UMA CARTA CONTRA A POLÍTICA RACIALISTA E SEUS SIGNATÁRIOS
Neste momento, um grupo de brasileiros está reunido com o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, para lhe entregar a carta intitulada "Cento e treze cidadãos anti-racistas contra as leis raciais". O que confere urgência ao documento é o apoio a duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, que estão no Supremo (ADIN 3.330 e ADIN 3.197), contra as cotas raciais: uma é relativa ao Prouni, e outra, aos vestibulares das universidades estaduais do Rio.
O alcance do texto, no entanto, vai bem além do apoio às duas ADINs. Entendem os 113 signatários, entre os quais me incluo, que a divisão do Brasil em raças é uma prática retrógrada. Em vez de apresentar uma resposta para os problemas que aponta, contribui para extremá-los.
Seguem abaixo trechos do documento. Na seção "Avesso do Avesso" (link ao fim deste post), publico a íntegra e a lista dos signatários.
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Nós, intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e ativistas dos movimentos negros e outros movimentos sociais, dirigimo-nos respeitosamente aos Juízes da corte mais alta, que recebeu do povo constituinte a prerrogativa de guardiã da Constituição, para oferecer argumentos contrários à admissão de cotas raciais na ordem política e jurídica da República.
Na seara do que Vossas Excelências dominam, apontamos a Constituição Federal, no seu Artigo 19, que estabelece: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si". O Artigo 208 dispõe que: "O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um". Alinhada com os princípios e garantias da Constituição Federal, a Constituição Estadual do Rio de Janeiro, no seu Artigo 9, § 1º, determina que: "Ninguém será discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade, etnia, raça, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano, religião, convicções políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental, por ter cumprido pena nem por qualquer particularidade ou condição".
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Apresentadas como maneira de reduzir as desigualdades sociais, as cotas raciais não contribuem para isso, ocultam uma realidade trágica e desviam as atenções dos desafios imensos e das urgências, sociais e educacionais, com os quais se defronta a nação. E, contudo, mesmo no universo menor dos jovens que têm a oportunidade de almejar o ensino superior de qualidade, as cotas raciais não promovem a igualdade, mas apenas acentuam desigualdades prévias ou produzem novas desigualdades:
– As cotas raciais exclusivas, como aplicadas, entre outras, na Universidade de Brasília (UnB), proporcionam a um candidato definido como "negro" a oportunidade de ingresso por menor número de pontos que um candidato definido como "branco", mesmo se o primeiro provém de família de alta renda e cursou colégios particulares de excelência e o segundo provém de família de baixa renda e cursou escolas públicas arruinadas. No fim, o sistema concede um privilégio para candidatos de classe média arbitrariamente classificados como "negros".
– As cotas raciais embutidas no interior de cotas para candidatos de escolas públicas, como aplicadas, entre outras, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), separam os alunos proveniente de famílias com faixas de renda semelhantes em dois grupos "raciais" polares, gerando uma desigualdade "natural" num meio caracterizado pela igualdade social. O seu resultado previsível é oferecer privilégios para candidatos definidos arbitrariamente como "negros" que cursaram escolas públicas de melhor qualidade, em detrimento de seus colegas definidos como "brancos" e de todos os alunos de escolas públicas de pior qualidade.
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Raças humanas não existem. A genética comprovou que as diferenças icônicas das chamadas "raças" humanas são características físicas superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes estimados do genoma humano. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de 10 genes! Nas palavras do geneticista Sérgio Pena: "O fato assim cientificamente comprovado da inexistência das 'raças' deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais Uma postura coerente e desejável seria a construção de uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada. Temos de assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um punhado de 'raças'." ("Receita para uma humanidade desracializada", Ciência Hoje Online, setembro de 2006).
Não foi a existência de raças que gerou o racismo, mas o racismo que fabricou a crença em raças. O "racismo científico" do século XIX acompanhou a expansão imperial européia na África e na Ásia, erguendo um pilar "científico" de sustentação da ideologia da "missão civilizatória" dos europeus, que foi expressa celebremente como o "fardo do homem branco".
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A meta nacional deveria ser proporcionar a todos um ensino básico de qualidade e oportunidades verdadeiras de acesso à universidade. Mas há iniciativas a serem adotadas, imediatamente, em favor de jovens de baixa renda de todas as cores que chegam aos umbrais do ensino superior, como a oferta de cursos preparatórios gratuitos e a eliminação das taxas de inscrição nos exames vestibulares das universidades públicas. Na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o Programa de Cursinhos Pré-Vestibulares Gratuitos, destinado a alunos egressos de escolas públicas, atendeu em 2007 a 3.714 jovens, dos quais 1.050 foram aprovados em concursos vestibulares, sendo 707 em universidades públicas. Medidas como essa, que não distinguem os indivíduos segundo critérios raciais abomináveis, têm endereço social certo e contribuem efetivamente para a amenização das desigualdades.
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A propaganda cerrada em favor das cotas raciais assegura-nos que os estudantes universitários cotistas exibem desempenho similar ao dos demais. Os dados concernentes ao tema são esparsos, contraditórios e pouco confiáveis. Mas isso é essencialmente irrelevante, pois a crítica informada dos sistemas de cotas nunca afirmou que estudantes cotistas seriam incapazes de acompanhar os cursos superiores ou que sua presença provocaria queda na qualidade das universidades. As cotas raciais não são um distúrbio no ensino superior, mas a face mais visível de uma racialização oficial das relações sociais que ameaça a coesão nacional.
A crença na raça é o artigo de fé do racismo. A fabricação de "raças oficiais" e a distribuição seletiva de privilégios segundo rótulos de raça inocula na circulação sanguínea da sociedade o veneno do racismo, com seu cortejo de rancores e ódios. No Brasil, representaria uma revisão radical de nossa identidade nacional e a renúncia à utopia possível da universalização da cidadania efetiva.
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Eis alguns dos 113 signatários da carta:
Aguinaldo Silva, Alba Zaluar, Antonio Cícero, Bolivar Lamounier, Caetano Veloso, Demétrio Magnoli, Edmar Lisboa Bacha, Eduardo Giannetti, Eduardo Pizarro Carnelós, Eunice Durham, Ferreira Gullar, Gerald Thomas, Gilberto Velho, João Ubaldo Ribeiro, José Augusto Guilhon Albuquerque, José de Souza Martins, Lourdes Sola, Luciana Villas-Boas, Lya Luft, Maria Sylvia Carvalho Franco, Nelson Motta, Reinaldo Azevedo, Roberto Romano da Silva, Ruth Correa Leite Cardoso, Wanderley Guilherme dos Santos e Yvonne Maggie.
Para ler a íntegra do documento e a lista completa dos 113 nomes, clique aqui.
[Contrera]
as cotas surgiram num país em que o racismo foi pandêmico (os Estados Unidos) e chegaram, por subservientes, a uma nação que sempre primou pela miscigenação como forma de exposição ao mundo. desde sua criação, fui contrário a elas. debati inclusive na FEUSP (faculdade de educação) a respeito, sendo tomado como radical – quando na verdade já lá eu expliquei como tudo se originara. ocorre que, na medida em que a desigualdade mostra-se (em aparência) guiada pela cor da pele (os fatores-guia são outros, mas descambam quase sempre na questão da pele), foram dados argumentos a movimentos políticos que viraram o jogo em seu favor – pela incompetência de quem não soube à época argumentar. hoje, tenta-se virar um jogo que a sociedade muito relutantemente aceita. eu, de minha parte, penso que ambas as partes deveriam deixar de lenga-lenga. analisem-se os dados macro: eles provavelmente não descambam em anti-racismo ou igualdade de oportunidade. termine-se então com as cotas. e a coragem? ahaha
[Valéria] [Rio de Dengueiro]
Achei MARAVILHOSO este manifesto, sempre fui contra este sistema sem pé nem cabeça do governo! Tem q dar igualdade de oportunidades, e q a cota seja pras pessoas menos favorecidas, pros pobres. ANTES: q se melhore a Educação no Brasil, o prof virou o q ñ tem tempo pra estudar e tem q mostrar produto em vez de trabalho de qualidade, um horror! E infelizmente há profs. q trabalham na escola pública e dão aula de qq jeito, já na escola particular… (ñ tô falando de faculdade). Há mto o q se mudar, o nível é baixíssmo nas escolas e nas faculdades é mto fraco tb. Sempre houve negros contra e a favor! Q este manifesto ajuda a apagar este fogo q discrimina pessoas! Dez Gerald! E obre o texto, ñ li todo mas há uma diferença terminológica entre racismo e racionalismo, e o tal científico, me parece, foi do meio do sec XVIII ao XX… E qdo juntam os dois dá resultados como o nazismo. Noção de raça já tá furada e agora a gente cria nomes afro-sei lá + o q etc. Somos uma só espécie com variações.
Vamp
[O Vampiro de Curitiba]
Fábio, agora o assunto é sério. O que estava se criando com as cotas raciais era a oficialização do racismo no Brasil. Era o Estado dizendo que negros são diferentes de brancos. Era o Estado divindo a sociedade pela cor da pele das pessoas. A ciência afirma que não existem raças! A idéia das cotas era combater o racismo, mas foi um equívoco que começou a gerar o ódio entre irmãos de um mesmo país. No Rio Grande do Sul começaram a se desenvolver grupos neo-nazistas. Carecas idiotas que insultam pessoas negras, dizendo que elas estavam roubando as vagas dos brancos pobres. Ainda ontem conversava com um amigo meu, negro, e ele dizia que o sistema de cotas havia se tornado um pesadelo pois estavam rotulando todos os negros, inclusive os que não utilizaram o sistema de cotas para entrar para a universidade, como aproveitadores e que seriam profissionais de segunda linha. Um horror! Os negros é que seriam as maiores vítimas desse absurdo e ninguém falava nada. Veja as pessoas que Veja, Fábio, as pessoas que assinaram o manifesto. Tem gente do PT, dos movimentos negros, intelectuais de todas as linhas, poetas, escritores, desde mais conservadores até da extrema esquerda. Ferreira Gullar, Caetano Veloso, João Ubaldo Ribeiro e tantos outros. Você acha que todas essas pessoas assinariam algo que julgassem que iria prejudicar os negros? Eu assisti, inclusive, a entrega do documento no Supremo no Jornal Nacional. Todas as pessoas que estavam nesta entrega eram negras. Todas afirmaram que as cotas eram prejudiciais aos negros.
Vampiro de Curitiba