouvia isso e achava que seria a última vez. E foi. Logo depois da nossa apresentação aqui no La MaMa, fomos para Frankfurt e Julian morreu durante a temporada, digo, na volta de Frankfurt.
Nas ruínas em chamas do WTC, bombeiros, polícia e todo tipo de isolamento possível, mas, de alguma forma, entrei. Sentei e chorei pelo dia intenso de perplexidades. Se soubesse então o que sei agora, o que teria feito? Mas o que sei agora? Iraque? Conspirações? Politicagens?
Quando levei meu pai de volta para Berlim, o “Muro” ainda não tinha caído. Meu pai não tinha voltado para sua Berlim desde a Guerra. O que se via do lado de cá, do “nosso” lado ocidental olhando para a Berlim Oriental (de binóculos) eram ruínas, arame farpado e guaritas com soldados e alguns coelhos andando entre os dois muros. O Muro eram dois, com minas, caso alguém conseguisse pular. Cento e cinquenta mil tentaram. Baleados, calados, furados, peneirados, eles podem contar uma história tão sórdida quanto o resto das divisões geopolíticas das tantas Europas, com suas emboscadas étnicas que terminam assim, com um tratado entre tratantes. Antes da Primeira Guerra, ou pós-Segunda Guerra, ou entre uma e outra, as fronteiras inimagináveis agora eram mais que imagináveis e até amigáveis. Mas entre a imaginação e a assimilação, morrem milhares de seres humanos. Ah, sim, e cavalos.
Meu pai, plantado em cima daquelas plataformas de madeira, seja numa das extremidades de Berlim Ocidental ou noutra, calado, sempre calado, não conseguia reconhecer sua cidade. Ou melhor, entendia e sofria tanto, tanto que nada dizia. Uma sensação bem parecida com a criatura beckettiana que o Julian interpretou três anos mais tarde em That Time – nada dizendo, somente apavorado como “se as ruínas ainda estavam lá onde eu brincava…”
Meu pai não sobreviveu para ver a queda do Muro. Morreu acreditando para sempre em sua Berlim dividida, cortada ao meio cirurgicamente, ou ilhada, seja como queira ser visto o Muro pichado, sua Berlim dividida entre aliados e russos. Morreu no meio da temporada, entreatos.
Ground Zero. Peguei uma pedra no chão. Não sei se era, de fato, um pedaço do World Trade Center, mas quero acreditar que sim.
E com ela sentei numa pilha de poeira, ou melhor, de ruínas, e chorei o resto da madrugada. Até que a polícia me deu um macacão amarelo de trabalhador e me disse get to work e me puseram para trabalhar.
Nesse momento acho que entrei em delírio: como assim, get to work? Não consigo sair desse paradoxo circular, ou seja, esse som de bomba que foram os aviões batendo, ou as guitarras de Hendrix tremendo no Fillmore East aqui perto há trinta e oito anos, e esse barulho de novo nos meus ouvidos como se fosse uma ordem ao contrário, com eco e tudo: “Eu não aguento mais” e – como se plagiando Lapoujade, sinto tudo aquilo contra o qual devo me defender – GET TO WORK! Como assim??? Me defender das torres caindo e da pedra na minha mão, daquilo que meu corpo sofre e me faz sofrer, dos outros caminhando em vão na minha frente empoeirados fedendo a morte? Fui, de fato. Fui trabalhar lá, onde as ruínas estavam. Mas não fui brincar.
Me sinto o último dos últimos, e sem a menor identidade e, nesse momento quero mandar todos à merda num único e último banquete: desde Nietzsche a Deleuze. E aqueles a quem Nietzsche chama de homens superiores… Superiores é a merda. Vem para cá Herr Nietzsche. Vem ler essa frase aqui:
“Não aguento mais.” Que tal? Em qual Trieste triste estás agora, Sr. Nietzsche? Ou será que ainda estás sentado debaixo do piano de Wagner encantado pela overture de Tannhäuser? Nada disso. O cavalo que o senhor viu sendo espancado eu vejo todos os dias nos rostos de todas as pessoas. E as catástrofes? Eu as vejo em todos os momentos. E em todos os lugares. Sim, seus planetas são ótimos, seus Zeuses, Deuses, “Dioneuses”, “Zaragogos”, e “Demitustras” são ótimos e assim são os seus superlativos, mas “não aguento mais”. Essa foi a sua melhor frase, com ou sem sífilis. Essa é a minha melhor frase com essa pequena pedra que seguro ainda quente em minha mão.
Me lembro um dia, acho que era em Zagreb durante um festival de teatro, que parei de me emocionar. Ouvi histórias de croatas e de servo-croatas baleados e feridos pelos recentes conflitos (melhor chamá-los de atrocidades), e me concentrei num garoto que contava que acabara de voltar de Dubrovnik, e aprendi a apreciar a simplicidade e a beleza com que as pessoas se despiam e caiam no mar, sabendo que estavam sendo vistas. Apesar de notar que uma gota de lágrima ou algo salgado entrava na minha boca, esse tipo de beleza sensual, sexual, esse tesão que as guerras provocam da mesma forma que um pulo n’água de um corpo lindo e nu.
Surgiu a oportunidade: o World Trade Center – além da porrada dos aviões dos islâmicos radicais – pode ter sido dinamitado, suas vigas de ferro fortíssimas serradas em diagonal cautelosamente. É o que os demolidores profissionais chamam de molten metal. Eu vi essas vigas diagonalmente cortadas apontadas lá para cima, sobrando, enquanto multidões tentavam salvar outras tantas multidões como em The Lost Ones, de Beckett. Não, não pode ser. Pare de delirar, Gerald. Pare de tentar ser um Nietzsche. Você leu demais. Você devorou muitos livros e, portanto, não sabe, como nunca soube, lidar com a realidade. Tudo para você parece sempre um conto, uma ficção, mas isso aqui é Ground Zero e não um conto de Kafka.
Estar sentado num monte de ruínas, com aqueles holofotes em Ground Zero era bastante indescritível. Até hoje, nove anos depois, procuro achar um termo para isso, mas não o encontro.
Hoje escrevo as minhas próprias peças e olho para esse East River, ou esse Tâmisa, de onde não consigo sair há décadas, seja de um lado ou de outro, de Brooklyn ou de Manhattan ou Londres e que não parece mudar, o que parece um paradoxo ou um conundrum, porque rios sempre mudam (riverrun – palavra que abre Finnegan’s Wake, de James Joyce), na literatura portuguesa e irlandesa, como se fossem cavalos líquidos, uma equitação vertiginosa, uma sensação de tempo passando física e podre e um tanto quanto linda. Digo, assim deveriam ser os rios. Mas essa porra desse East River não muda em nada. Esse Thames também não. Às vezes olho por horas e nada. Nada nada nele. Nem um corpo boiando desde que Spalding Grey se suicidou nele em 2004.
Sabe, existe sim um momento onde tudo isso, todas essas andanças, todas essas comilanças, todas essas angústias e paranoias levam a algo. O que é? Estranho. Não sei dizer ao certo. Mas é como se eu caísse em mim por alguns segundos. Por alguns segundos apenas. De novo, a tal lucidez. Por esses segundos tudo para.
Eu tento desesperadamente segurar esse momento, como se ele fosse desaparecer. Parece que recebi meu primeiro sopro de vida. Quando? Não sei. O que eu sentia sentado em Ground Zero ou olhando o outro lado de Berlim ou pensando em Sri Lanka ou em New Orleans engolida por um tsunami ou pelo Katrina.
Uma voz vinda de Auschwitz, uma voz vinda de uma foto de um familiar exterminado lá: olho no olho no meu próprio passado, digo, no olho da foto do meu próprio antepassado e nada sinto. “Que judeu de merda você é, Sr. Gerald!” “Estás aqui no Pavilhão 17 olhando essa pilha de sapatos, cabelos, óculos e os catálogos e consegues identificar teus parentes e nada sentes?” Ruínas. Um monte de ruínas organizadas em cubículos de vidro e madeira com plaquinhas. Para quê? Para que a História não se repita? Não me façam rir. É como falar em ética hoje em dia: um toll free number chamado dial-ética está em perigo.
Passando o portão onde – até hoje os poloneses mantêm a metálica inscriptia art-nuveaux Arbeit Macht Frei, só pensei em forrar a barriga: e logo com o quê? Eu só tinha duas opções: uma barraquinha de sorvetes e outra com hot dogs. Nada kosher, mas estava pouco me lixando. Eu queria comer um cachorro-quente e assim o fiz. Sim, depois de ver os membros da minha família exterminados me deu fome. Fazer o quê?
E que cachorro-quente! Convulsionei.
“Wer fremde Sprachen nicht Kennt, weiss nichts von seiner eigenen”: Pronto, devo ter murmurado algo em “goethesprache” para deixá-los ainda mais de boca aberta.
“Quem não conhece línguas estrangeiras nada sabe sobre a sua própria”, é linguagoethe! Ou dollargoethe, ou eurogoethe ou, na época, marcogoethe ou pontogoethe, ponto zero, Ground Zero: Auschwitz, para calar aqueles que não calam na hora certa, como eu. Eu, uma pedra na mão, mas nenhum mandamento, nenhuma ideia, somente um nó na garganta, esperando nenhum Godot ou nenhum Moisés, ou sequer um semiólogo.
Não. Era 11 ou 12 de setembro, mas dessa vez com uma pedra histórica entalada na minha garganta.
Tudo em nome de limpeza étnica. Seres humanos se livrando de uma pele que não gostam, ou que repugnam, ou se olhando no espelho e se livrando de algo a respeito de si mesmo que os repugna.
Sentado em Ground Zero ou em pé com meu pai na plataforma que olha de uma Berlim para outra, não tenho esperanças. Hoje, quando escrevo, com o Iraque do jeito que está, e prestes a invadirmos o Irã, menos esperanças ainda.
Como pode algo assim ser destruído? Minha obsessão em preservar é doentia. Fogo, brigadas de incêndio, o incêndio em si, terrorismo, esse megaincêndio que consome agora o sul da Califórnia é algo que me deixa doente. Com água eu ainda consigo lidar, mas fogo é algo que…
Não sei por que, com a pedra na mão, sentado ali no rubble do World Trade Center me vinha à cabeça aquela curva da King’s Road em Londres, chamada de world’s end (fim do mundo), e me vinha à cabeça o arco “Arbeit Macht Frei”.
Pouco resta a ser dito.
E agora, com tudo isso e mais na cabeça, penso em George Bush como um Inquisitor, um real raivoso evangélico que em seus aforismos não faz alegorias, incapaz de fazer fantasias, é um militante religioso daquilo que representa o seu Sol, seu solstício, um mito do zodíaco transformado em homem e transformado em mito de novo, pois homem não tem ressurreição. E nessa cruzada capitalista pelo poder
do petróleo e pelo domínio, ele deve achar válido o sacrifício de vidas humanas, assim como em todas as religiões as vidas humanas não valem nada, frente à vida desse que é a personificação do sol, o filho de Deus, a antropomorfização de um símbolo numa catarse maior demiúrgica ou demagoga, a reflexão de um ser superior que espelha as constelações e seus discípulos e é sacrificado por suas profecias. Pobre Jesus!
Quando não penso em nada, penso em Goethe, não no escritor, não no poeta e não no cientista, mas no modernista, naquele que começou a romper com seu passado. Não, isso não é verdade. Quando não penso em nada, não penso em nada e pronto. Que absurdo dizer que penso em Goethe! Que arrogância!
Mas é que, de certa forma, meu pai lia Goethe para mim, quando eu era algo antes de criança e brincava nas ruínas daquilo que eram os sons do “holocausto na cabeça”, as memórias que a família trouxe e que nos acompanharam por tudo que é lugar. Essa linguagoethe me era cantada sim, e de alguma forma isso ficou aqui dentro como música. Se destruí o meu passado, ou fiz meu pacto com o futuro, ou com o meu palco por causa disso, bem, isso é para as pedras ou para os psicanalistas e acadêmicos decidirem.
Hoje os inventores são cientistas anônimos e os intelectuais são somente repetidores, acreditem.
Pedras na mão, ou obstáculos que chutamos por aí sem nos dar conta. Olhar para cima, às vezes nos faz bem. Existe um céu, quando não há incêndio ou alguma fumaça ou nuvem nos impedindo a visão do céu claro ou do universo.
Me encontro sempre assim: sentado, ou de cócoras, seja com uma pedra na mão ou jogando pedrinhas ou olhando um monte de ruínas de um prédio colapsado. E a pergunta perdura. E daí? Se construí uma obra teatral, sempre volto para o ponto de partida que é HOJE, que é o NADA, que é esse vazio enorme aqui em Nova York, onde me falta TUDO… onde não tomei precauções para para ter água mineral suficiente, onde estou em estado de euforia, ansiedade e depressão.
Nada mais me resta a dizer, senão um muito obrigado por tudo que tive a chance de enxergar através dessa enorme cegueira que sou eu mesmo.
Sempre irei tentar colocar uma âncora em algum lugar, ou melhor, me ancorar em alguém ou em vários “alguéns”, mas a solidão é algo insuportável, assim como um palco vazio, ou uma tela em branco ou uma página em branco, ou duas torres brancas que predominavam no meu skyline, tombado, sim, tombado no seu sentido mais perverso. Não, âncora nenhuma não. O palco estará vazio ainda ou redundante até que se resolva essa loucura que é a finitude da vida. Quero andar em cima da minha dor, mas ainda assim tocando o samba, que tão bem sei tocar. Dúvida? Pergunte ao Ivo Meirelles. Toco, e com muito orgulho, todos os instrumentos, com as duas mãos, na superfície de uma mesa como poucos cariocas sabem batucar!
A despedida é algo com a qual – nessas décadas todas – ainda não aprendi a lidar. Seja dizer “adeus” a uma pessoa ou a uma cidade.
Essas caminhadas pelo mundo não me levaram à toa por aí. Levaram meu teatro… tudo porque eu cresci e chorei junto com meus pais tantos fracassos e tantas mentiras de uma família em pedaços, em ruínas, nunca tendo exatamente um rumo certo, nunca tendo exatamente uma certeza de que “eles” não iriam marchar contra nós no dia seguinte apontando o dedo no nosso nariz dizendo “amanhã estaremos de volta, uniformizados, e vocês serão cinzas”.
Ouvi isso durante aquela noite inteira de 11 a 12 de setembro de 2001. Mas e agora? Talvez por esse motivo a minha pressa louca em atravessar a Williamsburg Bridge e atravessar as barreiras militares e policiais para conseguir um pedacinho de detrito, e sentar no chão de poeira, de rubble, de cinzas, pedaços de corpos fervendo naquele instante ainda, uma cidade zumbi: um pedaço de pedra na mão. Muros, prédios, obstáculos, fumaça, cortinas, armários, coisas escondidas, tudo parte de uma geração que enfrentou, assim como eu enfrentei, as filas de carro em Checkpoint Charlie ou em Bahnhof Friedrichstrasse, tentando ir para o lado oriental de Berlim.
Liberdade? A liberdade dos produtos. A liberdade do consumo! Em três minutos, o mundo mudava três décadas e saía do regime de Honecker com seus peixes podres dos supermercados “marxistas” (que piada!), e voava-se diretamente para o grossen laden KDW, e seu último andar luxuosíssimo onde se come de tudo.
Foram tantos os países e tantas as línguas. E para quê? Juro que não sei responder. Se houvesse um ato triunfal no final de tudo, algo heroico, eu seria o primeiro a querer dizê-lo. No muro das lamentações, em Jerusalém, me dei conta, talvez pela primeira vez na vida, de que eu era capaz de ouvir o canto dos passarinhos. Achei irritante. Mais irritante ainda a Mesquita que fica do lado de lá, irradiando pelo alto-falante cantos islâmicos para irritar os passarinhos e os judeus ortodoxos que ali se curvam e, num movimento mântrico, não param de se mexer, de trás para a frente, de frente para trás.
Ali me dei conta de que todas as pedras que segurei esses anos todos estavam todas lá, amontoadas.
Todas as pedras numa só pedra. Não é metáfora, principalmente porque todas aquelas pedras estão, de certa maneira, seguras pela megapedra de Herodes, aquele mistério pesado, enigmático, emblemático, tal qual as pirâmides, só que no subterrâneo do muro das lamentações. Isso, em Jerusalém, aconteceu quatro meses antes dos ataques de 11 de setembro de 2001.
Mas e agora? Perdi de vez a inocência, demoli tudo. Eu e nós mesmos. E em meu lugar? Pedaços de mosaico que não consigo mais reconhecer como sendo meu. Procuro loucamente quem sou e/ou como somos. Não tenho respostas. Nossas identidades? Um caos. Estamos espalhados a refletidos, como esquizofrênicos, nós, eu, você, em cérebros de outros, como se não habitássemos por inteiro aqui dentro. Como se quiséssemos fazer alguma diferença no mundo de hoje, como se nosso berro não fosse aquele de Munch, o silencioso, como se ainda tivéssemos o poder do protesto de Dylan, de Abbie Hoffman, de Hendrix, mas estamos soltos e nossas mentes com plugs de iPods, como se fossem rolhas para não deixar escapar pelos ouvidos o que nossas bocas querem berrar.
Nossas solidões estão todas medicadas. Não há ninguém desacompanhado de um discurso horrivelmente triste, mesmo aqueles com um sorriso estampado na cara ou com sessão marcada com seu psicanalista ou com seu traficante ou em seu quarto escuro e com sua medicação legal.
Somente ruínas.
Porque uma vez eu abri o armário quando menino e brincava de fazer teatro com as poucas coisas que tinha, com medo da rua: medo dos automóveis cujos pneus, sem querer, jogavam pedras para lá e para cá e machucavam pessoas, me machucavam.
Pedras, mendigas, armários barrocos onde eu achei meu “drama” por pura covardia, mas tudo isso deve estar lá onde eu brincava quando menino.
Mas onde será que foi aquilo?
22/09/2010
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“BLOW Pó” – new Book by Gerald Thomas # review 1







PAIXÕES ALCALOIDES
Gerald Thomas lança livro com histórias e reflexões em torno da cocaína
Por Marcio Aquiles
A cocaína é uma espécie de vício autotélico, ensimesmado, paradoxal, pode constranger o sujeito e deixá-lo bicudo no meio de uma festa ou expandir suas idiossincrasias ambiente afora. Não tece potenciais desconstruções do espaço-tempo (vide Salvia divinorum, por exemplo) nem intensifica os fenômenos sensoriais (LSD, Psilocybe cubensis, entre outras), mas é ela que vem à cabeça depois de tomar dois drinks1.
Blow-Pó, livro em edição bilíngue de Gerald Thomas que a Galileu Edições está lançando neste janeiro de 2023, é uma espécie de crônica subversiva, ode ao prazer alcaloide e sexual que cocaína pode proporcionar. Elucubrações metafísicas sobre arte e sociedade se misturam a histórias pessoais do autor radicado nos Estados Unidos, nome incontornável do teatro contemporâneo.
O índice catalográfico apresenta a obra como autobiografia, porém essa questão é lateral desde que os vetores mimético, formal e alegórico se entrelaçaram na arte – de maneira mais decisiva – a partir do Mallarmé de Un coup de dés. Pouco importa a veracidade de enredos como esse: ele e esposa transam com o traficante, com Gerald defecando, sem querer, no parceiro, que tem subtraída pelo casal uma pedra de uns sete gramas de pó enquanto se lavava, para esses de volta ao lar continuarem a cheirar e transar, até que a cocaína acabe, levando-os até o porteiro do prédio para conseguir mais carreiras, este também conduzido ao apartamento para mais sexo com a dupla.
O que vale, aqui, é a matéria literária, eficiente e saborosa. Se pende mais para o narrativo, a autoficção ou memórias, fica ao gosto do leitor. O próprio autor faz alusões que permitem essas múltiplas leituras: “este é um relato pessoal da minha experiência com a droga” em contraponto aos trechos “a vida de um autor
pode ser transformada por ele em ficção” e “personagem e autor se reencontram e compartilham suas dores”. São expedientes consagrados.
Isso posto, é nítido que o livro também carrega consigo alguns propósitos extraliterários. O texto tem qualidade, em forma e conteúdo, mas é evidente que o projeto do autor não foi empreender um tour de force junkie–sexual tal qual Pornopopeia, ou promover um arregaço epistêmico como Naked Lunch.
Assemelha-se mais a um manifesto contra a caretice. Porque a caretice nesse país não é algo inofensivo. Ela bota uma bala na cabeça de quem não tem a cor certa. Ela destrói a vida de uma menina de onze anos que não pode fazer aborto após ser violentada, enquanto o estuprador continua livre, numa boa. Enquanto isso acontecer, obras artísticas que problematizam ou denunciam pseudo-conservadorismos de gente canalha são necessárias, simples assim. Podem ter viés lúdico ou militante, tanto faz, o essencial é que elas existam. O uso recreativo (e/ou medicinal, e/ou terapêutico) de psicoativos faz parte de todas as civilizações conhecidas. É algo natural. Anormal é achar que a obrigatoriedade de usar saias abaixo do joelho é uma lei/norma/determinação da natureza, como se o universo se importasse com a nossa insignificância.
A hipocrisia no Brasil é inacreditável. Se um cretino bebe três litros de uísque, dirige no centro da cidade a 180 km/h e atropela e mata vinte pessoas, nada acontece, ele é réu primário e seu pai deputado ou empresário vai resolver as pendências legais rapidinho. Agora se você passar a 45 km/h na frente de um radar de 40, a burocracia jurídica terá eficiência magistral ao te enviar gentilmente uma incontestável multa no dia seguinte. Por isso é tão saboroso ler Blow, onde sagrado e profano estão amalgamados como pasta base de coca, o pensamento sobre estética vem lado a lado com a orgia escatológica cheia de celebridades.
Evidente que numa terra desolada pelo provincianismo mais fútil, onde mesmo a Cannabis – planta com potencial biotecnológico, médico e econômico quase infinito, cujos efeitos recreativos (estes sendo os menos importantes), se utilizada como psicoativo, são levíssimos e menos destrutivos se comparados ao álcool ou tabaco – ainda é demonizada, em pleno século XXI, por políticos semiletrados e a caterva de igrejas fundamentalistas que os mantêm no poder, esse livro vai causar certo estardalhaço. Tanto quanto as Cosmococas de Oiticica2? Talvez. Porque se por um lado o reacionarismo parece ter se acentuado nos últimos anos, por outro a indiferença à linguagem3 aquilata-nos a autômatos monossilábicos,
tornando a repercussão imprevisível. De qualquer modo, vale a leitura, trata-se de um livro modesto, sem grandes pretensões narrativas, contudo de significativa potência.
1 Constatação empírica.
2 O livro abre com a informação de que Gerald começou a usar cocaína aos 14 anos, quando “estava namorando um artista visual mais velho e renomado”. Embora não seja explicitado na obra, por simples cruzamentos com várias entrevistas do diretor, ‘desvenda-se’ que se trata de Oiticica.
3 Chegamos ao ponto crítico em que a indiferença (sobretudo dos mais jovens) não é mais nem com a literatura, mas com o lastro de nosso próprio léxico.
@marcioaquiles
Blow-Pó
Gerald Thomas Galileu Edições, 2023 68 págs., R$40
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“AGORA NAO CHORE” Blog da Lu Lacerda
Opinião, por Gerald Thomas (diretor de teatro): “Agora, não chore”

Não chore! Não se apavore! Não berre. Você não conhece a História? Não vibrou com os super-heróis quando criança? Não aplaudia quando os “soldados do bem” massacravam os “soldados do mal” e jogavam bombas bombas e mais bombas… E agora?
Agora? Os seus filhos não passam os dias grudados nessas “games virtuais” e aniquilam inúmeros números de inocentes, jogando bombas de drones em pequenos virtuopontos pretos povoados e … o que se ouve (variações de Metallica com óperas de Wagner com rap santificado-furioso- evangelizado e gospelizado)…
Não, não chore porque lhe disseram que o inimigo está atrás da porta. Disseram que o inimigo está atrás da porta, mas você sequer sabe quem ele é.
Sabe?
Não é à toa que o Super-homem, o Batman, o Homem-aranha e todos eles surgiram aqui, nos Estados Unidos. Mas o buraco é mais embaixo. Alguém, numa rua de Cairo, talvez um dia conte a você. Ou alguém numa rua de Gaza, de Shanghai ou de Damasco, lugares onde o sangue já correu nas ruas e ruelas, onde os impérios já lutaram, já perderam, já ganharam e já trocaram armas por mulheres, escravos, ouro, comida e, por final, migalhas.
Não. Não caia no “golpe” desses países novos. País novo é como barata tonta. Não tem maturidade. Olhe a cara do Trump. Olhe a cara do Bolsonaro. Só rindo. Só chorando. OMG! São bebês chorões.
Vocês são doentemente fascinados pela farda? Conhecem a fundo a história da guerra? Ou das insurreições? Já leram ou ouviram falar em Clausewitz? Ouviram algo sobre a lógica ou filosofia da guerra lá pelos 1800 e pouco? Sim? Não? Acho que não porque, senão, não iria cagar em plena Praça dos Três Poderes. Só um idiota faz isso. E sobre as guerras civis? Sabe? A Bastille, por exemplo? Diz-lhe algo?
Sabe algo sobre o vazio das ideologias nazi-fascistas do século XX? Sabe algo sobre o sotaque austríaco de Hitler (quase incompreensível para um alemão)? Sabe, por exemplo, dos estratégicos discursos na cervejaria Hofbräuas, em Platzl ou em Marienplatz (ambas em Munique, a base do 3º Reich)? Nada daquilo durou, mas causou destruição e morte, e deu em nada.
Não deu em nada, seus idiotas. Nunca dá. Só destrói. É o único propósito dos imbecis: a destruição. Ah, peraí! Dá, sim. Dá na morte dos líderes: Hitler se suicidou em seu bunker em Berlim (e seus asseclas todos tomaram cianeto), Mussolini foi executado, Ceausescu e sua mulher foram executados em plena tv aberta na Romênia, no dia de Natal, e assim por diante… Napoleão teve uma morte lenta e solitária na ilha de Santa Helena — o câncer o devorou no exílio, que levou um louco à loucura. Como veem, o Fascismo tem pernas curtas.
É assim que os “patriotas” querem viver? É isso que querem pras suas vidas? Ou são tão burros que não têm sequer noção do que estou falando?
Somos todos culpados. Não vibramos com os super-heróis quando criança? É isso aí….
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“TRAIDOR” Uma historia de amor Impossivel” Entrevista dada MAIS-PB / Kubi Pinheiro


Kubitschek Pinheiro MaisPB
Gerald Thomas é um dos principais diretores de teatro do mundo. Com várias peças montadas e aplaudidas nos quatro cantos, ele trabalha atualmente no texto e montagem de: “Traidor – Uma História de Amor Impossível” que fará homenagem ao ator Marco Nanini. O processo criativo de Thomas é uma aula permanente. Thomas vai além da cronologia.
O dramaturgo Gerald Thomas que fará 70 anos em 2024, nasceu no Rio de Janeiro, estudou com Ivan Serpa e Hélio Oiticica, foi orientado por Sérgio Mamberth e aos 16 anos já estudava arte e dança num grupo experimental artístico em Londres. Thomas hoje se instalou em Nova Iorque, onde trabalha e vive com a mulher Adriane Gomes.
Lá atrás, em 1985, dirigiu a peça Quatro Vezes Beckett, que o levou à Bienal de Viena e lhe rendeu o Prêmio Molière Especial. Em 1986, Gerald Thomas dirigiu a peça Quartetti, numa montagem do texto de Heiner Muller, depois fundou a Companhia Ópera Seca, em São Paulo.
A recente montagem do espetáculo “G.A.LA” (2021) faz referência à elegância da personagem em uma noite de gala, mas também é levemente inspirada em Gala Dali, do Salvador Dali, que foi exibido no Festival de Curitiba, dentro da Mostra Lucia Camargo, com sucesso.
Dentre os muitos sucessos produzidos pelo artista Eletra Com Creta (1986); A Trilogia Kafka (1988); Carmem Com Filtro (1989); Mattogrosso (1989); Fim de Jogo (1990); M.O.R.T.E. (1990); The Flash and Crash Days (1991); O Império das Meias Verdades (1993) e UnGlauber (1994), nessas últimas três peças estrelou Fernanda Torres, com quem já foi casado. Em 2010 fundou a Cia London Dry Opera, com a qual consolidou sua carreira internacional, nela escreveu e dirigiu “Throats”, que estreou em 2011, no Teatro Pleasance e Islington, e muitos outros espetáculos. Thomas não sai de cena.
É dele a frase – “reclamar é a alma do negócio”.

Em conversa com o MaisPB, Thomas fala de tudo – sem papa na língua, desde o novo espetáculo que está escrevendo “Traidor – Uma História de Amor Impossível” que vai estrear com Marco Nanini– da morte que ele chama de traição e da não originalidade das coisas, Shakespeare, Goethe, e o Brasil, é claro.
MaisPB – Como anda o trabalho da peça “Traidor – Uma História de Amor Impossível”
Gerald Thomas – Ainda estou escrevendo, fiz muita coisa durante a pandemia – escrevi G.A.L.A que foi ao ar, já foi encenado, “Terra em Trânsito 2”, fiz muitos projetos: F.E.T.O. (Estudos de Doroteia Nua Descendo a Escada 2022) também já foi apresentado no Brasil passado.
MaisPB – A peça “Traidor – Uma História de Amor Impossível” nos remete a Nelson Rodrigues?
Gerald Thomas – De jeito nenhum. Nelson Rodrigues era “Dorotéia Nua Descendo a Escada”.
MaisPB – Como Thomas vê a morte?
Gerald Thomas – Eu não aceito a morte, eu não sei se você aceita, eu não sei se ninguém aceita…
MaisPB – Tem uma postagem em que você fala da morte de Contardo Calligaris, que escrevia na Folha de SP, de Gal e Arnaldo Jabor…
Gerald Thomas – Para mim eram essencialmente amigos. O Contardo era grande amigo meu, ele viveu em New York junto comigo viu as quedas das torres, era um psicanalista de primeira ordem. Para mim, não era o que escrevia na Folha, era uma pessoa que eu via todos os dias em Nova Iorque, me visitava aqui, em São Paulo também. Eu acompanhei a doença dele por vídeo e nunca imaginei que fosse tão rápido. Jabor era uma pessoa que me acompanhava sempre, eu dividi o Manhattan Connection durante uma época, nós substituímos o Francis (Paulo) e dividimos a coluna da Folha às sextas-feiras. O Jabor era muito próximo de mim – de repente foi-se sem mais nem menos.
MaisPB – E Gal?
Gerald Thomas – Gal do nada se foi – não creio que há idade para se ir. Eu sou uma pessoa muito próxima de pessoas como a Fernanda (Montenegro) que tem uma idade avançada. Eu fico rezando todos os dias para que não aconteça. Ela tem 95 anos, lúcida, como só ela é. Fico rezando para que eu não receba essa notícia. Eu falo com ela todos os dias, mas quando você está numa idade dessas… Eu conheço muita gente, Zuenir Ventura, Ziraldo, essas pessoas todas estão com a idade muito avançada.
MaisPB – Voltemos a Gal Costa, aquele show que você dirigiu em 1994, uma das coisas mais modernas que aconteceu no Brasil, a artista vem para o palco e canta com os seios de fora. Ninguém faria aquilo, né Thomas?
Gerald Thomas – Era o Brasil mostrando sua cara. Era o momento Cazuza do espetáculo e ela topou. Gal sempre foi corajosa, como diz um dos obituários, “a mulher da vanguarda”, Gal é a Janis Joplin do Brasil. É a mulher que se alguém topasse na música brasileira, seria Gal e foi Gal. Nenhuma outra faria aquilo. Eu conheço Gal desde os 15 anos, eu posei com ela para Marisa Alvarez Lima, no livro Marginália.

MaisPB – Gal certamente terá uma estátua no Rio, assim como Clarice Lispector, Jobim, Drummond…
Gerald Thomas – Eu estou em contato com o Eduardo Paes, o prefeito do Rio e se ele topar, vamos montar o Museu Gal. Eu tenho muita coisa que não entrou no show, tenho uma ala inteira que não entrou de cenários, até de música que não entrou, esboços. Estou oferecendo para o Rio de Janeiro. Tem que ter uma ala composta de Gal no Rio. A vida dela foi no Rio, mesmo que ultimamente ela estivesse morando em São Paulo.
MaisPB – Já faz um tempo, li um texto seu em que Gerald Thomas estava se despedindo do teatro…
Gerald Thomas – Ah, isso foi um Manifesto em 2009, porque naquela hora foi verdade, eu desmaiei na frente de um quadro de Rembrandt em Amsterdã e naquele momento, eu não vi relevância nenhuma em fazer teatro depois. Só que no ano seguinte, em Londres, montei uma companhia e voltei. Nada é muito duradouro no mundo teatral, voltei no ano seguinte com Gargólios. Na hora eu senti aquilo e fez sentido. Diante do autorretrato de Rembrandt com 55 anos, eu estava também e fez todo sentido do mundo, me senti aquele invalido, na frente de um gênio, como Rembrandt, com minha cara de maçã.
MaisPB – Tem uma frase “esse espaço é meu, faço o que eu quiser”, que é atribuída a Shakespeare… todas essas coisas estão num caldeirão, né Thomas?
Gerald Thomas – Nada é original. As coisas são roubadas ou apropriadas. A gente acha que está sendo incrivelmente criativo e não está, a gente ouviu isso em algum lugar. Shakespeare não era autor de quase nada, ele ouviu em algum lugar. Goethe não é autor de quase nada, ele se apropriou de uma história de bonecos e tascou de Fausto, que também não é dele. Então, a história é só reciclagem. Quem é o primeiro Adão, quem é primeira Eva?
MaisPB – E Dante?
Gerald Thomas – Eu fui na tal casa de Dante várias vezes em Florença, onde ele morava no quarto piso, em cima daquela ponte, (aliás, o entorno de onde o artista mora, tem uma enorme importância de quanto o artista produz). Ele morava atrás da Uffizi, aquele museu maravilhoso. Mas na época de Dante, já tinha o primeiro original sanduiche judeu, o Pastrami. Eu não estou anunciando uma descoberta minha, mas ele, provavelmente, descia pegava o sanduíche comia e namorava a tarde inteira, nos infernos e nos paraísos. São círculos que eu Dante traçava.
MaisPB – A gente percebe suas curiosidades e descobertas. Gerald Thomas encontra inspiração nas pessoas?
Gerald Thomas – Eu adoro os seres humanos, adoro observá-los. Tem gente que adora ir a museus, adora discussão cultural. Eu odeio isso. Eu não vejo o menor sentido ficar olhando para as paredes. Gente que chama para ver uma instalação, vamos ver o Josef Bolf? Eu gosto de ficar em frente ao Pompidou em Paris, que é a maior passarela de pessoas do mundo, é maravilhoso sentar ali ou o Café de Flore, em Paris, que passa milhões de pessoas, que te dão um carnaval humano, é mais ou menos um filme de Jacques Tati. Eu escrevi textos sobre Fellini, Pasolini, Costa Gravas. O Vaticano também, a maneira como se fantasiam. Hoje em dia um pouco menos, porque tudo virou jeans. Desde que o jeans invadiu o mundo que tanto faz você vir da China, como da Romênia, do Brasil, todo mundo usa jeans. Então, sentar na rua e olhar o povo, é o máximo.
MaisPB – Essas sensações acontecem quando você está em São Paulo ou no Rio de Janeiro?
Gerald Thomas – Não porque não existe esse hábito de sentar na rua, sentar num café, o Brasil não tem o hábito disso. É tudo dentro. A Avenida Atlântica até tem. Mas o que passa perto de você é uma mendiga pedindo, um garoto pedindo, o cara que toca bandolim no teu ouvido, é muito barulho.
MaisPB – Você tem predileção pelos poetas brasileiros?
Gerald Thomas – Eu vou te confessar, eu gosto de poesia concreta, minha proximidade com os concretas, por causa do Haroldo de Campos. Eu não sou muito pela poesia, não sou muito tocado pela poesia. É claro que se eu conhecesse Drummond a fundo, eu seria tocado por ele. Também não tem como não gostar de Fernando Pessoa, dos vários heterônimos que ele usou.
MaisPB – A primeira vez que conversamos foi capa do extinto Jornal Correio da Paraíba, sobre seu livro “Nada Prova Nada”. Você tem muitos livros publicados?
Gerald Thomas –Tem a autobiografia, o livro de Desenhos, textos do Haroldo de Campos a meu respeito, por aí. São seis livros, eu acho
MaisPB – Você faz parte do time que não dorme à noite, né?
Gerald Thomas – Sim, fico no computador, leio muito e confesso que já li mais. A Covid destruiu um pouco a minha memória. Existe uma coisa chamada Covid longa, ela existe, é bom que as pessoas saibam que é um fato. Eu não sei se ela destrói permanentemente ou se é uma coisa temporária. O meu português não é mais o que era, eu penso em inglês. As palavras não vêm com muita facilidade, um esforço fenomenal, estou muito mais cansado depois desses dois anos de Covid. Eu faço exercícios com peso, mas para andar, subir escadas é terrível. Eu nadava todos os dias, mas é difícil, meu esporte é caiaque. Eu estou esperando a Primavera chegar para voltar ao caiaque. Eu sou um leitor ávido e infelizmente, eu sou viciado em notícias – leio todos os jornais do mundo, não leio mais jornais brasileiros.
MaisPB – Muitas pessoas já não lêem a Folha…
Gerald Thomas – O melhor deles, o articulista Jânio Freitas foi demitido. É uma loucura, como o Jânio Freitas pode ser demitido? Eu não consigo entender isso.
MaisPB – Você está feliz, Gerald Thomas?
Gerald Thomas – Você está feliz, Kubi? Aqui na tela do computador eu vejo você de camiseta, com a imagem de uma prancha de surfe em cima de um fusca. Você é bonito e está feliz.
MaisPB – Como você organizou todo esse acervo, que sai sobre seu trabalho no mundo?
Gerald Thomas – Tenho tudo digitalizado. Olha, eu adoro o sotaque de vocês do Nordeste. É lindo. A cultura brasileira vem do Nordeste – Caetano (Veloso), Gilberto Gil, Glauber Rocha… O Norte e o Nordeste do Brasil, é o que eu considero a cultura brasileira. Da Bahia para cima. Dei uma entrevista em Belém para a tevê Silvio Santos, o cara falou para de Lukács, de Gilles Deleuze. Outra vez, fui dar uma palestra para a Petrobrás em Salvador, e o motorista do táxi veio falar comigo num português lindíssimo, que eu não sou capaz de articular e na palestra, umas 500 pessoas falando tão lindamente. Realmente da Bahía para cima é uma coisa fantástica.
MaisPB – Já ouviu “Meu Coco”, o novo disco de Caetano Veloso?
Gerald Thomas – Ainda não. Mas tudo que Caetano faz é genial. Eu fiquei uma tarde inteira explicando quem é Caetano Veloso para o Beckett, (Samuel), quando mostrei quem era Caetano para ele, o Beckett, disse: “is genius!
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DRINKING THE MAYBES

“DRINKING THE MAYBES”
Drinking the maybe… or “cardboard conversations” as I’m calling them…. I’m starting a new series (half conceptual, a half photolog, a diary, a journal… a dying need to describe that feeling of when you’ve been looking at the empty page for days, the blank canvas, the white landscape, the bare trees and the cold the cold “maybe” the maybes and some crows fly over new paltz. That’s all. Don’t you have these days even if everything is dynamically going well outside? I mean… in that good and very bad “at the same timeness time? Hey, no? Yes? Don’t you? You must. I know you do. That sadness, that softness, that exhaustion, it’s almost overwhelming and yet not quite. That stress so quiet. That desire to close the eyes that don’t close. That need to lay down the body that doesn’t want to even remain still or – even – turn off the even and whatever never turns off.
Drinking the maybes to see if, who knows, a “yes” eventually overflows.
GT – New Paltz, Jan 4, 2023
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“Com o Garfo e a Faca na Mão” – HAPPY 2023

Estou com um garfo e uma faca na mão, mas o que quero mesmo é uma colher. É sempre assim: o que eu quero não tenho e o que tenho não preciso. Será que sou o reflexo de alguma coisa? Alguma síndrome? E a colher? O que significa além da coisa prática, essa de colher esse amontoado de molho de tomate que se acumula debaixo do meu fettuccine “pardo-hidrado-inchado”, manchado de “pequenas pétalas de couve de tundra siberiana”. Pois é, não é a primeira vez que sou cobaia de chef – a última foi em 2019, em Copenhagen. Sim, no Noma.
Só que, dessa vez, eu não comi, só fiz mímica. Quem comeu foram meus amigos, atores de teatro e cinema notáveis da capital. O chef René Redzepi chegou ao meu ouvido e perguntou: “Does it taste good?”
“Oh, yes, René! Excellent, as always. Thank you.”
Vivemos num teatro, não é? Vivemos de ilusões, seja lá onde for. Vivemos de datas em datas, comemorando seja lá o que for, tristes, alegres… Batemos palmas, vaiamos, seguimos normas que nem entendemos, nem sequer questionamos de onde vieram, quem as fez, por que as colocaram ali etc. Votamos em patifes consagrados, nazistas bosteados, como se a história não existisse. É como se essa colher não existisse pra catar a merda deixada no fundo do prato, e o fluxo de mentiras não se acumulasse e… Sim…
….Esse enorme fluxo de mentiras, que nos servem nesses pratos sem fronteiras, fosse um fettuccine que escorrega por entre as garras do garfo, deslizando como o seboso Lúcifer passeante no círculo terceiro de Dante (ou qualquer que seja); a lama, o pecado da gula, todos atolados, afundados numa lama turva debaixo de monumentais fake news, sozinhos, cada um em sua própria solidão, isolados pelas suas próprias incapacidades, sem poderem se comunicar uns com os outros.
Vivemos num teatro. Mas o teatro não é de mentira: ele se faz de mentiroso (às vezes) para contar algumas verdades. Verdades essas bem pungentes até. Sim, se não fosse assim, me diga uma coisa: qual outra arte estaria de pé há tanto tempo?
Quanto tempo? Os gregos? Querem calcular? Ah! Ah! — então, vamos lá: os romanos? Os indonésios? Os indianos (sânscrito), chineses, egípcios? Qual calendário querem usar? O Gregoriano? Ufff! É exaustivo. Pra deixar a coisa mais nivelada e não entrarmos em discussões, vamos nivelar três mil anos. Está bom, não? Sim, três mil anos. Por aí, sim, mais ou menos três mil.
Será que sou o reflexo de alguma coisa? Sim, sou a continuação de uma geração que buscou a liberdade e o fim do racismo, fim das guerras, das perseguições, e o início do que chamavam de “era de Aquário” (bobagem). Sim, feminismo, causa gay, causa LGBTQ, fim das opressões e fim do gap social. Igualdade para todos. Deve estar na ponta da língua de cada um: utopia né? Não, não é.
E na era do “Black Lives Matter” e nesse pus (leram certo: pus) Trump-Bolsonaro depois de termos Obama, como me sinto? Progredimos?
“Sim: progredimos. Porra! Não venham dizer que…”
“Não”.
“Ah, não?”
(“o que foi, garoto?) (o garçom do MOMA – ator Lars – veio fazer uma confidência).
(Sou interrompido…..)
“Gerald: as coisas nunca estiveram tão, tão tão ruins. Nunca. Nunca as coisas estiveram tão desesperadoras. Nunca. Já nem durmo, mas, quando durmo, durmo em pé!”
“É mesmo, Lars? Jura, Lars ? Está pior que as fogueiras da Inquisição? Pior que o Terceiro Reich. Jura? Está pior que o Crash da bolsa e a fila da fome, a fila do pão, a fila da sopa de 1929? Jura? Estamos no septuagésimo sexto ano de paz mundial.
Paz mundial, Lars!
Pois é. Ninguém tem memória. Terá sido o excesso de informação? Tanta notícia? Tanto fake news? Tanta coisa? Junta? Ao mesmo tempo? A geleia geral do Gil era isso, então?
E a colher? O que significa além da coisa prática, essa de colher esse amontoado disso? Da geleia geral? Eu também sou lento mesmo diante do meu momento de mímica e do imaginário imaginado fettuccine “pardo-hidrado-inchado”, manchado de “pequenas pétalas de couve de tundra siberiana”.
Minha avó, Paula Landsberg Aufricht, olhou com olhos irados nos meus olhos, sabe?… Algo como uma faísca que atravessa os séculos, “Uma Faísca Que Atravessa os Séculos”, e me disse: “Cuidado. Cuidado!” “Vorsich! Vorsicht! “Um dia, o jardineiro se volta contra você. Ele vem segurando uma rosa na mão, uma rosa que você plantou. Ele vem andando na sua direção, devagar, muito devagarinho e, com o pé esquerdo, amassa, com toda força e toda a RAIVA, essa rosa, esmagada, destroçada, morta, sangrada, a bloody rose, horrenda imagem e devagarzinho abre seu casaco pra revelar uma suástica pendurada em seu pescoço.. e, e… entredentes rangentes disse: “Procure essa resposta nos meus livros. Tenho 12 livros publicados. Faça a sua pesquisa. De nada vai adiantar porque, daqui a poucos, meses, você estará apodrecendo numa espécie de Auschwitz ou Buchenwald.”
Pois….. “Vorsicht! Vorsicht! Cuidado! Cuidado….”. “Pequenas pétalas de couve de tundra siberiana”…. O René Redzepi sabe o que é um Gulag e você, também. Quem lê sabe. Quem não se deixa enganar pela mídia-merda sabe. Se oriente rapaz!
Estou com um garfo e uma faca na mão, mas agora é tudo de que preciso.
“Não tem mais essa de geleia geral”… Remungam essas lesmas como se tivessem a autoridade moral ou ética, ou mesmo acadêmica, ou até empírica, pra dizer tal coisa. No fundo, no fundo, eu sei que isso que resmungam pode ter um fundo de verdade. Talvez a coisa aqui esteja mesmo pior que nunca, porque estamos, por assim dizer, vivendo justamente dentro dessa poça de conflitos falsos; tudo mentira, pois estamos numa transição entre círculos Dantescos, digamos, do terceiro pulando pro vigésimo segundo (já que só existem nove, e já que o nono se subdivide numa orgia de gelo e purgatório, paraíso e… Sim: é um mistério esse molho!
É… Um mistério esse. Talvez eles saibam algo que eu não sei. Quem sabe? Eu queria ter tomado tudo, sabe? Fui cauteloso. Mas por que? Ou melhor, o ser “pós-moderno” não é um ser experimental? Ou melhor, o ser experimental “pós-iconoclasta”? E o pós-iconoclasta não se destrói por si só?
Por isso, eu sei que aquele garoto me disse a verdade; ele tem um fundo de verdade. Talvez a coisa aqui esteja mesmo pior que nunca porque estamos, por assim, dizer, vivendo justamente dentro dessa poça de emoções, nos enxergando com os olhos deles nos vendo, e não com os nossos próprios! É uma confusão. Os algoritmos agora são os repiniques interiores se voltando contra nós e os bumbos da Mangueira. CHEGA, GERALD, CHEGA! CHEGA!!!
É 2023 chegando. Viva!
Comecei com um garfo e uma faca na mão, querendo mesmo uma colher. A colher me levou a uma cama. Pois é, desviei-me do artigo: ossobucos do oficio. Foram os algoritmos das lembranças dos meus mortos queridos recentes: Gal Costa. Sim, Gal. Quero honrá-la, dando ao Rio de Janeiro o que ainda possuo de originais (croquis, esboços, escritos dos ensaios) do show glorioso que fiz com você, o “Sorriso do Gato de Alice”. O prefeito Eduardo Paes, de início, se mostrou super a fim e… Os algoritmos parece que o desviaram (rs). Chega Gerald, chega, chega! É 2023 chegando. Viva!
Sim, Gal Costa. Gal no Rio. Dunas da Gal. Tem que acontecer.
Está uma neve violenta lá fora. Me mudei pra uma cidadezinha chamada New Paltz, estado de Nova York, uma hora e meia ao norte de Manhattan. Nunca morei fora de Manhattan. Quer dizer, fora as épocas de Londres, Rio, São Paulo, Suíça, Alemanha.
Nossas mãos dadas, braços estendidos e mãos dadas, mãos negras, brancas, gays, héteros, cristãs, judaicas, islâmicas, seja lá o que for…. Sim, existem quatro outras camas do nosso lado, ainda desocupadas. Aliás, desocupadas, não. É que aqueles que nelas estiveram morreram nessa pandemia.
Ainda luto por um princípio. Sim, um único princípio. Aliás, dois, aliás, três:
Tolerância
Liberdade
Amor

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My long friendship with Gal

Eu conheci Gal com 14 ou 15 anos de idade. Aqui, nessa foto estamos posando pra Marisa Alvares Lima para a boutique “Fragil” (editei a foto que aparece no livro “Marginália” com prefácio e posfácio meus). Eu também havia ajudado o Hélio Oiticica a terminar o cenário para o show dela (Gal) na boate Sucata. Meu trabalho consistia em costurar e amarrar filamentos azuis de plástico em uma grade que ficaria suspensa na entrada da boate e pela qual a plateia teria necessariamente de passar para chegar a seus lugares. Hélio queria arruinar os penteados das senhoras pseudorrefinadas da alta sociedade do Rio e de São Paulo, que compareceriam com suas roupas caras. De um modo muito conceitual e elegante, queria “destruir” a própria elegância. E conseguiu. (rs) 26 anos depois eu a dirigia em “O Sorriso do Gato de Alice”, o seu show mais polemico, mais lindo e o mais reconhecido (a foto do show, com os seios nus, estampada nos principais jornais brasileiros). A sua morte….um pesadelo ainda. Uma tragédia. Não consigo entender ou….#rip #gal #galcosta #cantora #tropicalismo #sorrisodogatodealice #meunomeégal #galfatal #tristeza #musa #geraldthomas #seios #escandalo #pioneirismo #artepioneira #vanguarda #musicabrasileira #brazilianmusic #tribute #tropicalia #marisaalvareslima #boatesucata



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GAL COSTA (dies) FOLHA – artigo Gerald (Front Page “Sorriso do Gato de Alice”)



POR GERALD THOMAS
Estou aos prantos sentado olhando as águas do East River pois foi aqui que tudo começou: “alo? Gerald? É Gal.” Eu ainda morava em Williamsburg, Brooklyn e o ano era 1993. “Eu assisti teu Flash and Crash Days e queria conversar com você. Estou em Nova York, vamos conversar?”. Quase cai da cadeira. Por que? Porque minha vida com a Gal começa assim:
Eu tinha uns 13 ou 14 anos de idade, e depois de alguns debates muito intelectuais sobre o futuro da arte, sobre Hendrix e Duchamp, Hélio Oiticica me deu uma ordem: “boneca, venha me ajudar a terminar o cenário para o show de Gal Costa na boate Sucata.” Meu trabalho consistia em costurar e amarrar filamentos azuis de plástico em uma grade que ficaria suspensa na entrada da boate e pela qual a plateia teria necessariamente de passar para chegar a seus lugares. Hélio queria arruinar os penteados das senhoras pseudorrefinadas da alta sociedade do Rio e de São Paulo, que compareceriam com suas roupas caras. De um modo muito conceitual e elegante, queria “destruir” a própria elegância. E conseguiu.
Quem diria! Quem diria que 26 anos depois, seria eu a dirigi-la no show mais comentado, mais polemico, mais isso e mais aquilo, o “Sorriso do Gato de Alice”. As vezes me belisco.
Estou aos prantos sentado olhando as águas do East River, impactado com a noticia da morte da amiga, diva, musa, a maior cantora de todos os tempos, Gal Costa. Na verdade, são turbilhões de memórias, sensações, idéias que me vem a cabeça, claro. Lágrimas.
“Olha o raio!!! Gal, olha o raio!!!” Gal não estava acostumada a uma direção cênica. Estavamos no palco do Imperator, Rio, a dias da estreia. Um caos total entre carpinteiros e técnicos de todas as espécies e o mestre de palco argentino Pepe chegava no meu ouvido para perguntar se deveria expulsar os fotógrafos e câmeras da imprensa. Ele notava que precisávamos de calma. Sim, precisávamos. “Olha o raio!!! Gal, olha o raio!!!” “Ah sim, pois é, eu sempre esqueço”.
O meu medo era justamente a quantidade de deixas (tanto de luz quanto de movimentos) que Gal precisava aprender, num cenário e numa luz que sequer se mostrava pronta e com uma banda ainda não completamente ensaiada, escondida atrás de uma tela de filó empoeirada. Calma. Calma.
Me vinham na cabeça as imagens da boate Sucata de décadas anteriores e do caos que era. Gal nem sabia então quem eu era. Meu Deus quanta mudança. Que loucura tudo isso. Já tenho uma enorme carreira atrás de mim, mas Gal ?
A noticia de hoje é devastadora porque a morte é devastadora. Eu não sou maduro pra encara-la ou aceita-la. Eu amo a Gal. Pra sempre Gal. Quando eu a olhava, sentado no camarim, seja no Imperator ou em qualquer outro teatro, esquentando a voz, cantando Solitude de Billie Holiday, eu entendi que Gal era uma cantora de blues, uma mulher que navegava a vida entre a tristeza e o sublime, se jogava de cabeça na aventura da arte e, justamente por isso se comunicava com Deus. Sua voz era um veículo de Deus. E por ser um veiculo de Deus ela era pioneira, absoluta pioneira seja na Tropicalia, seja em postura de vida, seja como mulher, diva e sabem por que? Porque GAL COSTA MOSTRAVA SUA CARA!!!
Gerald Thomas
NYC – November 9, 2022
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R.I.P. GAL COSTA – my friend, my everything – here’s my humble tribute – O GLOBO
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“F.E.T.O.” – Gerald Thomas’s latest production (July 21 through August 28, 2022 SESC São Paulo)
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Entrevista com Gerald Thomas – por Marcio Tito e Daniela Coutinho
“Todos os artistas são um e o mesmo” – Uma Entrevista com Gerald Thomas – Por Marcio Tito e Daniela Coutinho
Publicado em por Deusateu

F.E.T. O – Estudo para
Dorotéia Nua Descendo a Escada
F.E.TO – Ensaio para Dorotéia Nua Descendo a Escada, foi o argumento para esta entrevista especial com Gerald Thomas. Contudo, no olho do furacão de uma inteligência indomável (e impossível de ser captada por uma entrevista tradicional), optamos pela configuração de um texto-entrevista que pudesse apresentar não o entrevistado, mas o ambiente magnético de suas divagações sobre música, arte, política, relações internacionais, criatividade e, sobretudo, a importância da cultura.
F.E.T.O, a mais recente direção de Thomas, promove uma abertura quase mística e quase atômica ao universo (quase completo) da obra de Nelson Rodrigues, e esta decisão estética se confirma na forma como o diretor dispara “contra” as certezas da própria montagem. E parece importante demais apresentar este material com cada uma de imaginações e hesitações. Com interjeções e aspas que se tornam parênteses.
É, sobretudo, uma sala com acústica especial (de onde se pode ouvir e ler ideias interessadas em ideias).
Boa leitura!
Entrevista e introdução – Marcio Tito
Edição, transcrição, captação e revisão – Daniela Coutinho
MT: Bom, vamos lá. Gerald, quando eu percebo seu trabalho no “F.E.T.O”, bem rápido eu coloco pra mim mesmo a ideia da tradição numa conversa com o contemporâneo e como a sua estética se coloca entre esses dois lugares, os percebe e os coloca em fricção. Queria saber como você sente essa colocação.
GT: Não tô… não tô te seguindo. Não tô entendendo a pergunta… até agora.
MT: Quando eu assisto o seu trabalho… No começo da minha crítica eu coloco o exemplo de um filme e falo sobre a ideia da tradição e como o seu teatro está observando novos valores, no contexto ali da obra do Nelson e no contexto da sua produção. Como que te soa essa leitura?
GT: Não, não… Eu não saberia criar se eu tivesse preso a ficar olhando uma coisa que já aconteceu. Eu ficaria doido. Quer dizer, eu já sou doido. Agora, eu não teria a liberdade que eu tenho, entende? Já basta a minha própria obra, que fica me puxando pra um lado chato que é o armário, que fica ali “entra”, “volta”. Eu não tenho muito saco pra ficar olhando tradição. Eu não sei se você tem meu livro…
Você viu fotos minhas, jovem? Eu já era muito doido, entende? Saí de casa com 13 anos e não tenho muito saco pra ficar olhando os outros, o trabalho dos outros, o que os outros pensam, fazem, falam. Menor vontade… Eu sofro de um mal chamado ‘muita cultura’. Eu tenho muita cultura, eu sei demais. Não caibo aqui dentro, entende? Em todas as áreas: arquitetura, medicina… Medicina não, claro. Medicina eu não sei porra nenhuma. Enfim, arquitetura, filosofia, história e tal. Então eu, quando ando pelas ruas… É o seguinte: eu não sei me divertir. Eu não sei me divertir. Eu não sei ouvir Jazz e dizer “ah, que delícia”. Eu já fico identificando o ritmo, o que o baixo, o que a guitarra tá fazendo. Fico tentando encaixar essa impressão em algum lugar. Mas isso quando eu não tô trabalhando. Isso quando eu tô ouvindo. Ou quando eu vejo o prédio do Frank Gehry em Bilbao, o Guggenheim… Eu fico, sei lá, tentando encaixar aquilo, comparar com Frank Lloyd Wright, sabe? Ou com o Gaudí, Bauhaus. Enfim, eu não relaxo! Eu não relaxo nunca, esse é meu problema. Mas quando eu trabalho, eu relaxo.

MT – E como que o Nelson Rodrigues entra nessa equação? Onde ele faz parte do seu imaginário? Como ele se coloca?
GT – O Nelson Rodrigues me pentelha desde 1985, quando eu tentei comprar os direitos de “Dorotéia” e não me deixaram. Eu tentei comprar os direitos. Eu conheci o Nelsinho Rodrigues – o filho – na prisão. Eu fui para o Brasil visitar os presídios políticos em 1978 – eu tinha 24 anos – como representante da Anistia Internacional.
Eu posso te mandar o recorte do JB (Jornal do Brasil), uma página inteira. Eu cheguei no Galeão, no Rio, era pra ser anônimo e o JB me dedurou com foto de frente e de lado, como no DOPS. Eu falei “putz, acabou minha vida no Brasil”. Eu anônimo. O JB era o que se lia no Brasil na época. Mesmo assim eu consegui ainda ir visitar os presídios políticos e falar com os presos, os advogados e Dom Evaristo Arns, Helder Câmara, todo mundo que dava apoio naquela época. E eu fiz muitas amizades, como o Nelsinho Rodrigues, como o Alex Polari de Alverga… essas pessoas.
É claro que eu já fazia teatro na época na Inglaterra, eu me aproximei do Nelsinho Rodrigues e achei que muito mais tarde isso ia surtir algum efeito na família Rodrigues, mas não fez nenhum efeito. Eles não me deram os direitos, porque acharam que eu ia distorcer o “Doroteia” e de fato eu distorci!
MT – Eu ia falar isso. (risos)

GT – É! De fato, eu distorci geral. Mas isso agora! Na época, em 1985, eu respeitava mais ou menos o texto, como eu fiz com o Beckett. Quando o Beckett me dava uma prosa pra fazer, eu não tinha que respeitar nada, porque era uma prosa que não tinha sido montada e eu montava em primeira mão, então não tinha diretriz nenhuma pra respeitar. Eu fazia o que queria fazer. Eu nunca montei uma peça do Beckett! Uma peça formal, ele não queria que eu montasse. Ele queria que eu montasse as prosas, os livros. Ele aliás me pediu que eu montasse o “Esperando Godot”. Eu só montei depois da morte dele, na Alemanha. Eu fiz um “Esperando Godot” depois da morte dele. Uma doideira. E aí o morto passou a ser o próprio Beckett, que tinha morrido dois meses antes. Uma total infelicidade.
MT – Gerald, pela sua estrada, pelo ponto em que você começa e onde você trabalha hoje, como você vê e a mudança de percepção do público? O que te parece uma plateia hoje, o que te parecia antes? Mudou muito, mudou pouco?
GT – Muito, mudou muito. Eu me lembro em “Eletra Com Creta” por exemplo – que é 1986, eu acho – e aqui no La Mamma em Nova Iorque, por exemplo, era um bando de punks, nariz furado e tatuagens no rosto. Um bando de doidos na plateia, vibrando! Né? Era um hang out, de heroína e…. era uma continuação de um lugar de música punk rock como o CBGB’s, era uma continuação. Saiam de lá, tocavam Sex Pistols e vinham ao La Mamma assistir um Beckett, alguma coisa assim, uma performance nossa. Ou no Museu de Arte Moderna do Rio.
Ia Caetano, ia Gabeira… enfim, essas pessoas iam, mesmo que de madrugada, no museu de arte moderna no meio do nada, no Aterro do Flamengo, um espaço nada convencional. Um museu de arte moderna sendo usado como teatro, improvisadíssimo ali numa arquibancada quase caindo. E iam ver, iam assistir. Hoje em dia é confortabilíssimo, né? Aquelas cadeiras e tal. E a plateia um pouco mais velha. Você vê uns cabelos grisalhos e tal. Mudou muito! Mudou muito. Mudou muito…
O próprio jornal, a Folha de São Paulo. Já foi um jornal de vanguarda, que guiava as pessoas na direção do vanguardismo, dava diretrizes do que estava acontecendo e hoje em dia não tem esse valor. Aliás a vanguarda não tem valor nenhum. Aliás, não tem vanguarda. Não tem vanguarda, não tem mais porra nenhuma. Aliás não tem porra nenhuma! Aliás… Eu sou um dos que destruiu esse tipo de coisa. A iconoclastia destruiu isso. Aliás eu me sinto um agente desse vírus, eu me sinto uma bactéria. Vamos dizer: se o vírus é um organismo vivo feito por pequenos ‘alguma coisa’. Moléculas, né? Devem ser moléculas…
Eu sou uma dessas moléculas, que ajudou, através da iconoclastia, a quebrar o que existia no final do milênio passado, destruindo todas as colunas que existiam da chamada cultura. Colocando tudo debaixo da lente do microscópio, examinando tudo o que estava quebrado e despedaçando ainda mais, explicando ainda mais.
Aí você pode até dizer que alguma coisa estranha aconteceu no início desse século, da qual eu sou uma vítima quase direta, que é a queda do World Trade Center aqui na cidade (de NY). Eu fui vítima direta, que é a queda, o colapso mesmo de dois edifícios. É uma ilustração quase perfeita do que eu estou dizendo. É o colapso mesmo de dois ícones, ou um ícone vezes dois. É o que o Andy Warhol fazia: um ícone duplicado. Andy Warhol total! Enfim, depois disso não surgiu nenhuma coisa, nada absolutamente significativo, exceto essa merda de Facebook, Instagram, essas coisas que só duplicam besteira. Só fazem mesmo é avançar fake News, avançar Donald Trump e essas merdas.

MT – Você percebe algum papel do teatro nesse momento de reformulação ou de pós-destruição desses valores? Ou estamos cada vez menos significativos?
GT – Eu não percebo nem o papel da música, porque as pessoas que participavam da música de protesto na década de 50, 60 – Bob Dylan, Caetano Veloso, Chico (Buarque), Geraldo Vandré – Pessoas vitais, que foram importantíssimas na música de protesto de todos os países do mundo, mas eu acho que Bob Dylan seja talvez o cabeça de tudo isso, Jimi Hendrix, Woodstock… Cadê? Cadê qualquer pessoa se manifestando em qualquer…? Você encontra aquelas pessoas hoje em dia.
A Gal Costa, que eu dirigi em 94, é a mesma Gal costa que está fazendo comícios contra o Bolsonaro em alguns teatros do Brasil. E o Caetano é o mesmo Caetano que tá aí no Instagram falando do Lula –eu vi hoje uma postagem. Mas essa arte, que na Inglatertra se chama de Agit Prop, ‘Agitação Propaganda’, uma coisa que o Trotsky fez acontecer através da propaganda bolchevista… Não tem. Não tem, não.
MT –É, são muitas questões. Tentando reaproximar um pouco do que a gente pôde ver no ‘F.E.T.O’… Tudo isso, no começo da conversa você coloca que não tem tempo de olhar para trás e tem que produzir…
GT – Não é que eu não tenha tempo, não. Eu não quero mesmo. Se eu fizesse isso, eu me perderia no passado e não faria nada para o futuro. Eu acho que eu sou igual a muita gente, não tenho interesse, não é tempo. Interesse!
MT – É interesse. Disponibilidade às vezes, né?
GT – Disponibilidade, é!
MT – E, portanto, como que você inscreve seu teatro no tempo presente? Quais são os procedimentos que você adota para não falar com esse passado que não nos interessa, que não te interessa?

GT – Não, eu não faço isso. Os acadêmicos é que fazem! Coitados dos acadêmicos que têm que achar um termo aí qualquer. Eu não sei, não. Eu não faço nada. De vez em quando eu leio algumas coisas, como eu li o teu (F.E.T.O – Estudo para Dorotéia Nua Descendo a Escada – Por Marcio Tito), achei magnífico. Achei o que a Gabriela Mellão escreveu, fantástico. O Edward Pimenta…
Depoimentos de plateia achei fantásticos. As pessoas deixam depoimentos no Instagram maravilhosos. E acho muitos críticos bobos, sabe? Porque é muita crítica! E muita crítica boa também. Dilúvio, por exemplo, recebeu 48 críticas! E muitas fantásticas, muito boas. Só que com a quantidade… É a mesma coisa: com o crescimento do número de grupos de rock, você esquece o nome. Você esquece o nome! Quando eu era adolescente existiam 10 grupos fantásticos de rock, você sabia todos eles. Led Zeppelin, The Who…Na década de 80 você já não sabia mais o nome de ninguém, porque era tanta coisa! Entende? “Quem são esses agora?” Então é a mesma coisa… vai se pulverizando, vai dissolvendo.
MT – Você ainda frequenta muito teatro?
GT – Eu não vou a teatro.
MT – Não?
GT – Não. Não vou mesmo. (risos) E eu deixo isso categórico num videozinho que vocês viram ali no início (da peça), antes da cortina abrir. Eu odeio teatro! Eu odeio pintura! Eu odeio! Eu odeio mesmo! Eu não consigo, eu não consigo. Não consigo. Eu só vejo defeito. Eu vou a teatro e nos primeiros 5 minutos já vi todos os defeitos. Eu olho pra coxia, eu vejo a perna balançando, eu vejo o refletor desafinado, eu vejo a mão do contrarregra. Eu só vejo defeito.

MT – Essa tendência que eu vou citar para você ela está presente na literatura, no cinema, na dança, em tudo. É a ideia da auto-ficção, que em alguma medida permeia muito da produção de hoje. Como que te parece isso?
GT –Ela não tá presente na literatura. Eu acabei de comprar tudo do Ian McEwan, por exemplo. Não tá presente na literatura. Eu adoro ler! Eu escrevo feito um doido. Varo a madrugada escrevendo. Mas, por exemplo: eu também publico resenha, eu sou autor de 12 livros. Eu tô escrevendo agora ‘Todos os artistas são um e o mesmo’, que começa com esse fragmento que a Ana Gabi estava falando ali antes da cortina abrir. “Todos os artistas são um e o mesmo”.
MT – Essa é uma das falas mais marcantes do trabalho para mim. Eu achei uma coisa muito forte.
GT – Entre Bartók, Duchamp, Monet… É tudo igual. É tudo a mesma preocupação. A preocupação em reduzir tudo que se vê, o planeta inteiro, aos dois olhos, ouvidos, nariz e boca. É sugar o planeta, sugar o universo inteiro, as galáxias se possível, aos sentidos. Basicamente todo mundo faz isso, quer fazer isso, quer poder fazer isso. É basicamente isso.
MT – Assim como eu te coloquei a plateia, a transformação da plateia ao longo desse tempo, acho que parece evidente que os artistas e as artistas também tenham se transformado. Como tem sido sua relação com os/as artistas do seu espetáculo? As atrizes e os atores. Como é essa conversa? Ela mudou muito de quando você dirigia antes e dirige agora?
GT – Mudou. Eu rio. Eu ria mais. Eu dava verdadeiras gargalhadas. Outro dia eu tava vendo aquele programa ‘Persona’ (TV Cultura), que eu gravei em 2019, quando eu fui lançar o livro das peças. Eu nunca tinha visto. Eu gravei, mas eu nunca vi. Aí eu tava vendo outro dia pela primeira vez… Eu vi o que a Ana Kfouri falava – acho que era a Ana Kfouri. Quando a gente está no estúdio, ali a gente vê o que entra de gravações de outras pessoas, mas a gente não vê de verdade. A gente vê ali, mas aí tem os contrarregras falando entre si, a gente não fica prestando atenção. Aí eu ouvi o que ela dizia, falava “você dava gargalhadas, você rolava de rir durante os ensaios” e é verdade! Eu rolava de rir! Eu me divertia demais. Quando o ator leva muito a sério o que ele tem a dizer, eu rolava de rir.
O Ítalo Rossi, Sergio Brito, Tônia Carrero… Faziam “Mas eu… estou aqui agora” e eu rolava de rir. Aqui o Julian Beck e o George Bartenieff faziam coisas muito engraçadas e eu me escangalhava de rir. Hoje, 40 anos depois, eu rio menos, porque eu acho que já me acostumei à canastrice, sabe? A Fernanda Montenegro até hoje – porque a gente se fala todo dia – ela ri igual, ela é atriz. Mas ela ri mesmo, dela própria. A gente vai se acostumando a macaquices no circo da vida. A gente vai se acostumando. Então acho que a própria vida vai me tornando mais triste. A falta de dinheiro, sabe?
O fato de eu estar perdendo… eu tô sendo despejado! Isso tudo vai… “pô, mas por que eu tô sendo despejado? Eu tenho um sucesso inacreditável!”, em todos os campos, mas eu tô sendo despejado. Eu fui roubado, então não tenho dinheiro. Enfim, isso é outro assunto. Mas me deixa numa amargura de dar úlcera! É uma doideira. O fato de eu tomar café exageradamente também me dá úlcera (risos). Mas eu me divirto! Eu gosto dos atores, eu adoro eles! Gosto de conviver com meus cúmplices e espero que eles gostem de mim tanto quanto eu gosto deles. De vez em quando, claro, tem umas brigas, né? Porque tem a cama também. A gente é meio casado, sabe? Tem essas coisas.
MT – O “F.E.T.O.”, talvez para quem pratica teatro, pra quem é da área, parece uma obra realizada em processo. Não parece que você tenha chegado ali com o material e dito ‘olha é assim, é aqui, pra lá…’. Ao mesmo tempo tem uma engenharia e uma arquitetura de cena, de maquinária, de luz. É processo? É muito do que você já queria?

GT – É processo. É work in progress. Eu trabalhei muito com a Fabi (Fabiana Gugli), com a Lisa (Lisa Giobbi) e com um dramaturgista chamado David George, aqui de Chicago, antes de ir para o Brasil. No Zoom, assim como a gente tá agora. A Lisa aqui (em N.Y.). É ela quem voa. A Lisa é quem faz os voos. A Fabi é minha atriz, foi minha mulher durante muito tempo. 24 espetáculos com ela. A Fabi tá comigo desde 99, desde “Terra em trânsito”. Já nem sei mais quantos espetáculos. A gente trabalha em inglês. Era pra ser ‘Dorotéia’, não tinha a menor dúvida. Era Dorotéia! A gente estava com o texto na mão. E o David George é um dos grandes especialistas em Nelson Rodrigues. Ele tem textos, como nesse livro aqui (Flash and Crash Days – Brazilian Theater in the post-dictatorship period), tem um texto em que diz – em um livro de 35 anos atrás – que eu deveria encenar Nelson Rodrigues. Wagnerianamente, ele diz, sem palavras. Eu devia encenar Nelson Rodrigues sem palavras.
MT – Uau!
GT – Mas eu nunca mais me lembrei disso! E o próprio David George foi o dramaturgista desse negócio. Mas ele também não se lembrava disso! Ele não se lembrava que tinha publicado esse negócio. No meio do processo em São Paulo, e o David no Zoom em Chicago, a peça foi virando… foi virando essa coisa!
MT – Wagneriana!
GT – Wagneriana. E a gente quebrando as palavras e eu tentando e achando ‘mas não tá dando certo…’. Eu não estava conseguindo entrar. Eu me lembro do Raul Barreto: “Doroteia morreu!” E eu falava: “ah, mas isso tá soando horrível!”. (Dá a fala “Doroteia morreu” em várias entonações diferentes). Nada dava certo! ‘Ah, vamos gravar e você vai ser dublado!’, fomos pro estúdio gravar e nada dava certo! Não conseguia. ‘Vamos lá, vamos gravar em coro’. (imita coro) “Do-ro-tei-a mor-reu!”. ‘Não dá! Não dá!’ (risos) ‘Vamos lá, vamos tentar tudo! Vamos tentar com todos os hinos’ (canta) “♫Doroteia morreu ♫”. Não, não deu.
MT – Gerald, agora que você cercou mais o assunto da Dorotéia, eu fiquei pensando enquanto eu assistia: Você elege Dorotéia porque é seu texto favorito ou era o que te dava mais ambiente para sua criação junto ao texto?
GT – Quando o Rubens Correa leu todos os textos do Nelson – todos! Toda a obra do Nelson numa única noite… Numa única noite ele leu toda a obra do Nelson! Em 1985… Com guaraná. Guaraná mesmo, ralado na língua do pirarucu. Índio mato-grossense que ele era. Quando chegou em Doroteia eu falei: ‘Peraí, calma’. Nesse estado que não é de se ficar muito calmo, né? (risos) Mas eu falei ‘Peraí, calma. Leque? Como é?’, ‘Viuva … não nasceu… como é?’. Eu pedi pra ele voltar, ler. Porque é Kabuki, é Teatro Nô, é japonês, uma coisa estranhíssima. E aí ficou na minha memória o “Doroteia”. E anos depois eu conversei com o Eduardo Tolentino, do Grupo Tapa. ‘Ah, você devia fazer Nelson Rodrigues’, e eu falei ´É, eu tive essa experiência com o Rubens’. Ele tinha visto muitas vezes o “Quatro Vezes Beckett” no Rio. Dorotéia é uma peça interessante e ficou entre as peças míticas do Sábato (Magaldi). O David George trabalhou muito com o Sábato. E aí ficou-se no “Doroteia”, inclusive porque tem menos personagem que as outras. São sete. Não tem 23 como “Álbum de família”, não tem 70 como “Anjo negro”, enfim… Dá pra fazer com campo reduzido. Mas “Doroteia” ainda é minha preferida, mesmo.
MT – Que interessante. Você fala onde você queria chegar e sobre o processo até alcançar o que te parecia que fosse a intenção. Você alcançou isso? O “F.E.T.O.” é um trabalho que você diz ‘Completo. É o que eu gostaria.’?
GT – Não, não. Imagina! Como você mesmo descreveu, é em processo. Dada a chance, se eu tiver essa oportunidade, eu vou cavalgar com ele até onde as Valquírias cavalgam no Anel dos Nibelungos, vão pra quarta peça e destroem o castelo de Valhala. Eu posso dizer isso de um monte de espetáculos. E muitos espetáculos não chegaram até onde deveriam ter chegado.
MT – Mas está na direção? Tá no caminho certo?
GT – Ah, eu acho que sim. Eu adoro… Tô muito orgulhoso do que eu fiz. Eu tô muito orgulhoso do que eu fiz nesse ano de 2022, com “g.a.la.” – eu adoro “g.a.la.” – com a Fabi, adoro “Terra em trânsito”, com a Fabi. Eu adoro o que eu tô dividindo em cores, o chão tá dividido em cores: marrom, azul e vermelho. Então eu tô começando a fazer uma palheta de cores. Eu como pintor estou fazendo essa palheta de cores no chão.
MT – Gerald, no começo da conversa você fala sobre outro momento de criação, porque havia também outro momento de apresentação, num museu no aterro… uma coisa muito diferente do ambiente criativo mesmo. Tentando criar aqui um diálogo maluco entre o artista daquele momento e hoje: como você acha que, do passado, você veria o seu trabalho no presente?
GT – Ahn… É… Como eu veria? Eu não sei. Isso é misterioso, né? Como é que qualquer artista veria ele mesmo no futuro? Sabe, se você viu “2001, uma Odisseia no Espaço”, as últimas cenas são aquelas que ficam na tua cabeça: ele velho, vendo ele mais velho. Ele mais velho, aquilo é apavorante. Você no cinema dizendo ‘meu deus! Será isso? Será isso?’, até que ele vira um bebê, né? Ele vira um bebezinho!
Eu me lembro… era o dia mais frio do ano em Londres. Devia estar -20°C. Eu saí do cinema no centro de Londres, o chamado West End em Londres e eu fui andando através do Regent’s Park de madrugada. O Regent’s Park dá em Primrose Hill, que é um morro. A minha família morava em Hampstead, lá no norte de Londres e eu ia subindo aos prantos e a lágrima congelava mais ou menos aqui (na altura da bochecha), sabe? E eu era uma vela que congelava. Dizendo ‘o futuro é o futuro, o futuro de todo mundo é se olhar no espelho (inaudível – a conexão falhou). Mas enfim, é tão impactante aquela coisa de se ver no futuro. É uma coisa meio Edgard Allan Poe, meio Isaac Asimov, é uma coisa meio… Uma coisa de túmulo, né? Uma coisa de corvo, de você se ver no futuro, morto ali.
MT – E é mais fácil fazer isso com outro artista, enquanto analista? Por exemplo: Como te parece que seria o próprio Nelson Rodrigues acompanhar a sua “Doroteia” hoje?
GT – Eu não gosto muito da figura do Nelson, sabe? Eu tenho um repúdio. Porque afinal das contas, por mais que a gente goste dele, ele dizia que mulher gosta de apanhar. Ele disse isso. Pode ser polêmico, pode ser isso e aquilo, mas ele é aplaudido dizendo coisas absurdas nesse sentido: ‘a mulher gosta de apanhar’. O brasileiro repete isso sem pensar muito o que essa frase realmente significa. Hoje, com o movimento “Me too” e essas coisas, ficar repetindo que Nelson Rodrigues é fantástico, com tudo o que ele disse – de bom e de ruim – é terrível! E a figura dele (imita o Nelson) eu não… Eu sou muito fã de outros dramaturgos. Bom, você sabe, né? Beckett e eu… Eu sou muito fã de Tenessee Williams.
MT – Brasileiros. Algum, alguma para citar?
GT – Brasileiros… Qorpo Santo, eu li muita coisa. Eu gosto muito. Ele é avançado pro seu tempo, né?
MT – É.
GT – Eu não conheço o Arthur Azevedo. Confesso que não li. O Vianinha eu gosto, mas não é o teatro que eu faço. Mas eu gosto. Eu acho muito legal, muito divertido e politicamente, é uma porrada.
MT – Gerald, pra gente não ficar com o material muito extenso e difícil de lidar depois, eu vou fazer algum encaminhamento aqui. É sempre bastante aberto e quase abstrato. É muito difícil ver você falando essencialmente de teatro. Você sempre atravessa o assunto do teatro com a música, com a literatura, com a própria cultura pop, com a contracultura…
GT – Porque na verdade meu teatro é isso.
MT – É! Tanto é que eu tento dar esse tratamento para o meu trabalho também. O que está sendo feito de arte hoje que realmente nos diz alguma coisa? Que arte está dizendo mais?
GT – Eu acho… eu levo muita porrada por dizer isso e as pessoas gostam de não gostar do Damien Hirst. As pessoas adoram falar mal desse cara, por causa da magnitude, do tamanho da obra dele, de quanto custa, porque é caro. O que ele fez em Veneza há 2, 3 anos atrás (Treasures from the Wreck of the Unbelievable) … há 5 anos, em 2017. Foi aquela coisa do fundo do mar. Caríssimo! Tesouros do fundo do mar.
Ele botou desde o Mickey Mouse até… tudo! Filmes, joias no fundo do mar, deixou tudo ali apodrecendo. Claro que ostras e mexilhões foram se juntando ao Mickey e escafandristas foram lá, fingindo que estavam descobrindo esse tesouro, com grandes guindastes e câmeras, como que ‘descobrimos esse grande negócio’ e tal. E era um Mickey todo despedaçado, claro, pela corrosão do mar. Isso foi exposto no ‘Palazio Grassi’, na Bienal de Veneza de 2017, junto com um Netuno gigantesco de 8 andares de altura e vários outros artefatos. Eu achei muito irônico, achei muito engraçado fazer uma exposição de “antiguidades” de milhares de anos atrás, como se fossem tesouros de piratas, com uma coisa moderna do século XX, Disney, né? As pessoas: ‘Mossa, que horror! Que mal gosto’, assim como se estivessem chocadas com o urinol do Marcel Duchamp ou alguma coisa assim. Eu adorei, achei engraçado. Eu gosto, eu adoro o Damien Hirst. Adoro mesmo.

MT – Me parece ter um pouco de artes plásticas, de performance, de representação…
GT – É tudo junto.
MT – Esse hibridismo que vai nos interessar mais nesse momento?
GT – Eu acho que é híbrido mesmo! Como o tubarão dele, esquartejado, também é. Como as coisas dele são. Como o próprio ato de comprar de volta a obra dele, inflacionada, na intenção de denunciar a besteira que tudo isso é. É o próprio capitalismo, imbecil como é. Para um colecionar dar o dobro do que ele mesmo deu. ‘Olha só, você é um otário! Eu comprei por £25 milhões e você dá £50 milhões. Quer? Toma aqui! Eu faço lucro em cima do lucro’. Enfim, é esse jogo idiota.
Mas eu gosto do Ai Weiwei, eu gosto daquele irmãos Chapman que recriam uma guerra inteira numa mesinha de pingue-pongue – tipo “Apocalipse Now” numa mesa de pingue-pongue. Eu gosto das pessoas que fotografam suas camas, com todos os cigarros apagados e notas de dólar enroladas pra cheirar. Aquelas coisas, os modess todos ali de sangue, o dia a dia passa a ser uma coisa preciosa já que a gente conseguiu ficar mais um dia vivos.

MT – Gerald, pra tentar algum encerramento, uma pergunta que eu sempre via o Antonio Abujamra fazendo e eu acho bastante pertinente: Qual o maior erro que cometem ao falar sobre você – e sobre a sua obra, automaticamente?
GT – Não considero erro, mas acho que ninguém conseguiu me entrevistar até hoje, de verdade, sabe? Porque não existe tempo, não existe calma. Para entrevistar de verdade, não pode ser nesse frenesi. Isso aqui (online) tem que ser no berro, porque trava de vez em quando, a palavra não atravessa, ‘tem 40 minutos, tem que renovar!’ É sempre assim. Tem que ser com calma. A revista Rolling Stone quando entrevista faz uma coisa de 4 horas, por 4 dias, com 4 repórteres. Então é assim, com calma, você vai pegar um café e todo mundo está em poltronas. O gravador fica ligado e finge que não tá ali. Todo mundo ri, todo mundo à vontade. E aí rola uma conversa. E é uma conversa que vai em todas as direções possíveis.
MT – É um processo.
GT – É um processo. Pode ser uma entrevista, pode ser que você fale, pode ser que você não fale. Se você não falar, marcam mais 4 dias e mais 4 dias até tomar algum tipo de corpo, até que todo mundo fique mais ou menos contente. Isso eu considero uma coisa legal. Uma pequena biografia. No Brasil se fez uma coisa parecida com a revista “Bondinho” uma época. Uma revista que marcou uma coisa incrível. Uma revista da contracultura que, por incrível que pareça, o (mercado) Pão de Açúcar financiou. Foi marcante na contracultura. Pesquisa para você ver: Bondinho. Paginação fantástica e tal. Hoje em dia as perguntas são todas de uma forma que demandam uma objetividade que a gente nem sempre tem. Então eu acho que enquanto essa objetividade for perguntada, a resposta nunca vai vir à altura, entende? Só isso. Mas fora isso tá tudo certo!
MT – Tá certo!
GT – Porque a gente não é objetivo no nosso trabalho. Por que a gente tem que ser objetivo nas respostas? Não tem um porquê! A arte não é uma coisa objetiva. Ela é altamente subjetiva, mas quando a gente tem que dar as respostas, a gente tem que ser objetivo. Não faz sentido algum!
Olha o Jackson Pollock, por exemplo. Jogava tinta ‘pá, pá, pá’, mas aí: ‘Ô Pollock, o sr. poderia me dizer o que o sr. pretende com tudo isso?’. ‘Porra! O que que eu pretendo? Como assim o que eu pretendo com tudo isso?’. Como assim? Você entende? Aí perguntaram uma vez assim para o Charlie Parker (saxofonista) ‘O que você pretende com isso?’. ‘Pô, o que eu pretendo com tudo isso? Eu sopro nessa porra desse negócio!’. É uma coisa que, literalmente, as pessoas usam instrumentos porque não querem usar as palavras. Eu sou bom de palavras, não é isso que eu quero dizer. Eu uso imagens pra substituir a palavra, eu também uso palavras pra preencher as imagens, mas não quer dizer que a razão preenche o discurso que descreva as palavras.

“Ai Weiwei é um artista, designer arquitetônico, artista plástico, pintor, comentarista e ativista social chinês”.
MT – Falar com você tem uma coisa que é um pouco rara nos outros artistas e nas outras artistas, porque você fala como fala sua própria obra. Em geral os e as artistas falam como quem realizou a obra. Você não fala do ponto de vista da autoria, você fala do ponto de vista do objeto artístico. Me parece…
GT – Eu sou muito crítico. Eu sou crítico de mim, eu sou crítico deles, eu sou crítico da temporalização. Eu acho tudo muito superficial se você quer saber. E eu me incluo nessa superficialidade. Eu não sou nem um pouco diferente.
MT – Sob muitos protestos, você se inclui.
GT – Não, eu me incluo. Eu me incluo porque tem uma frase que numa dessas peças eu botei: “Falta cultura a essa falta de cultura”. E falta mesmo, cada vez mais. Eu gostaria de estar trabalhando numa época em que havia cultura na falta de cultura. Porque falta de cultura sempre há em todas as épocas. Enquanto houver classe média, existe falta de cultura. Eu não quero conversar com as elites. A elite também tem falta de cultura. Tem uma elite cultural, claro. Mas eu também não quero falar com a academia, porque aí a coisa fica tão cerebral que só sai meleca de tão cerebral que é. Você conversa com os lenços onde todo mundo assoou seu cérebro. Aí fica chato. Está cada vez mais chato conversar com a falta de cultura, porque é tudo tão imediatista, tudo tão imediato.
MT – Tudo esperando embalagem, né? Tudo esperando para virar produto.

GT – Mais ou menos isso. Eu fui dar uma palestra no conservatório de música de Michigan. Claro que sabiam quem era Phillip Glass, com quem eu trabalhei. Mas não sabiam quem era John Cage! Porra, o homem que dividiu a música americana. Quando eu dava aula, logo depois do 11 de Setembro, aqui na NYU – Universidade de Nova Iorque – para pós graduados em Drama, em teatro que não sabiam quem era Julian Beck, do Living Theatre, daqui de NY. De 150 alunos, 3 levantaram o braço. E também não sabiam quem era Artaud e quando eu dei aula da CAL, no Rio de Janeiro em 2006, não sabiam que era Jean Genet. Ninguém sabe mais nada, entendeu? Antigamente pelo menos… Bom, chega com esse negócio de antigamente, porque a gente romantiza o passado. Enfim, foi um prazer!
MT – Foi um enorme prazer! Muito obrigada pela disponibilidade.
GT – “Deus ateu” é fantástico, é maravilhoso. Já em si, diz a que veio.
MT – A ideia é não ter essa pressa de ser qualquer coisa.
GT – Maravilhoso. Em Jerusalém, na porta do Santo Sepulcro, tem várias filas e quem toma conta ali são os armênios ortodoxos, com aquele cetro, aquele manto, aquele chapéu enorme. Aquelas filas enormes e enquanto isso você vê passando os Hare Krishna de laranja, os crentes, os católicos, os judeus ortodoxos. E tem as filas passando, de todas as religiões e um cara, um diretor de trânsito guiando todo mundo para que não se encontrem. É a porta de todo mundo entrando e saindo ali para ver onde Jesus foi morrer. É um asterisco no mundo aquilo ali. É fantástico. Visto de cima, você vê um asterisco, literalmente. E o armênio no meio do asterisco, ali em pé, sisudo! Esse homem tem direito de ser tudo, menos sisudo. Ele tá vendo o maior circo do mundo, com todas as fantasias e está lá, sisudíssimo. Eu não sei porquê tão sisudo assim. Mas é isso, ele é um deus que só pode ser ateu. Ele é um deus, porque ele tá regendo quem vai ver o túmulo do filho de Deus.
MT – Ele vê tudo da contraluz ali, do contraste.
GT – (risos) Então, é isso! Exato. Qualquer coisa, estamos aí!
Daniela Coutinho @dani_elacoutinho
Dramaturga e roteirista neófita, aos 38 anos trocou a carreira na publicidade pelo estudo das questões femininas no teatro e cinema. Pós-graduada em Dramaturgia para Palcos e Telas na Escola de Artes Celia Helena. Atua também como Assistente de Direção.
Marcio Tito • @marciotitop é autor teatral, entrevistador e crítico no site Deus Ateu
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I was born an artist because my body told me so.

I was shaped as an artist. In the format of an artist I. I was molded into an artist by my physical shape. Yes, by all my possible physical defects. An artist becomes an artist because he is little by little excluded by his peers as a child. One leg shorter than the other and therefore standing too long becomes a problem. Playing sports becomes a problem. And those eyeglasses. And that hair. And there’s the discomfort of the local language. And the local traditions. Everything I am not. That is, everything THE ARTIST IS NOT. And that is precisely what makes an artist, THE artist. All that he is not. All he is not and MUST BE. So this need for existence becomes a mixture of love of beauty and hatred of violence. Or vice versa. And the fear of everything. Yes, that huge fear of EVERYTHING. I realized that DEATH existed very early on. Not because the people around me died. No. But because I could see THE END. I saw the the uselessness of it all, all the extreme effort, all the ups and downs, all the wars, all those things so fragile, so temporary, so futile, so false in a way; those walls, no matter how thick the locks, no matter the combination… a bomb, a fire, a hurricane, a tsunami and everything it would all be gone. AND MY SOUL? AND THE AFTER LIFE? Who was I in the past? I asked these questions at an early age. Too early. Seven. Not even seven. I took refuge in words and wardrobes, shapes and pencils and paper and I dreamed of one day… one day… and suddenly I read Kafka.
Tenho a forma de um artista. E por forma, digo…nasci moldado. Quero dizer, fisicamente moldado. Moldado em forma e com todos os defeitos físicos possíveis. Um artista se torna um artista porque ele é pouco a pouco excluído por seus colegas quando criança. Uma perna é mais curta que a outra e, portanto, ficar muito tempo em pé se torna um problema, praticar esportes se torna um problema. E tem os óculos. E tem os cabelos. E tem o desconforto do idioma local. E tem os costumes e tudo aquilo que é, eu não sou. Ou seja, eu não sou. O artista não é. E isso torna um artista, o artista. Ele não é. E PRECISA SER. Então essa necessidade pela existência passa a ser uma mistura de amor pela beleza e o ódio à violência. Ou o contrário. E o medo de tudo. Sim, aquele medo enorme de tudo. Percebi que havia a morte muito cedo. Não porque as pessoas ao meu redor morreram. Não. Mas porque eu vi O FIM. Eu vi o final e vi a inutilidade de tudo, todo o esforço extremo, todos os altos e baixos, todas as guerras, todas essas coisas tão frágeis, tão temporárias, tão frágeis, tão falsas de uma maneira que paredes, por mais grossas que fossem, fechaduras, não importa a combinação, bastava uma bomba, um incêndio, um furacão, um tsunami e tudo desaparecia. E ALMA? E O DEPOIS? Quem FUI EU no passado? Eu fiz essas perguntas em uma idade precoce. Muito cedo. Sete. Nem sete. Refugiei-me em palavras e guarda-roupas, formas e lápis e papel e sonhei com um dia….um dia… e de repente li Kafka.

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“Os Cantos” by Ezra Pound prefacio Gerald Thomas

Ezra Pound
Prefácio: Gerald Thomas
Cantar um poema já é uma coisa sublime, difícil, quase impossível. Agora, escrevê-lo sem cantá-lo, mas chamá-lo de Cantos, como se escrevê-lo cantado, assim como um compositor surdo, Beethoven, tendo que imaginar sua sinfonia inteira naquelas cinco linhas de uma partitura… ah, isso é trabalho de um Hércules! Ou de um Ulisses ou qualquer outra odisséia qualquer galaxiana, física, metafísica, já que não se pode “quedar” (uso o espanhol porque o português não me parece apropriado: ficar, parar, cair…) nas meias verdades ou nas meias palavras ou meias intenções de um trabalho tão completo, mas tão completo que ele se torna VITAL.
Vital e, no entanto, pode-se viver sem ele. De acordo com minhas conversas com Haroldo de Campos sobre Ezra Pound, o que predominava sempre (na minha memória) era um berro. Não, não me entendam mal: ninguém berrava! Haroldo ria de alegria, eu ria do Haroldo rindo e todos em volta gargalhavam dessa inusitada “cantata” de risos e alegria, algo como uma alegoria, uma alegoria Poundiana, pounding in everyone’s heads, ou seja, martelando na cabeça de todos, assim como Hamm martelava a cabeça de Clov em Fim de jogo de Beckett, ou seja, assim como um canastrão (Hamm actor) martelava o seu próprio cravo (clove) de Natal nele mesmo antes de ir pros fornos; essa parecia ser a personalidade, bipolar, ciclopar desse nosso autor controversial no peso e na medida do quilo inteiro: two pounds.
Ezra Pound eram dois: Aquele que defendia Mussolini e aquele que defendia uma América para a qual nunca mais queria retornar. Mas qual era o Mussolini que defendia? Me pergunto se, como diretor cênico de ópera e judeu, não devo dirigir Richard Wagner por causa da sua conhecida postura e seus escritos (Judeus na música etc) ou mesmo Heidegger e sua filiação ao Partido Nazista: o que fazer desse brilhante pensador? Ou do maestro Herbert Von Karajan? Queimar todos os seus CDs porque também filiou-se aos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial?
O III Reich foi de fato um fato! Um fato tão histriônico que autores hamms como Ezra Pound não poderiam não se deixar afetar por ele. Caminhos tortos talvez, autocensura depois, autocrítica mais tarde porém… durante… enquanto o pano de boca está aberto… a Boca berra histrionismos que o momento não enxerga e o ouvido não ouve, de novo, como um Beethoven surdo tentando imaginar sua 7a Sinfonia naquelas cinco linhas de uma partitura. Os cinco anos de uma guerra e os cinco conflitos interiores de um autor e os Cantos com suas inúmeras inversões do número cinco encantados, com suas navegações embarcadas em alto mar, embriagadas, nauseadas pela ausência de chão, de horizonte, pela ausência de “pra onde ir, de onde viemos e pra onde vamos?”. “TUDO é UMA BLASFÊMIA, uma mentira!” Sem dúvida uma afirmação que não se pode retrucar em nenhum tribunal, e nem Garrincha poderia driblar.
Pound imaginava o inimaginável: como naquele famoso continho de Beckett “Imagination Dead, Imagine”, ele chegou a imaginar um Brasil utópico pro qual queria imigrar (escreveu pros irmãos Campos a respeito), mas um eterno exilado, como um Nowhere Man que se preze, não finca pé em lugar algum. Mas RECLAMA, clama e canta em voz alta sem cantar. Rouco (assim Hemingway o descrevia), louco (assim todos o descreviam), acho que a “Sociedade Internacional dos Lençóis” o processaria pela quantidade de vômito derramado (ou, pelo menos, Arthur Bispo do Rosário, se o tivesse conhecido, quando ainda na Marinha Mercante do Brasil, teria lhe aplicado um bom tapa na cara, fanático por destruir lençóis que era, fio por fio, pra poder, depois, lindamente, brilhantemente, construir suas bandeiras: ambos têm a ver com o mar e no entanto Bispo cantava de verdade!
Pound escreveu e descreveu seus “Cantos” vitalícios e foi tão maltratado quanto Bispo do Rosário, só que não o encarceraram. Bispo se dizia Jesus, Pound se dizia pagão ou ateu, ou anarquista. Mas será que os dois eram o que eram? Acreditavam mesmo no que diziam? Acho tudo encenável. Creio que tudo é encenável, principalmente o “tom” dos Cantos, portanto difícil crer em quem escreve nesse tom. Ezra se dizia tudo isso, ou nada disso: mas ler os Cantos leva a ter um “feeling” subliminar e é de levantar a pele, ou os cabelos, assim como ouvir a ária final de Tristan und Isolde de Wagner, o Liebestod, e não notar a transparência da morte dentro do amor ou do amor dentro da morte; digo isso porque é transparente que Pound queria ser um agnóstico (e provavelmente o era), mas em Os Cantos era também um crente profundo. Crente numa entidade ainda sem título talvez. Pressupô-la como um deus ou uma deusa ou uma musa ou qualquer coisa maior que o ser que ele próprio era, ou ezra, está implícito em seus escritPtos assim como a cegueira de Tiresias, que nenhuma cegueira tem (a contradição ou a brincadeira de inVERSOS está justamente aí, nessas parábolas). Aquele em que nada crê é justamente o iluminado; o aleijado é justamente aquele que escalara um prédio pra salvar a velha das chamas e assim por diante: Aí está a virada filosófica, aquela que somente Kafka, além de Pound, conseguiu transcender “de verdade” na literatura do século XX. Fez o homem virar inseto. E nem por isso virou inseto. Virou mais homem do que nunca: mas Metamorfoses e ironias tão contemporâneas e tão globalizadas, já na década de 30 do século passado: leiam essa passagem:
Escolas, igrejas, hospitais para o trabalhador Montes de areia para as crianças.
Defronte ao Palácio dos Scheneiders
Ergueu-se o monumento a Herr Henri Chantiers de la Gironde, Banco do Paris Union O banco franco-japonês
François de Wendel, Robert Protot Aos amigos e inimigos de amanhã
“o sindicato mais poderoso é sem dúvida aquele do Comité des Forges”,
“E que Deus nos leve” disse Hawkwood 15 milhões: journal des Débats
30 milhões pagos ao Le Temps
Onze para o Echo de Paris
(…)
Os que armam 50 divisões, sustentam o exército japonês e estão destinados a ter um grande futuro
Ezra Pound, um Clauzewitz? Um Virilo? Um globalizador caricaturista à la Mario de Andrade? Perdão… Oswald de Andrade? De novo a nau. De novo a Vela, o Rei da Vela, aquela que o vento sopra e que a boca sopra, aquela que se acende numa igreja ou que se iça num barco… nas margens do Reno.
Quem foi o primeiro poeta concreto da História? Mallarmé? Malevich com seu quadro negro colocado em cima da porta? Joseph Albers com seu Branco sobre o Branco? Marcel Duchamp com sua Roda de Bicicleta? Os Irmãos Campos? Ezra Pound? Gertrude Stein no The Making of Americans? Ou terá sido John Cage em sua partitura Silence?
Um deriva do outro. Pouco importa. Pound era um escritor, um poeta, um artista com um peso e VÁRIAS medidas: um predador e, ao mesmo tempo, um perseguido, um foragido. Fugia do quê? Só ele sabia. Um monstro de homem. Me sinto ridículo por ter que compará-lo a um Dante ou um Milton do século XX. Prefiro reconhecê-lo como um Noé, aquele que construiu a arca antes do dilúvio e colocou sua nau, generosamente, a disposição da sobrevivência da espécie animal. Mas Pound não foi Noé. Sua arca é mais concreta, porém impalpável, só conseguimos enxergar seus Cantos através das palavras e da rima, e da FÚRIA e da tempestade (não, não é o Sturm und Drank do século passado, pois Pound era um INDIVÍDUO e não um movimento), e mesmo essa tempestade parece não ter um fim, nunca, nunca.
Mas, como todo gênio, ele tinha a certeza concreta de que a raça humana teria que passar por um dilúvio e começar do zero. Seus Cantos são o berro primal de que tudo aquilo criado pelo homem é torto, sem nexo, pretensioso, já que Aristóteles decretou uma ordem, um início, um meio e um fim que nada valem quando confrontados com a poesia de Yeats ou um país imaginário onde quis passar seus últimos momentos de vida, o Brasil, um lugar moderno, concreto, concretista, totalmente enCANTADO pela obra dele, um lugar chamado imaginário, sobrevivente do dilúvio, aberto pr’aquilo que é novo, mesmo que predador e sofredor, cego e visionário, o refúgio definitivo das contradições do modernismo, FrutoFilho de Pound. Um lugar dos dilúvios constantes onde os Monstros são esquecidos ou onde seus berros se perdem na natureza: esse estranho país chamado nunca, onde tempestades duram pouco e a literatura nunca e o teatro pouco e a música abunda e a natureza tanta e tonta e canta e como! Como numa galáxia, aquela de Haroldo que começou aqui, nos Cantos ou em Ovídio ou em Homero ou chega!
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