Monthly Archives: November 2009

Gerald Thomas sai de cena – Folha de S. Paulo 17 Nov 2009

São Paulo, terça-feira, 17 de novembro de 2009
Texto AnteriorPróximo TextoÍndice

Gerald Thomas sai de cena

Cansado da repetição nas artes, diretor diz que está se afastando do teatro por tempo indeterminado

“Acho meus últimos trabalhos péssimos; não consegui me entregar, ter tesão”, conta ele, que esboça roteiro cinematográfico

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Cansado de jogar com “ismos” teatrais -experimentalismo, desconstrutivismo e conceitualismo, para citar três-, um artista contempla sua encruzilhada e divide o atordoamento com a plateia. Em 1996, esse era o “nowhere man”, o homem sem lugar da peça homônima de Gerald Thomas. Em 2009, esse é o próprio diretor. Com a diferença de preferir o silêncio cênico.
Thomas rompeu com o teatro por tempo indeterminado. No texto “Minha “Independência ou Morte” – Tudo a Declarar – “It’s a Long Goodbye'”, publicado em seu blog, ele lista as razões para o afastamento e crava: “Minha vida no palco acabou […] tenho que sair por aí pra redescobrir quem eu sou”.
O “estalo” veio em julho passado, em Amsterdã, ao bater os olhos num autorretrato de Rembrandt (1606-1669). “Ele tinha 55 anos quando fez aquele quadro. Eu estou com essa idade hoje. Alguma coisa bateu em mim, não sei o quê”, diz àFolha, por telefone.
“Comecei a pensar que muitos artistas, incluindo o próprio [dramaturgo irlandês Samuel] Beckett (1906-1989), não sabem a hora de sair de cena. “Rockaby” e “Enough” são textos tão menores, inúteis desse maior autor do século 20. Eu me pergunto se ele precisava realmente tê-los escrito. Ao mesmo tempo, o que ele poderia fazer? Tricô? Não, né?!”

“Encheção de linguiça”
Thomas avalia que “depois que você chega num pico, vira um repetidor de si mesmo”. O seu auge, ele crê, foi em 98, com a ópera “Moisés e Aarão”, de Schoenberg, na Áustria:
“Tudo foi uma preparação para aquilo. O resto é bobagem, encheção de linguiça. Acho meus últimos trabalhos péssimos. “Bateman” [solo que criou para os 20 anos da Cia. dos Atores, em 2008] é horroroso. Só o texto é bom. Não consegui me entregar, ter tesão.”
Outra experiência recente que o desencantou foi “O Cão que Insultava Mulheres – Kepler, the Dog” (2008), espetáculo surgido da “blognovela” que o diretor escrevia em seu endereço virtual -e transmitido ao vivo pela internet.
“Teatro não é tecnologia, é algo para que o público esteja na presença do ator, a metros dele. Se você tenta transformar em tecnologia, fica pretensioso. Essa integração de mídias é a maior mentira que já houve.”
Dono de um estilo que conjuga dramaturgia não linear e de forte carga simbólica, estética expressionista e uma mirada perplexa em direção ao mundo, Thomas se ressente da falta de novidades nas artes:
“É constrangedor ver o que as pessoas que mais admiro estão fazendo. Repetem-se horrorosamente. Não há nada novo, nem em moda, nem em design, nem em arquitetura. A não ser que você dê um pulo em Xangai. Aí vai ver um prédio maluco. Mas logo vai se lembrar dos Jetsons e pensar: eles fizeram um edifício tirado do desenho! De certa forma, é tudo pateticamente engraçado.”
Recolhido, o diretor esboça o roteiro do filme “Ghost Writer”, que pretende rodar entre Turquia, Inglaterra e EUA, e rascunha a autobiografia ficcionalizada “Suicide Notes” (notas suicidas). Os dois projetos podem virar um só.
A seu modo, Thomas atualiza a última frase de “O Inominável”, romance de Beckett: “I can’t go on, I’ll go on” (não posso seguir, vou seguir).

http://geraldthomasvideos.blogspot.com

Leave a comment

Filed under Sem categoria