New York – Tem datas que não nos falham. Nossos mestres, nossos grandes mestres, ou momentos como o assassinato de JKF, a crise dos mísseis, a foda do “Último Tango em Paris”, a queda do muro de Berlin e, por exemplo, o tiro que o ditador da Romênia, Nicolae Ceaucescu levou na frente das câmeras de TV. Para o espanto de todos, aquilo foi chocante. Mesmo para aqueles que, como eu, haviam feito demonstrações nas ruas contra o Nixon e a guerra do Vietnam e queríamos ver os Stalinistas todos atrás das grades, eu, um pacifista por natureza, fiquei assustado com aquele tiro.
Por que digo isso? Por causa do tempo/espaço onde estamos e ocupamos quando algo dessa magnitude acontece. Assim como a morte repentina e precoce do “monstro sérvio” Milosevic (numa cela em Haia), a morte de Ceaucescu me marcou porque eu ensaiava o meu “Sturmspiel” no teatro estatal da Baviera em Munique com um vasto elenco. Todos comentamos o evento naquele dia. Alguns extras eram romenos. Eu tinha uma namorada (mezzo soprano) chamada Ruxandra Donose, que vinha de Bucarest e cuja família havia sofrido nas mãos do ditador. E, no teatro, Andrej Serban, havia sido “resgatado” por Ellen Stewart, anos antes. Décadas antes. Ainda jovem. Senão, teria entrado nos fornos da ditadura daquele terrorista no poder.
Tudo isso pra introduzir um belíssimo artigo de Caetano Vilela sobre ARTE e ESTADO. OS DOIS não se misturam. Quando um quer entrar no outro não HÁ MAIS ISENÇÃO POSSÍVEL.
Mesmo de forma mais branda (no teatro estatal de Munique – no meu caso no Cuvillies Theater), a pressão de Klaus Everding, (secretário de cultura de toda a Baviera na época), já era uma interferência gigantesca. O Muro de Berlim ainda não havia caído. Ainda vivíamos a guerra fria. Enfim, ao belíssimo artigo de Caetano:
Do Blog do Caetano Vilela:
Que ‘movimento’ é esse? (ou: sou Artista e não Educador-Ativista)
“Nós artistas de uma hora para outra nos transformamos todos numa espécie de ‘ativistas humanitários-culturais’! Não basta a ‘nossa causa’ é preciso ter “contrapartida social” para isso e aquilo e agora também nos exigem “medidas preventivas contra o impacto ambiental negativo”… que ‘po*&%$%a’ é isso? Tudo agora tem de ser carbon free, sustentável, ecológico, etc.
E eu digo: “é só uma pecinha de teatro senhor!”, “é apenas uma ópera madame!”, “é só um showzinho presidente!”
Qual o papel do Artista na burocracia contemporânea deste rosário sem fim ‘pseudo politicamente correto’? Produzir/Poluir?
Tá certo também que parte da ‘classe’ exigiu seu reconhecimento depois de palestras, encontros e ‘sufrágios democráticos’ (contando os braços erguidos ‘a favor’) num movimento batizado de “Arte contra a Barbárie” (!), resultando dentre outras aberrações ‘excludentes’ num tal “Fomento para as Artes”.
É isso então, lutaram contra a ‘barbárie’ (seria o ‘capitalismo do teatrão’), ganharam o ‘fomento’ e hoje são todos ‘ativistas’ de plantão defendendo o seu espaço (físico) alugado produzindo pouco para pouquíssimos (às vezes até muito para ‘muitíssimos’, mas não faz diferença), fazendo muito barulho para não largarem o ‘osso fomentado’.
Viraram ‘educadores’, plantaram sementes (paúba?), reciclaram seus programas (ou ‘pogrom/погром’) em troca de quê?
Nem prêmios nos credenciam mais. Um Shell (poluidora?) desacreditado vale hoje muito menos do que o antigo Molière (passagem para Paris ida e volta sem nenhum dinheiro!). Prêmios também viraram ‘contrapartida social’ das empresas que usam artistas como mico de circo: Prêmio Bravo, Contigo, Coca-Cola, etc… nenhum deles trazem público e muito menos prestígio.
A indiferença é triste e gritante.
…
O resultado do que se busca é o contrário, o teatro brasileiro está fomentando o emburrecimento do seu público. Falarei apenas do teatro, já que se abrir o verbo para defender a ‘classe lírica’ serei acusado de defender a ‘barbárie’ produzida pela alta elite! Mal sabem eles que faço ópera ao ar livre em Manaus para mais de 20 mil índios encantados! Seria isso uma ‘medida contra o impacto ambiental negativo’ aceitável? Aliás são 20 mil índios que deixaram de ligar os seus televisores e foram à praça (a pé ou com transporte público movido a energia alternativa!) pública assistir a um espetáculo lírico. Essas coisas enlouquecem críticos da Alemanha, Espanha, EUA, França, etc… todo ano e são publicadas em todas as mídias mas parece que o burocrata por trás do ministério da cultura além de surdo e monoglota é insensível ao reconhecimento do ‘inimigo estrangeiro’. Hummm, acabei falando!
Sou ARTISTA e não EDUCADOR, minha função é outra; deveríamos passar ao largo da catequisação da luta de classes que este governo inflama.
Que as EXCEÇÕES destes casos possam produzir mais e PENSAR este País!
Poucas vezes encontramos um diálogo aberto e honesto nos espetáculos apresentados em São Paulo, comunicar não é mais a razão de estrear um espetáculo, tudo se resume a um sindicalismo frouxo e burro. A obra já não fala por si (que me perdoe Adorno), é preciso fazer um ‘movimento’ (que me perdoe Caetano Veloso)! Uma geração inteira de artistas que começou a respirar após a ditadura ainda está bastante imatura para lidar com certos valores de liberdade e capitalismo (que me perdoe Marx).
Desconhecem princípios sobre a ética (que me perdoe Espinosa) e banalizaram o mal (sorry Hannah Arendt).
Ao final deste governo, nós artistas, nos juntaremos aos milhões de ‘assistidos’ por todas as ‘bolsas sociais’ e nos tornaremos mendigos por anos e anos de uma política populista e melíflua que demorará muito (dependendo dos próximos e próximos governantes) para ser extirpada e repensada.
Claro que quem sofrerá com isso será a Arte, muito antes dos artistas, mas estamos falando de algo supérfluo, não é mesmo?!”
(Vamp na edição)