Fátima Vale: é um quarto que nos falta a todos.

Fátima Vale

a três vírgulas do chão e de clarabóia a entrever a lua zumbir em torno da terra. um quarto a ver-se do regato por debaixo das saias dos amieiros. plantado numa herdade onde os pés de blusa nascem senhoras, dos pentes tomates, dos caroços de azeitona saladas temperadas.

  • encontrarás o teu caminho, ao primeiro raio de sol sobre o meu calcanhar o mais belo pé que levarás à boca! – sou a fonte palpitante no seio das primaveras ao romper da aurora. não sei o que têm as flores que ladram em fila de fome com a malga de espera a colher pássaros. diz que os pássaros pintados são os donos das violas, que as navalhas compraram as coroas de laranjeira, as cordilheiras venderam as minas de café aos meninos de vento. meu amor, os dedos precisam da saliva para pintarem o que beijam. desde lisboa que tenho as 5 fechaduras que dão para dentro do planeta. minha asa com a tua asa fazem repicar o meio-dia-fatia sobre a mesinha-de-verga. Já se vê o exército de formigas a atravessar os dentes do elefante poente. picotado por um relâmpago o sorriso do cavalo parou a dança das cadeiras. fazemos postais com sentenças de alfinete. os teus desejos tornar-se-ão palpáveis como o gelo que assiste ao despejar dos bolsos ao vinho no teu cálice.

degraus de vento

preciso desesperadamente de ir aos lugares

para decifrar as minhas águas
é nelas que vejo a imagem e o significado

os passos são o vento que abre a visiva

o nosso olhar – essa dança parada

alpina a memória sobe ao símbolo como fervura levantada
todavia o que lembramos é indício de caminho ainda por chegar
um simples cântico pode acelerar mais uma obra que mil motores

entre os bancos da basílica passam caudais de silêncio

onde afluem pequenos regatos ajoelhados perante o que constroem

tecem arapucas a fio de medo entre as sombras

é brilhante a dolorosa seda das preces afinadas

altares com o resumo à escala vulgata da separação

metem a mão no bolso dos mistérios guiados

bate catabático o vento no peito trancado

abrem asas nas máscaras da fé imaginada

o desejo e o perdão entrelaçam-se noutra atmosfera

uma monja da ordem fechada no altar gradeado

é o vértice da leveza submissa reclusa em pedernal

lentamente fujo para respirar o abismo a céu aberto

sentir-me cair lágrima abaixo ampliada

reter a imagem de tudo e escorregar na incerteza da escada

porvindoura uma percussão chama-nos no poente ultrapassado

a mesma antecede a pele do animal tocado

numa paisagem sem chão só o silêncio arrulha

a voz sai como eco tatuado

os braços caem para dentro de outros nascentes

e as mãos em rizoma da perifala

bordam as linhas em si desenhadas

 

porvindoura uma dança acontece

dentro da luz que nos é lançada

 

tu apareces em vários tons de negro parado na estação

os teu olhos entram na minha voz quando falo

pois falar é abrir um deserto a um público sempre escasso

e só lhes nascem aos mãos quando nos querem matar

ou cobrir de flores

 

é de negro que estás na minha tábua flutuante

para que te distinga sobre a neve que encobre a visão do gesto

 

deste espartilho de pedra plantada,

com um amor que anestesia as pregas da ausência

 

fátima vale, no caminho do meio da tábua flutuante

dois meses depois continua a ser um de julho.

FV – Portugal, Aug 13, 2019

FATIMA VALE X 4

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