Monthly Archives: May 2009

Um Ano de Blog no IG

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 .          (Antes do Blog, em Paris)                                      (Depois do Blog)

 

New York – Miami: Cinco anos e meio de Blog corrente, de conta corrente que não se esgota, graças a vocês! Hoje, exatamente hoje, esse Blog comemora um ano aqui no IG.

E, no entanto, os espelhos!  Estejam lá onde estiverem (os espelhos), são somente humanos. Retratam nossa dor. Retratam nosso humor. Retratam nossa estima. Meu medo? Quem estaria ou estará atrás desses espelhos! Quem nos vê da maneira que ninguém mais nos vê. Ou seja: Quem enxerga MESMO, de verdade, nossa alma?

Alma, aquilo que poucos conseguiram até hoje retratar.

Esse ano passou como uma flecha! Foi um ano devotado, praticamente todo ele, á eleição de Barack Obama. Foi, de minha parte, uma tensão doida!

Tem um corpo morto no chão, aqui do meu lado, enquanto escrevo. Sou eu mesmo. Não me reconheço mais. Parte de mim se foi. E não estou tentando brincar com palavras, não estou tentando fazer joguinho com as parolas. Sim, morri de várias formas. Fui traído por vários amigos. Ainda não sei muito bem por quê. Talvez um dia saiba.

Blog traz dessas coisas: em teatro temos um mundo muito EXPLOSIVO. Ele se mostra na hora. O aplauso ou a vaia são ali mesmo, no final, quando cai o pano! Sabemos dos cochichos, sabemos do veneno, mas “sabemos”. Nossos inimigos, por assim dizer, se tornam nossos maiores amigos assim, da noite pro dia, como se nada jamais tivesse acontecido. E aceitamos isso.

A Decadência dos tempos de hoje, com tanto artista legal fazendo tanta bobagem, me choca! Deixa-me triste! Meu corpo morto aqui do lado ainda não foi achado pelo time de “Law & Order Special Victims Unit”. No momento em que encontrarem esse meu corpo em decomposição, constatarão que ele foi molestado, espancado, torturado por tanta, mas tanta burrice, tanta besteira e tanta pobreza cultural que ele leu nesse último ano. E o médico legista não terá um diagnóstico! Aliás, não há!

É de se questionar tudo mesmo: em que ponto de nossa cultura estamos? Como nos vemos? Quem nos vê? Como somos enxergados? Se Richard Wagner nos visse hoje (seu aniversário, by the way), como ele nos veria?

Obama tenta imprimir nessa linda terra nossa uma proposta de um NOVO SISTEMA LEGAL em que terroristas  poderiam ser presos ou detidos por um tempo prolongado DENTRO dos USA (sem julgamento em vista). Qual a diferença entre isso e Guantánamo? É que aqui dentro eles teriam acesso ao sistema judicial. “Ou se prova que são culpados, ou deixa-os andar”.

A Arábia Saudita está conduzindo um programa de reabilitação de ex-membros do Al Qaeda. Entre erros e acertos, a margem é de 80 por cento.

Meu corpo morto aqui do lado, infestado de Kafkas, de Becketts, de Orwells, de uma literatura praticamente obsoleta quando olho essas estantes (retornei pra casa ontem e ainda olho tudo numa ressaca terrível), vejo esses volumes de Joyce, de Gertrude Stein, de sei lá quem. Não nasci com um nome bom. Quem dera. Deram-me um nome vulgar.

Sim, agradeço muitíssimo aos meus mestres! E como! Eles têm nomes sonoros. Mas na autópsia desse corpo não sairão sons. Nunca sai som, a não ser o som do vento armazenado nas entranhas, nos intestinos, o som dos gases, o som gutural do tempo perdido de Proust, o som de certa amargura por não ter sido entendido por A, B ou C.

Escreve o leitor “José Augusto Barnabé”: 

“O Gerald, chegou a hora definitiva de a arte e a criação representar pelos seus meios, o futuro.Acho que Da Vinci foi o último, nos seus escritos e desenhos, que geram até hoje controvérsias e discussões.Não há mais espaço para Inquisições, que se mostrou uma fraude política.O Artista tem que achar forças para se desvincular do Sistema, ser um pouco Iluminatti, escancarando até essas próprias sociedades secretas, também fraudulentas, e criar.Na imaginação está o nosso gene, e o artista que tem o dom da sensibilidade, a aplica melhor.O Planeta está mudando rapidamente, e não é coisa para 500 anos como na época do Da Vinci. É coisa para já.Se os artistas não perceberem, vão deixar de existir e continuar sendo os BOBOS DA CÔRTE.Ficção? não sei. E o Sistema não o é?Você não tem nada para comentar, porém tem muita coisa a fazer, se não desocupa a moita, meu caro”.

Difícil, muitíssimo difícil responder qualquer coisa que coloque Leonardo Da Vinci no meio. Até Shakespeare, em sua última peça, “A Tempestade” (praticamente autobiográfica), se viu num espelho e enxergou um futuro não sangrento. Foi a única tragédia desse magnífico gênio não sangrenta: Prospero, o personagem principal, era um Leonardo. Mas era também um Duque deposto. Era um ILHADO, era alguém que tinha o poder da mágica reduzido aos confins do palco.

Tudo é sempre uma metáfora.

Há um ano, nesse blog, escrevo parte em metáforas, citando meus mestres, citando minhas angústias. Criei um enorme e lindo círculo de amigos. Vocês, os leitores.

Mas as metáforas estão fadadas a ter um limite, a esbarrar na moldura do espelho ou refletirem a luz que vem de fora e, portanto, ofuscarem a imagem real que o espelho deveria estar mostrando. Sim, escapismo.

Escreve o “Capitão Roberto Nascimento”:

Gerald Thomas meu querido cabeludo, que beleza esse texto rapaz! Não é um texto de moleque, de fanfarrão!!É UM TEXTO PARA QUEM USA FARDA PRETA E COLETE; MAS É PARA SE REFLETIR SOBRE O QUE ESTÁ ACONTECENDO.Eu penso: no BOPE, a gente não pode pensar muito NA HORA; mas devemos pensar antes, no treinamento, para que a ação seja EFICAZ COMO O SILÊNCIO DO FUNDO DO MAR.Nossa missão é subir o morro e deixar corpo de narcotraficante no chão. Pode parecer nazismo, mas, para mim, NAZISMO É DEIXAR OS NAROTRAFICANTES DOMINAREM O MORRO, OPRIMINDO CENTENAS DE MILHARES DE POBRES FAVELADOS.O teu silêncio, Gerald, chega como um abraço. O teu silêncio é o silêncio do preto da minha farda, do frio do meu fuzil, antes da ação.E nós agimos em silêncio Gerald. Quem faz festa é bandido. Quem solta rojão é traficante.A lei é fria e silenciosa. COMO O TSUNAMI QUE NASCE NO FUNDO DO MAR.”

Tudo é sempre uma metáfora. Nem tudo sempre é uma metáfora. Muitos de vocês, leitores, lidam com a vida REAL. E isso, muitas vezes, me assusta. Por quê? Não sei.

Ontem, ainda em Miami, a caminho daqui, um velho, obviamente cubano, enrolado na bandeira americana, trazia, trêmulo, a sua bandeja com um croissant, café, um ovo, etc. Sua cara marcada pelo tempo e sua elegância deixavam claro não tratar-se de um “daqueles” milhões de cubanos que povoam Miami (pra onde eu vou 3 vezes ao ano). Tive uma enorme vontade de cobrir-lhe de perguntas. Muitos milhares de perguntas. Ele me olhava. Eu o olhava. Estamos em pleno feriado de “Memorial Day”, dia dos caídos em combate, em guerras passadas. Os USA em guerra constante!

Mas pensei e pensei. Não, melhor não. De repente, assim como já foi com tantos outros seres interessantes, ele vai vir com uma dessas “verdades universais” ou com a “ordem do universo” e despejar tudo isso sobre a minha bandeja. Isso me aconteceu no Arizona com indígenas que “ouviam deus” ou na Chapada da Diamantina e mesmo na Cornualia.  São seres simples e que tremem, elegantes. Mas que quando perguntados, são verdadeiras “torneiras da verdade”. E eu não suporto mais a quantidade de verdades que existem por aí.

Tive medo de fazer perguntas a um simples ser que poderia ter me contado a sua história de vida. Mas tive medo. Arreguei.

Como pode ser isso? Medo de seres místicos? Eu? Medo de ouvir sobre Eric Von Denicken e os deuses que eram astronautas? Logo eu? Quem te viu e quem te vê, Gerald!

Já ouvi que a minha cara era o mapa de Hiroshima. Então, do que ter medo?

Exaustão chama-se isso. Falta de espaço aqui dentro. E isso me preocupa.

Sim, assim como no texto anterior: “Sinto-me como uma massa, como uma pasta, irregular, inexplicável, triste, vazia, ruidosa, sem nada a declarar e, no entanto, querendo dizer tanta, mas tanta coisa e… sem conseguir dizê-lo.”

Nem tudo sempre é uma metáfora. Às vezes esse corpo morto aqui do meu lado tentou atravessar o espelho vezes demais ou tentou atravessar espelhos espessos demais.

Faz parte da minha profissão: o risco. Como me sinto? Esgotado. Acabado. Esse (que ainda vive) olha praquele que está morto e pensa: será esse o meu futuro? Caramba!

Parece mesmo um conto de Poe! Ou um Borges mal escrito. Somos tantos e não somos porra nenhuma. No texto anterior, “NADA A DECLARAR”, fiz uma declaração de amor a tudo que sinto, de verdade, ao vazio, ao TUDO a Declarar, como o Pacheco detectou.

Mas e agora, José? Um ano e não sei quantos artigos. A partir de hoje estamos sem contrato. Como diria meu mestre Samuel Beckett: “Não Posso Continuar: Hei de Continuar!”

Em inglês soa melhor:

I Can’t Go On. I’ll Go ON!

Muito Obrigado por tudo!

Coberto de emoção e lágrimas vendo o mundo numa relativa paz e, no entanto, atravessando o maior período de mediocridade em décadas, se desmanchando num milk shake insosso e azedo, esperando um Moisés que ainda nem subiu o Monte Sinai, porque lá nada existe!

O deserto está realmente repleto de areia mesmo. E ela está em nossos sapatos.

 

LOVE

Gerald

 

Gerald Thomas, 23/Maio/2009

  

(O Vampiro de Curitiba na edição)

 

 

 

 

 

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Nada a Declarar

Londres– A BBC mostra uma reportagem sobre o Exército Iraniano que luta contra os traficantes do Afeganistão, que trazem heroína através dessa fronteira. Parece ser essa a maior guerra contra o narcotráfico no mundo! Será? Mais uma vez estou diante de fatos produzidos ou reproduzidos pela mídia (parte do artigo anterior, aqui embaixo). Será essa guerra “contra as drogas” maior do que a da… (bem, vocês sabem o que estou pensando. E se não sabem, deveriam saber)?
 
Recessão: Um dos mais revolucionários e inovadores de todos os tempos, EVER, John Cage, tem uma peça para piano que se chama “SILENCE”. E, nessa peça, um pianista (o original, David Tudor) sentava ao “piano temperado” (uma invenção de Cage, se não me engano), e NADA fazia, por 14 minutos.
 
Bem, recessão econômica pode ser vista dessa maneira. Algo acontece, sim. Mas nada acontece. Digo, algo acontece, sim. Existe o instrumento, existe um músico e até uma partitura. Existe até uma expectativa enorme de música no ar, mas o que se ouve nada mais é do que um enorme RUÍDO do que habitualmente chamamos de silêncio. Cage compôs isso na década de 50, depois de várias recessões econômicas e artísticas. Depois de uma falência múltipla de órgãos ou valores ideológicos. Fim da Segunda Grande Guerra. Início do Sonho Americano, início de um grande fim. Qual fim?
 
Aquele que, ao mesmo tempo, Beckett descrevia em seu deserto em “Esperando Godot”. Uma entidade que não vinha. Uma promessa que não chegava.
 
Até hoje nos sentimos incomodados com a partitura de Cage. Até hoje nos sentimos incomodados com a “partitura dramática” de Beckett com as montagens recentes da Broadway e daqui, do West End. É visível o quanto o “grande público” ainda não está preparado pra “entender” Beckett. Então, “Esperando Godot” é aplaudido por uma platéia que, na verdade, se incomodou com os silêncios RUIDOSOS deixados nas entrelinhas não ditas ou malditas entre Didi e Estragon, ou nos geniais monólogos de Lucky.
 
Não queremos entender o vazio. Não estamos preparados pra ele. Portanto, a mídia nos enche de ervilhas. Essa reportagem da BBC, assim como ver a foto do jogador Ronaldo em plena capa do respeitoso jornal paulistano em pleno sábado (não é mais só a foto do GOL nas segundas, agora tem jogador na capa, também aos sábados, brasileiros!!!), me deixa um tanto quanto receoso quanto a tentar explicar o inexplicável: “um dia não terei mais nada a declarar”. Sim, um dia, nós não teremos mais nada a declarar.
 
Estaremos MUDOS diante das conflitantes e concomitantes notícias: nada prova nada. Jura? O exército iraniano? Mas justamente esse Irã que tanto ostracisam???? Caramba! “Sim”, diz um oficial da armada contra as drogas iraniano, “o mundo ocidental nos deve muito, já que um saco desses, nas ruas de NY ou de Londres, custa 80 mil dólares! Mas não nos dão um tostão porque acham que estarão armando o Exercito Iraniano”. Pois é. Está posto o dilema!
 
Está estabelecido o conflito, como dizia um personagem a outro em “Electra Com Creta!” Ah, os tempos! Como passam…
 
NADA A DECLARAR:
 
Temos o instrumento. Temos a partitura. Vemos o que vemos. Mas o que enxergamos? As guerras – apesar de serem aristotelicamente explicáveis e perfeitamente lógicas (se justificadas por um lado ou pelo outro) – não passam de encenações sangrentas e que devoram milhões de almas. Milhões. Não fazem NENHUM SENTIDO. NENHUM. 

Me perdoem por não fazer sentido nesse texto. Mas é como estou hoje. Sinto-me como uma massa, como uma pasta, irregular, inexplicável, triste, vazia, ruidosa, sem nada a declarar e, no entanto, querendo dizer tanta, mas tanta coisa e… sem conseguir dizê-lo.

Mas não sou John Cage: não consigo (ainda) criar um espetáculo no qual alguém senta e NADA toca por 14 minutos. Meu recorde foi em M.O.R.T.E. (Movimentos Obsessivos e Redundantes pra Tanta Estética) em que eu coloquei os atores em posição de total estática, rígidos como estátuas de sal e acendi as luzes da platéia, por 7 minutos. Mas isso foi em 1990. Quarenta anos depois de Cage.

Estou morto.

 Me perdoem, não tenho nada a declarar.

 

Gerald Thomas

 

 
 

(Na edição: O Vampiro de Curitiba)

 

 

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Animal Canibal Pizza

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Tempos macros e tempos micros

New York- Tem gente encenando “Esperando Godot” em tudo que é canto. Aqui em NY é John Goodman (no papel de Pozzo) e o (palhaço) Bill Irwin. E em Londres Sir Ian McKellen e Patrick Stewart são Didi e Estragon. As produções poderiam ser tão “convencionais” quanto aquelas da década de 60, com Zero Mostel e Burgess Meredith.

Nada mudou.

Nada de novo. Lama na cara, roupas rasgadas e com aquele spray típico que falsamente dá aquele look de envelhecido. Beckett está nos grandes palcos do mundo (ou seja, Broadway ou West End), mais uma vez.

Nunca houve tanto Beckett no ‘mainstream’, ou seja, nos grandes palcos dos grandes teatros! Quem diria! Quem diria, hein, Walter Kerr? Esse crítico do NY Times, que renunciou já faz algumas décadas por ter julgado mal “Esperando Godot”, dizendo tratar-se de uma peça “onde nada acontece, em dois atos”, depois reconheceu tratar-se da obra mais importante do século XX. E despediu-se dos seus leitores do New York Times dizendo que, já que havia feito um erro crasso desse tamanho (o de não ter reconhecido o talento de Beckett), quantos outros talentos ele também não teria deixado de enxergar?

Pronto. Fim de Kerr. Fim de Jogo. Foi-se um crítico. Fica Beckett.

O dramaturgo irlandês que eu conheci era muito engraçado. Suas peças e textos são muitíssimos engraçados. Não são hilários somente porque são escritos para palhaços ou ex-palhaços na beira de um ataque de nervos, mas o homem em si era um irlandês tipicamente no exílio (como quase todos). Pensam torto, falam torto, andam com a Irlanda na cabeça, mas não retornam.

Mas chega de Beckett. Será que chega mesmo? Muitos autores são confinados a sua própria memória. Muitos deles vivem numa prisão, mesmo estando livres.

Pois é: outro dia li na Folha Online um triste texto sobre o Boal. O que dizia? Ah, sim, dizia que ele vendia livros em Amsterdam ou qualquer lugar “lá fora”. Ora, que besteira a se dizer sobre o Boal. Com tanta coisa importante a ser dita sobre alguém que “pensou o teatro” como Augusto Boal (mais tarde o crítico da Folha consertou isso, graças a deus), tinha que prevalecer justamente aquilo que o pobre coitado sempre combateu!

A idéia do Brasil ainda é do “lá fora” e o “aqui dentro”. Vocês vivem numa prisão? Que horror essa mentalidade lusa (justamente TUDO que Boal não representava. Ou não queria representar), de viverem confinados a um país de dimensões continentais mas se comportando como se estivessem naquela ilha minúscula a qual Hamlet, já considerado louco, é mandado pro confinamento: a Inglaterra.

Correção: a minha Inglaterra é enorme! Só Londres… ah, esquece!

Quando eu era macrobiótico era assim. Havia poucos restaurantes aqui em NY.

Eu morava num loft na 23 com Lexington (perto de onde moro hoje – quantas voltas eu já dei em volta dessas ilhas: ah, as ilhas! Que sub-produto mental de nosso estado de ser!) e o Fernando estava com 6 anos. Matriculei-o na Little Red School House na Bleeker com 6 Avenida e, quando estava tudo no lugar, quando estava tudo certo, caí – amarelo como um táxi – com hepatite (que me diziam), provavelmente peguei 6 meses antes visitando presos políticos brasileiros, quando ainda trabalhava para Amnesty International, em Londres.

Os médicos do Bellevue Hospital não sabiam o que fazer comigo! Eu também não. Eu caminhava lentamente os quarteirões do meu loft… Parecia o Lex Luthor, ou o próprio Didi, diante de Estragon tentando achar a sombra de uma árvore. Não haviam árvores nesse trajeto da rua 23 até a 1 Avenida.

Depois de sofrer meses e não ter forças pra me levantar da cama, finalmente a macrobiótica entrou na minha vida: eles, os “Men in Black”, vieram de Boston e esvaziaram minha geladeira! “Como assim? Eu não posso mais beber Coca-Cola? Nem açúcar? Nem pão? Nem queijo?” Eu estava aos berros como uma bicha histérica enquanto o Fernando morria de rir. Os ‘médicos’ macros faziam eu engolir um chá de araruta, gengibre, umeboshi e shoyu. Buuhh.

Três dias depois eu estava de pé e ÓTIMO.

Existe cura para a grande dramaturgia. Existe cura praqueles que se sentem ilhados dentro de suas cabeças provincianas porque nunca ‘pensaram’ suas artes ou nunca deixaram sua marca na história.

Um desses chás, por exemplo, e pimba! Não há limite geográfico que resista! A psicanálise e um chá macrobiótico e seria o fim da dramaturgia internacional. Estaríamos todos curados!

Por que esse post? Porque “a vida tem que seguir seu curso” (essa frase é de “Fim de Jogo”, do mesmo Beckett). Nossa vida, nossa dramaturgia é baseada em nossos traumas e nossos traums (sonhos, em alemão). Não ousem tirá-los de nós!

Os comentários dos últimos dois posts estão excelentes. Excelentes! Na verdade acho uma pena interromper o papo de quase 800 comentários pra ter que iniciar tudo novamente aqui. Mas parece o próprio ciclo da vida, esse “nada” que temos que alcançar, esse espaço NULO (void) no UNIVERSO, a falta de ego, o nosso NADA, como aquela mulher em Rockaby (Cadeira de Balanço) que enxerga a vida através da veneziana ou da persiana e diz assim: “one blind up, fuck life”!

Ah, claro, se hoje ainda sou macrobiótico?

Sou vidrado na Cristiane Amampour. Isso explica alguma coisa? Explica. É uma forma diferente de macrobiótica. Sim, porque se você tem a total compreensão do que significa o yin e o yang, você não precisa mais seguir rigidamente nada. Isso deveria ser um exemplo para os partidos políticos radicais. Isso deveria ser um exemplo para aqueles que colocam bombas em seus cintos e se jogam pra dentro de uma multidão e se explodem.

Isso deveria ser um exemplo de transparência de que estamos aqui num processo temporário e efêmero, quase besta, e que Godot jamais virá. E quem ganha dinheiro, muito dinheiro, doutrinando meninos e meninas dizendo que ele já chegou ou que ele já está aqui, acaba asssado num campo qualquer numa Animal Canibal Pizza ou enterrado até a cabeça como o personagem Winnie em “Oh, Que Belos Dias!”, de… ah, claro, quem mais? Samuel Beckett, evidentemente. O anti-Godot.

Gerald Thomas

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(Vamp na edição)

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Boal Morto: Quantos Ainda Pensam a Sua "Própria" ARTE?

A tristeza da perda e a imbecilidade do dia a dia

 New York- Não posso dizer que não fiquei triste com a morte do Boal. Óbvio que fiquei. Fiquei triste com a morte de um artista. Quantos deles temos hoje em dia? Poucos.

Muito poucos.

Se você liga a televisão ou vai ao cinema pode medir: vai ouvir a palavra KILL ou MATAR ou MORRER a cada 3 minutos (se não mais) e o Ibope exige que os programas sejam baseados na vida e na relação polícia versus bandido e os procedimentos legais: são milhares de programas, em milhares de formatos. Na política é a mesma coisa. A retórica é a mesma.

Pontes explodem, carros explodem, pessoas explodem. Raramente nota-se que já existiu uma sinfonia como a de Mahler, a SEGUNDA, a Ressureição, para ser mais preciso. Poucas vezes a mídia, seja ela qual for, nos remete a uma sinfonia de Beethoven ou a uma ópera da Wagner. Não há mistérios! É a violência que dá audiência mesmo. E, se não é a violência bruta, a crassa, então é o melodrama barato, estúpido. E se não é isso, somos consumidos pela notícia do PÂNICO (como o terror da gripe suína e outras coisas do tipo. Nossa vida sempre em “perigo de vida” e a tal chamada guerra dos mundos, que Orson Welles tão magnificamente satirizou pelo rádio). Ah…

Boal morreu. Seu Teatro do Oprimido não era a “minha coisa”. Mas faz pensar. Faz pensar o que ele pensava sobre seu teatro. E isso não é pouco. E nos faz pensar sobre a vida, ou melhor, a morte.  Os grandes artistas, ou melhor, a ARTE GENIAL, como a de Mahler, como a de Beckett, como a de Joyce ou a de Gogol, Tolstoy ou Conrad ou seja lá qual for seu autor predileto, faz pensar sobre a morte: como deve ser, como somos imbecis com nossos valores materiais aqui nesta terra. Claro, Goethe e seu Fausto, assim como Marlowe e seu Fausto. Shakespeare e as comédias trágicas e as tragédias trágicas ou as moderadas.

O sistema nos traiu. Sim, fomos traídos. Somos todos cornos! Estamos vivendo há uma década, ou mais, sob falsas pretensões e sob falsos valores esperando um messias.

Somos uns imbecis achando que o dia de amanhã será melhor porque o politico A, B, ou C nos salvará da crise absoluta do sistema vigente. Não nos salvará.

E Boal nisso tudo? Bem, Boal tinha suas convicções. Podia não me convencer com seu teatro “em prática”, mas ele já previa e já cantava essa bola há muito tempo. Qual bola? A de que somos cornos de um sistema que nos trai. Mas ele, diferente do Living Theater, diferente dos outros que cantavam a mesma bola, levou seu teatro pro lugar do consumo: o supermercado, ou o lugar onde se consumia aquilo que o sistema martelava na gente! Teatro de Martelo! Um ensaio permanente e inocente (até) de como fazer de corno um sistema que nos faz de corno. Boal estudou aqui na Columbia University e fez grandes amigos.  Mas era outra era, outro tempo.

Esse tempo hoje:

Um bando de imbecis tweetando, ou twitando, como preferirem, achando que estão na “última”, exacerbando o ego e elevando o seu anonimato berrando pros oito cantos do mundo o “nada” do que fazem todos os dias. Que lindo! Já o teatro do invisível de Boal já cantava a bola justamente desse invisível ou desse oprimido (que somos nós, todos nós. Não necessariamente se fala de uma CLASSE, e sim de um estado de ser).

A Arte volta a fazer parte de nossas vidas e de nossas lágrimas. Tentei resistir e não escrever, pois não gosto de escrever emocionado. Augusto Boal morreu e com a morte dele se percebe que morreu um artista.

Isso deixa a ARTE num estado de fragilidade. Ou com a imunidade baixa, fraca.

O mundo não é feito, mas “está” feito de programas que trivializam a alma, que derrubam o ser humano para um lugar onde ele não merece estar: a sua pior ignorância.

É isso. Escrevo pois pesa o peso da M.O.R.T.E. e, nesses dias de angústia, a falta de um ser que construiu um vocabulário teatral é realmente triste. Muito triste.

Quantos construíram um vocabulário teatral?

Quantos sequer “pensaram” sua arte?

Estamos sendo traídos pelo sistema: talvez seja hora de pararmos de nos acusar uns aos outros e pensarmos na CENA de ORIGEM. Sim, aquela que os filósofos invocam quando têm de enfrentar a GRANDE CRISE, ou melhor,  GRANDE ARTE, ou seja: a morte!

 

Gerald Thomas, 3 de Maio de 2009.

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(O Vampiro de Curitiba na edição)

 

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