Ilustrada – Folha de S Paulo – Critica DILUVIO

 

DILÚVIO
QUANDO qui. a sáb., às 21h, dom., às 18h; até 17/12
ONDE Sesc Consolação, r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
QUANTO R$ 12 a R$ 40; 18 anos

“Dilúvio” é um exemplo do que colocou Gerald Thomas em destaque na cena teatral brasileira da década de 1980 e início de 1990.

Thomas foi um dos que levaram mais longe os pressupostos da encenação moderna naquele momento. Seguindo este caminho, o palco de “Dilúvio” é como uma tela tridimensional sobre a qual ele inscreve a sua criação.

Cenografia, iluminação ou a música não são elementos laterais para ilustrar ou dar a ver determinado texto ou discurso anterior. São a matéria-prima do gesto criativo imagético realizado pelo encenador.

Também o trabalho de atuação faz parte deste material manipulável pelo gênio criador. Ao mesmo tempo em que a movimentação aérea das atrizes sugere ampla liberdade espacial, os cabos que as sustentam fazem lembrar cordas de marionetes. Seus movimentos são rigorosamente controlados para compor a série de quadros fluídos que caracterizam o espetáculo.

Mesmo a atriz Maria de Lima, que parece ter um pouco mais de autonomia no espetáculo, é vista por Gerald Thomas como sua “voz na peça”, seu “real alter ego”. Em determinada cena, ela é inclusive dublada pela voz dele em off, ressaltando a associação direta entre ambos.

Os expedientes modernos que alçam o encenador a artista central e coração criativo do espetáculo não parecem ser o bastante para Gerald Thomas. Ele necessita reiterar obsessivamente sua primazia criativa. Então entra em cena. Torna-se uma espécie de maestro. De costas para o público, fazendo acompanhamento sonoro, ele rege o andamento e a intensidade da apresentação.

Também entra em cena para iluminar passagens com uma pequena lanterna, além de assistir do palco boa parte da peça, explicitando sua própria reação ao que acontece.

A peça torna-se ostensivamente autorreferente. Em texto no programa da montagem, o assistente de direção afirma: “Todos os atores representam Gerald Thomas”.

Apesar de “Dilúvio” indicar temas amplos como Donald Trump e a iminência de uma guerra apocalíptica, ou a perda de referenciais no tempo da pós-verdade, fake news etc., a verdade é que esse universo temático está sempre a reboque do próprio Gerald Thomas, cujos dilúvios criativos e posições sobre tudo aquilo tornam-se o verdadeiro tema do espetáculo.

Não por acaso, fragmentos da relação dele com a mãe, tormentos e impasses do artista neste mundo caótico etc. se sobrepõem no decorrer da peça às imagens da catástrofe civilizatória em que nos metemos. É um retorno perpétuo a ele mesmo.

Tudo se transforma em espelhos que refletem o encenador. O espetáculo fica, enfim, reduzido à celebração de seu próprio gesto criativo. 

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