Gerald Thomas volta a Londres com o espetáculo ‘Throats’
LONDRES – Ninguém realmente esperava que Gerald Thomas fosse voltar de seu período sabático, ou de suposta aposentadoria, como anunciou em setembro de 2009, um homem mudado. Sobretudo depois de tantos anos ignorando solenemente a opinião alheia. Ainda assim, sua volta ao ofício traz uma experiência de surrealismo dessa vez não restrita ao palco: “Throats”, seu mais novo espetáculo, estreou sábado longe tanto da geografia física quanto mental mesmo da cena mais alternativa de Londres: o Pleasance, um teatro independente localizado num beco de Islington, bairro do norte da capital britânica, e que há 14 anos já nasceu na corda-bamba financeira por não fazer parte da lista de estabelecimentos que recebem subsídios do governo.
O dramaturgo brasileiro voltou à capital britânica – onde iniciou carreira, nos anos 70, com o grupo performático e multimídia Exploding Galaxy – despejando sobre um público de 280 pessoas mais um atropelamento de sentidos. Quase literalmente, pois “Throats”, produção de 90 minutos, começa justamente com um diálogo gravado em que paciente e terapeuta fazem um exercício de imaginação envolvendo estradas perigosas e uma muralha. No palco, um cenário minimalista com ferros retorcidos que faz bem em não apresentar muitas tentações à atenção do público.
Pois a peça transpõe para o palco o inevitável turbilhão de ideias que é a cabeça de Thomas. Dessa vez, por sinal, há até a alegoria de uma cabeça pensante, incomodamente presente a uma Santa Ceia metafórica localizada ou numa espécie de purgatório ou no subconsciente de um narrador de pretensões divinas e sádicas. O elenco de sete atores, que inclui a portuguesa Maria de Lima, suja-se de tinturas que simulam vinho e sangue enquanto se engaja num debate de temas que se alternam sem aviso e sem motivos. Da ceia, tendo como pano de fundo um horizonte que em muito lembra os escombros do World Trade Center (em seus comentários, incluindo blogs, Thomas nunca escondeu o impacto de ter testemunhado o 11 de Setembro da janela de seu apartamento em Nova York), mas que gira para se transformar numa crucificação, com direito a judeu ortodoxo negro tomando o lugar de Jesus Cristo.
A trupe de atores, que em conversas após a apresentação admite a falta de familiaridade inicial com o trabalho do brasileiro, esforça-se para merecer a confiança de Thomas – ele diz ter testado pelo menos 600 pessoas para formar sua Dry Opera Company. No elenco, cujas biografias incluem passagem por seriados policiais e de ficção científica da TV britânica, roubam a cena o escocês Angus Brown, no papel do que parece ser um dublê de mordomo e carcereiro, e Lucy Laing, ainda que vista somente do pescoço para cima.
Tudo isso em meio a uma trilha sonora assinada por ninguém menos que John Paul Jones, músico mais conhecido pela pilotagem do baixo do Led Zeppelin, que assistia a tudo ao lado da mulher, Maureen. Jones é um admirador de longa data do dranaturgo, e trabalha para se transformar em parceiro no projeto de uma ópera com previsão de estreia para 2013.
Outros compatriotas mais desavisados pareceram estranhar a experiência no Pleasance. Um sinal foi o comentário, cheio de sorrisos, de uma das administradoras do teatro no coquetel pós-peça oferecido a atores e convidados, e que teve Thomas como uma das ausências.
– Queremos sempre fugir do óbvio aqui. Mas preciso confessar que não sei nem por onde começar a promover essa peça para o público. É um bom desafio – brincou a moça.
Pelo menos por enquanto, o Pleasance tem apostado no endosso do maestro Philip Glass, cuja entrevista sobre Thomas está em destaque no site do teatro (pleasance.co.uk). Há também vídeos das produções anteriores do dramaturgo, singelamente acompanhadas de avisos sobre palavrões e conteúdo explicitamente adulto, ainda que “Throats”, em cartaz até 27 de março como parte de uma série de espetáculos batizados de “Uma noite menos ordinária”, tenha idade recomendada de apenas 14 anos.