GAL COSTA (dies) FOLHA – artigo Gerald (Front Page “Sorriso do Gato de Alice”)

POR GERALD THOMAS

Estou aos prantos sentado olhando as águas do East River pois foi aqui que tudo começou: “alo? Gerald? É Gal.” Eu ainda morava em Williamsburg, Brooklyn e o ano era 1993. “Eu assisti teu Flash and Crash Days e queria conversar com você. Estou em Nova York, vamos conversar?”. Quase cai da cadeira. Por que? Porque minha vida com a Gal começa assim:

Eu tinha uns 13 ou 14 anos de idade, e depois de alguns debates muito intelectuais sobre o futuro da arte, sobre Hendrix e Duchamp,  Hélio  Oiticica me deu uma ordem: “boneca, venha me ajudar a terminar o cenário  para o show de Gal Costa na boate Sucata.” Meu trabalho consistia em costurar e amarrar filamentos azuis de plástico em uma grade que ficaria suspensa na entrada da boate e pela qual a plateia teria necessariamente de passar para chegar a seus lugares. Hélio queria arruinar os penteados das senhoras pseudorrefinadas da alta sociedade do Rio e de São Paulo, que compareceriam com suas roupas caras. De um modo muito conceitual e elegante, queria “destruir” a própria elegância. E conseguiu.

Quem diria! Quem diria que 26 anos depois, seria eu a dirigi-la no show mais comentado, mais polemico, mais isso e mais aquilo, o “Sorriso do Gato de Alice”. As vezes me belisco.

Estou aos prantos sentado olhando as águas do East River, impactado com a noticia da morte da amiga, diva, musa, a maior cantora de todos os tempos, Gal Costa. Na verdade, são turbilhões de memórias, sensações, idéias que me vem a cabeça, claro. Lágrimas.

“Olha o raio!!! Gal, olha o raio!!!” Gal não estava acostumada a uma direção cênica. Estavamos no palco do Imperator, Rio, a dias da estreia. Um caos total entre carpinteiros e técnicos de todas as espécies e o mestre de palco argentino Pepe chegava no meu ouvido para perguntar se deveria expulsar os fotógrafos e câmeras da imprensa. Ele notava que precisávamos de calma. Sim, precisávamos. “Olha o raio!!! Gal, olha o raio!!!” “Ah sim, pois é, eu sempre esqueço”. 

O meu medo era justamente a quantidade de deixas (tanto de luz quanto de movimentos) que Gal precisava aprender, num cenário e numa luz que sequer se mostrava pronta e com uma banda ainda não completamente ensaiada, escondida atrás de uma tela de filó empoeirada. Calma. Calma. 

Me vinham na cabeça as imagens da boate Sucata de décadas anteriores e do caos que era. Gal nem sabia então quem eu era. Meu Deus quanta mudança. Que loucura tudo isso. Já tenho uma enorme carreira atrás de mim, mas Gal ? 

A noticia de hoje é devastadora porque a morte é devastadora. Eu não sou maduro pra encara-la ou aceita-la. Eu amo a Gal. Pra sempre Gal. Quando eu a olhava, sentado no camarim, seja no Imperator ou em qualquer outro teatro, esquentando a voz, cantando Solitude de Billie Holiday, eu entendi que Gal era uma cantora de blues, uma mulher que navegava a vida entre a tristeza e o sublime, se jogava de cabeça na aventura da arte e, justamente por isso se comunicava com Deus. Sua voz era um veículo de Deus. E por ser um veiculo de Deus ela era pioneira, absoluta pioneira seja na Tropicalia, seja em postura de vida, seja como mulher, diva e sabem por que? Porque GAL COSTA MOSTRAVA SUA CARA!!!

Gerald Thomas

NYC – November 9, 2022

 

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