Monthly Archives: August 2011
Folha de S Paulo, Ilustrada Online. Nada Prova Nada.
Folha de S Paulo – Ilustrada ONLINE
30/08/2011 – 19h58
A arte é a única válvula de escape que eu tenho, diz Gerald Thomas
GABRIELA MELLÃO DE SÃO PAULO
Gerald Thomas, que se diz quadruplamente envolvido no mundo, apresenta parte de seu universo múltiplo no livro de crônicas “Nada Prova Nada”
Ele teve Samuel Beckett como mestre, é cria do La MaMa (teatro nova iorquino dedicado a encenações experimentais) e renovador da cena teatral do país. Trabalhou para a Anistia Internacional, envolveu-se na tragédia 11 de setembro e na campanha presidencial de Barack Obama.
Gerald Thomas sempre misturou arte com vida e vida com política. Parte de seu universo múltiplo ele apresenta em “Nada Prova Nada”, livro recém publicado que reúne suas crônicas feitas para a Folha e seu blog.
Com elegância literária e humor –invariavelmente extraído das grandes e pequenas tragédias cotidianas -, seus textos falam sobre política, arte, religião, geração Ipod e até açaí.
Folha – Por que o título “Nada prova Nada”?
Gerald Thomas – A frase é do personagem de Marco Nanini em “Um Circo de Rins e Fígados.” Ele vai perdendo todas as partes do corpo. Pede rivotril mas lembra que não tem língua para chupá-lo. Aí diz: “Nada prova nada”. O (Arnaldo) Jabour transformou essa frase em crônica do Globo. Usou isso para explicar o Brasil, estava na época do mensalão, dinheiro em cueca, essas coisas. A frase ficou.
O livro não poderia ser mais diversificado. Política, teatro, televisão, cinema, religião, jornalismo, açaí, Nova York, Brasil, Larry King, Kazuo Ohno, você fala sobre tudo um pouco. Há algo que amalgame os assuntos discutidos?
Há 11 coisas acontecendo na nossa cabeça ao mesmo tempo. O livro é um reflexo disso. O artista tem veias abertas para o mundo, que no meu caso comporta Brasil, EUA, Inglaterra e Alemanha. Me envolvo com todos esses países. Então, é como se eu estivesse quadruplamente envolvido.
Você se alimenta de história?
Sem dúvida. A história do mundo é riquíssima e quanto mais você sabe mais referências vai ter para julgar seu momento. Fico chocado, as pessoas sabem cada vez menos. É como se o mundo tivesse nascido anteontem. Falta cultura nessa nossa falta de cultura.
Nos textos, você alterna profundo desânimo pelo mundo com momentos em que vibra celebrando arte e vida. Está dicotomia reflete sua maneira de viver?
Não é dicotomia, mas bipolaridade. O artista é um bipolar, a gente flutua entre dois extremos, beira a esquizofrenia. Tem horas em que acho que mundo é lindo. Em outras, que não vale a pena viver mais uma hora.
Você diz em um dos textos: “Eu vejo o mundo de forma fragmentada, torturada e num hiato entre holocaustos”. Qual será o próximo holocausto?
O ser humano é predador. Não acredito que consiga viver sem uma grande guerra. O holocausto está acontecendo hoje nas ruas de Damasco, em Trípoli e em muitos outros lugares do mundo, como nos países abusadamente pobres da África, em que as pessoas são exterminadas pela falta de nutrição.
Seus textos literários e teatrais têm um humor particular, extraído das grandes e pequenas tragédias. É sua maneira de criticar o mundo?
No espetáculo “Gargólios”, por exemplo, escracho uma geração que anda com Ipods nos ouvidos e não ouve mais coisa nenhuma. Tudo é text message. Qualquer coisa, se entra no google. Só que infelizmente é preciso vivenciar coisas. Não dá para fazer copy e paste de experiências. Sou irônico, agora, de modo “chaplinesco”. Tem gente que considera Chaplin o mais engraçado dos seres humanos por ter sido o mais trágico.
Beckett também extraía humor da tragédia. É um dos artistas mais citados em seu livro. De que forma ele influenciou sua arte e sua visão de mundo?
Ele não é influencia, é mais do que isso, é um mestre. Ele é muito mais do que meramente uma pessoa que foi importante, ele foi responsável pelo fato de eu acreditar em teatro. E a confiança dele em mim me deu muita confiança. Eu era um garoto, tinha menos de 30 anos, e ele me deixava fazer as world premières de suas peças. Isso me deu uma força enorme para continuar.
No livro, você repassa parte da história do século 20 e 21. Os conflitos alimentam sua arte?
Sem dúvida. A história do mundo é riquíssima e quanto mais você sabe, mais referências vai ter para julgar seu momento. As pessoas têm que ter noção da história, de que tudo tem precedente. Falta cultura nessa nossa falta de cultura. Fico chocado em como as pessoas sabem cada vez menos. É como se o mundo tivesse nascido anteontem.
“Nada Prova Nada” (Ed. Record, 238 pgs., R$ 42,90)
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Irene’s last hours in NYC – Folha de Sao Paulo – international section.
São Paulo, segunda-feira, 29 de agosto de 2011 ![]() |
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OPINIÃO Risco do Irene acabou e já se tornou motivo de chacota nos EUA Republicanos queriam culpar as férias de Obama, e conspirações inundavam mais que a água das chuvas
GERALD THOMAS Acabou! Em Nova York, Irene ainda era uma mega-ameaça às 9h30 (horário local), tendo sido classificado como furacão categoria 1. GERALD THOMAS é autor e diretor teatral |
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Irene Day 2: Manhattan: Folha Online
Segundo dia do furacão Irene
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GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
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Se vocês acharam exagerada a cobertura da imprensa relativa ao furacão Irene, saibam o seguinte: ainda faltam oito horas para que o maldito chegue a Manhattan, lugar de onde escrevo.
Mas, mesmo assim, já é visível o volume de água subindo no East River. A essa hora, eu estarei amanhã em um território tenebroso chamado East Manhattan (que estará debaixo de dois pés d’água, os túneis do metrô estarão transbordando mais água (e mais ratos) para as ruas e avenidas da cidade, e estarei sem luz, sem eletricidade para sequer descobrir se este artigo foi publicado no jornal.
Maryland e a Carolina do Norte já estão debaixo d’água mesmo. E sem eletricidade.
Não importa muito agora se a categoria desse furacão é 1 ou 2 ou se o Irene será “demovido” a tropical storm.
O fato é que ventos a 100 km por hora vão derrubar tudo em seu caminho, sinais de trânsito vão virar ÓVNIS perigosíssimos e nós, cidadãos da Zona A (ou 1), considerada a mais perigosa e sob evacuação mandatória do prefeito Bloomberg, estaremos comendo milho ou ervilhas enlatadas e dando descarga com baldes de água acumulados durante o dia.
A ConEdison (aqui do lado, na rua 14 com o FDR Drive) já decretou que serão obrigados a cortar a luz por causa da erosão de seus geradores com a invasão da água salgada do East River.
Quem diria! Em uma semana, sofremos os tremores do terremoto de Virgínia e pegamos um furacão.
Só em pensar que, daqui a duas semanas, estaremos enfrentando o décimo ano da tristeza do 11 de setembro me faz virar o inverso de um furacão. Aqui dentro, as lágrimas correm como um rio mais parecido com a literatura de Joyce ou Guimarães Rosa. Ou seja, aquela estranha mistura de tristeza com a estonteante alegria de ver a natureza em movimento.
Gerald Thomas é autor e diretor teatral
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Irene, the hurricane and Kafka: in today’s Folha de S Paulo’s international section.
São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2011 ![]() |
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Escrevo no perigoso presente; e o que o Irene nos trará é um mistério e uma lição GERALD THOMAS NY -Exausto das viagens internacionais com meu espetáculo, chego em casa, em Manhattan, na semana passada, para tentar descansar. Eis que a terra treme. Caranba! Um terremoto? Sim, banaçou tudo. Ok, ficamos calmos. Nao estamos no Japão ou na California. Estamos na cidade gótica e de aço que nao é dada a disastres naturais. Lidamos com…seres humanos? Será que os termos se inverteram? Eis que surge no Atlântico um maldito furacão. Nos informam que ele (a) se chama Irene. GERALD THOMAS é diretor e autor teatral PS: update from the NYTimes, Saturday 12:33pm. After several anxious days of dire forecasts that forced much of the East Coast into unprecedented levels of lockdown, a weakened but still ferocious Hurricane Irene made landfall on Saturday morning along the southern coast of North Carolina. It announced itself with howling winds, hammering rains and a gradual, destructive move northward toward the battened-down cities of Washington, New York and Boston. Shortly after daybreak in Nags Head, on the Outer Banks of North Carolina, surging waves ate away at the dunes, while winds peeled the siding from vacated beach houses — as if to challenge the National Hurricane Center’s early morning decision to downgrade Irene to a Category 1 hurricane, whose maximum sustained winds would reach only — only — 90 miles an hour, with occasional stronger gusts. |
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“Nada Prova Nada”, the book, in today’s Folha de Sao Paulo.
São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 2011 ![]() |
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Crônicas de Gerald Thomas abordam teatro, iPod e açaí DE SÃO PAULO Ele teve Samuel Beckett (1906-1989) como mestre, é cria do La MaMa (teatro nova-iorquino dedicado a encenações experimentais) e renovou a cena teatral do Brasil nos anos 80. NADA PROVA NADA! _________________________ some PS thoughts on the GOP candidates by Thomas Friedman Many Americans can see that most of these G.O.P. candidates are closer to professional wrestlers than politicians — with their fake body slams and anti-Obama bluster. All they are missing are the Tarzan outfits. This is the silly season. But I would not assume that Republicans won’t come up with more serious candidates when it counts, or that some of these candidates won’t move to the center. I would definitely assume that they’ll do better. |
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Wonderful review of Gargolios (from Santos)
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“Gargólios: um tapa na cara do Fanatismo Cultural”
Pós-Segunda Guerra, gênios se perguntaram “teatro para quê, para quem e por quê?”. Fizeram história. Seis décadas depois, numa sociedade pós-Guerra Fria, pós-dramática, pós-moderna (e de todos os outros pós-possíveis e imagináveis), de atentados terroristas, de novo levante de juventude retrógada (mesmo quando supostamente revolucionárias) e onde tudo se descarta a toque de caixa, o diretor de Gargólios compartilha com o público a inquietação: “para que e qual o teatro de nosso tempo?” Pelo conteúdo e forma utilizados por Gerald Thomas, qualquer texto nos moldes da lógica dominante não dá conta de comunicar a experiência (boa ou má, a depender do receptor), que é assistir a um de seus trabalhos. Deste modo, os melindres que tinha em classificar meus artigos caíram por terra. A um teatro que não se encaixa em nenhuma forma, por que tentaria escrever uma crítica? Com esta obra, tentativa melhor de diálogo é, sem dúvida, a elaboração de um texto reflexivo que aborde questões extra-cena, única forma de não limitar (injusta e indevidamente) toda a potencialidade artística existente neste espetáculo. Com Gargólios, Gerald não apresenta apenas um espetáculo, mas também um projeto de vida, em uma cena na qual fala não só do seu artesanato teatral, mas de todo e qualquer Teatro. O diretor da London Dry Opera Company não ignora a intolerância política e religiosa de nossos tempos e ao por esta questão em pauta numa peça com dramaturgia fora dos padrões, Gerald nos oferece a possibilidade de refletir sobre inúmeras questões da atualidade, dando autonomia para que cada espectador complete a história com questões que lhe toquem. Particularmente, Gargólios me levou a refletir sobre uma espécie de fundamentalismo que todos conhecem, mas preferem tapar os olhos e fingir que não o vêem: o fundamentalismo artístico. Estava ansioso na poltrona como há muito não ficava. Afinal, pela primeira vez assistiria a um espetáculo de uma das principais referências da história da cena teatral brasileira. A expectativa era grande. Quando menos esperávamos, eis que Gerald irrompe em cena. Eu e a maioria do público presente esperávamos que ele fizesse agradecimentos, falasse de suas expectativas e saísse de cena para dar início ao espetáculo. Queríamos o Trivial? Melhor ir a outro lugar. Sem que percebamos, o espetáculo já começou. O diretor faz um longo número de contrabaixo (improvisado a partir da trilha criada por John Paul Jones), já gerando uma inquietude no público, que pela primeira vez na noite é tirado de sua zona de conforto: como assim, o diretor em cena? Mas e a peça? E a ilusão teatral? Aliás, e a beleza da cena geraldiana? Eis que ela surge ao levantar da cortina. Uma cena impactante, em que se vê uma mulher nua, pendurada, tendo ao fundo uma cenografia que aponta os escombros do World Trade Center. São imagens que da forma como postas em cena possibilitam uma fruição estética. Era o que esperava ver. Aliás, mais do que eu esperava, pois esta “degustação” não se configura em exibicionismo artístico e eu não imaginava uma cena de grande formalismo que já ao ser posta se relacionasse com seu tempo. Mais uma vez, desinformações de um jovem artista. Se o “prólogo” não é convencional, não é o conjunto da dramaturgia que o seria.Gargólios apresenta uma história, fragmentada, não linear, não dramática (do ponto de vista que não segue uma estrutura textual da peça bem feita e que possibilite catarse nos espectadores), mas ao mesmo tempo repleta de dramaticidade. Não trágica, mas repleta também de tragicidade. Confuso? De modo algum. É que talvez me falte bagagem para saber concretizar em palavras a recusa do teatro geraldiano em se filiar a alguma forma (moldada anteriormente seja lá por quem). Na história da peça, super-heróis nos escombros do World Trade Center vão parar no psiquiatra, numa imagem tem forte simbologia: num mundo em escombros, em que as catástrofes naturais, políticas e os atos individuais insanos (como o massacre na Noruega, que surpreendente mente chegou a ser motivo de piadas infames no facebook, assim como o massacre na escola da periferia do Rio de Janeiro) nos deixam cada vez mais desorientados (“I don´t undestand, Sir”, repetem os personagens), nem mesmo super-heróis podem nos dar suporte. Tivesse os direitos da Marvel e/ou da DC Comics, Batman, Super-homem, Lanterna Verde e Homem Aranha certamente estariam no palco, impotentes e perdidos, seja pela queda das Torre Gêmeas, seja pelas crianças que morrem de fome e de AIDS no continente africano (e não só nele). Os impotentes super-heróis de Gargólios pedem ajuda a um psicanalista que se apóia em vermelhos saltos altos. É a desconstrução de qualquer segurança. Mais uma forma de Gerald desconstruir qualquer referencial em que possamos tentar nos estabilizar. Gerald nos traz um projeto de vida, pois põe em cena um espetáculo que vai além de questões temáticas. Através da forma e do conteúdo, ele nos dá a possibilidade de refletirmos sobre a própria arte. “O que é arte?” talvez seja uma das perguntas mais recorrentes do mundo contemporâneo: Gargólios é uma obra de arte. É uma obra de arte? É. Sem dúvida. Não serei eu a negar que gosto não se discute. Entretanto, uma coisa são gostos, outras são fatos. Gostar ou não gostar não é critério para “atestar” (ou não) a qualidade de um trabalho. E é fato este espetáculo ser uma obra artística. Tenho a impressão que de todas as artes, o teatro é a mais abstrata, mesmo para seus praticantes. Parece-me que é a única prática em que os artistas só admitem o seu fazer como a única forma possível, contribuindo decisivamente para a formação de públicos que também pensem de forma fundamentalista, repudiando um espetáculo porque não se encaixa naquela forma que gosta de assistir. Não acredito que olhemos um quadro ou uma escultura como entretenimento, emitindo juízo de valor e comparando pintores e escultoras de escolas diferentes. Picasso é menos pintor do que Da Vinci? Benedito Calixto menor do que Tarsila? Insisto (num recurso repetitivo à laGargólios) Nosso gosto (que deve existir, felizmente) não é (pelo menos não deveria ser) critério para definição de qualidade de uma obra. Podemos gostar mais de Da Vinci do que de Salvador Dali, mas isso não quer dizer que um seja melhor que o outro. No meio teatral, por deficiência de muitos formadores, raramente aprendemos a desenvolver esse olhar plural, verdadeiramente artístico. Daí a existência de diretores, atores e espectadores fundamentalistas. Devido à existência deste fundamentalismo, pensei que assistiria a um abandono em massa. Felizmente, fui injusto. De onde estava, consegui contar 3 ou 4 xiitas indo embora. Talvez não julgassem a peça como um bom teatro; talvez não a julgassem nem mesmo como arte teatral (ah, os juízes). Uma pena que tenham mentes estreitas. Estes fundamentalistas lembraram-me um trecho de O Inimigo do Povo, de Ibsen: “o público não precisa de ideias novas. Do que ele precisa é das boas e velhas idéias recebidas”. Ibsen escreveu essa fala no final do século XIX, num teatro moderno para a época, que falava de pessoas conservadoras, dito por um personagem retrógado e conservador e para um público que subia nas cadeiras, protestando contra as questões levantadas pelo dramaturgo. Mais de um século depois, as coisas não mudaram muito. Ibsen hoje é clássico, portanto antigo. Se Ibsen é antigo, aqueles que ficaram horrorizados com ele são o que? E o que dizer dos que abandonaram a apresentação de Gargólios? Quanto ao processo de montagem, Gerald deixou de lado um espetáculo pronto para ser apresentado no Brasil para começar tudo do zero, saindo da zona de conforto para a zona de risco. Mas “o que vem a ser a arte que não se nutre do risco? Não é nada”, afirma o diretor no programa de Gargólios. Perfeito. Foi no risco que Ibsen, Tchekhov, Strindberg, Stanislavski, Brecht, Guarnieri, Boal, Bob Wilson, Mchoukine, Zé Celso e tantos outros gênios surgiram. Certamente, muitos anônimos também arriscaram, mas fracassaram em suas experiências. Ainda assim, são muito mais valorosos do que os célebres (ou não) que insistem em permanecer na zona de conforto. Além de não ter assistido trabalhos de Gerald anteriormente, li pouca coisa a respeito de suas produções. O suficiente para identificar procedimentos comuns ao longo de sua obra mas que não são se configuram como sinais de comodismo e sim como demonstrações de valores artísticos que o diretor acredita e os quais utiliza para comunicar o objetivo maior de suas produções. Um exemplo é uma declaração de um estudo de Flora Sussekind e David George em que eles apontaram que “o registro de voz, sua manipulação técnica e sua disponibilização – como um elemento estruturante da escritura dramatúrgica e cênica dos espetáculos – é um aspecto fundamental do teatro de Gerald Thomas”. Isto é nítido em Gargólios, mas não de forma a constituir virtuosismo ou finalidade, mas sim um dos meios para comunicar as questões temáticas do espetáculo. Impossível não destacar os atores e o distanciamento crítico adotado pelo diretor. O elenco é uniforme, nenhum intérprete destoa, revelando se pertence (ou não) a escolas de interpretação diferentes uma das outras. Essa uniformidade de elenco, rara mesmo em coletivos brasileiros, é mais um dos pontos a valorizar nesta obra. Todos são atores-performers com exímio trabalho corporal e vocal. Quanto à abordagem temática, Gerald se apropria de um conteúdo de tragédia moderna, sem procurar nem a piedade e terror da tragédia clássica (segundo Aristóteles), nem o melodrama barato. A fruição estética e inúmeros recursos que não nos permitem esquecer que estamos em um teatro não nos permitem fugir para as lágrima alucinógenas. O teatro de Thomas não é um teatro da ilusão (como o diretor e os contra-regras expostos em cena bem provam). Como o professor José da Costa bem expõe em Teatro Brasileiro Contemporâneo, “Thomas não trabalha um teatro como representação do real”. Eis aí mais um dos diferenciais do diretor: óbvio, fácil e cômodo seria falar do real apelando para um suposto realismo e/ou naturalismo em cena. Mas aí Thomas geraria no máximo um mau documentário. É no trabalho gerado pela busca de uma forma não convencional para falar de sua época que o diretor cria, fazendo arte e diferenciando-se uma vez mais da média dos diretores brasileiros. Imperdível o espetáculo. Para abrir os horizontes de qualquer artista e entender a potência desta arte que praticamos. Gargólios é uma oportunidade imperdível para aprendermos a refletir social e artisticamente. A pseudocrítica do tipo “não gostei porque eu….” mais do que nunca aqui não tem vez e só atesta a mediocridade do sujeito que se expressa desta forma.Gargólios é para gostar ou não gostar? Pode até ser, mas principalmente para aprendermos a justificar o gosto ou não gosto nos porquês da proposta da peça, buscando as fundamentações apoiados na práxis testemunhada e não na nossa vã filosofia de wikipédia. Sai do teatro muito feliz e aliviado por finalmente ter assistido Gerald Thomas. Quase cometi a ignorância de por opção não assistir a Paulo Autran. Levo no peito a frustração de não ter assistido Raul Cortez. Em relação a Gerald, gostando ou não, deste fundamentalismo não morrerei. Lembro-me quando em aula na Universidade, Luiz Fernando Ramos (professor e crítico da Folha) disse que Anti-Cristo (de Lars Von Trier) deveria ser assistido para entendermos o que é uma obra de arte. Não importa se gostamos ou não, mas não podemos negar que este filme é uma obra de arte. Somente após assistir ao filme (e, através de critérios subjetivos, não gostar), entendi o que ele queria dizer:gostando ou não, não se pode negar que Anti-Cristo é uma obra de arte. Assim como Gargólios. Vida longa a Gargólios? Vida longa ao teatro de Gerald Thomas. Na careta cena brasileira, faltam mais chacoalhões como os dele. Que sirva de referência principalmente aos amadores e estudantes. Afinal, é principalmente nas mãos deles que estão as possibilidades de renovação da cena teatral. A Gerald Thomas, e todo o elenco de Gargólios, meu muito obrigado. |
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