SERES INDESEJÁVEIS
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New York – Estava passando com pressa, sempre com pressa – aqui é tudo pressa – na frente da loja da Virgin Records, na Union Square, tentando entrecortar o intenso trânsito de pedestres para chegar no horário ao encontro com um amigo ator.
Na esquina da Broadway com a rua 14, um cara tentava distribuir de graça uns CDs e sua voz emitia algum som que se parecia com hey new free CD by João Luiz (pode ser que eu tenha ouvido errado). Ninguém aceitava, nem de graça, ou justamente por ser a imposição gratuita.
Alguns metros adiante, na esquina seguinte, esperando o sinal de pedestres, com o acúmulo étnico se amontoando, como se estivéssemos embarcando na arca de Noé, pensei na cena daqueles segundos anteriores, ou melhor, no absurdo que era aquilo: estamos tão temerosos um do "outro", ou tão bombardeados por tanta coisa que sequer aceitamos um CD que nos é oferecido de graça. Quem sabe, o tal músico podia ser bom, legal, "legalzinho", como aqueles do metrô de Williamsburg, Brooklyn, que entrevistei para a TV Uol, em 2000.
Ontem, sábado, ao ir tentar ver o filme Queen (no Angelica's na beira do SoHo com o Village), quase a mesma cena: um rapaz simpático, rastafari, tentava alguma comunicação com o público que esperava na fila desse dia extraordinariamente quente para um janeiro novaiorquino (22 graus centígrados): "Esse filme, esse DVD, foi dirigido, filmado e interpretado por mim e estou distribuindo de graca". Ninguém se interessou, sequer olhou para o desconhecido artista.
Curiosos os lugares que esses seres escolhem seus lugares para panfletar seu material: "Virgin" Records, como algo prometidamente virgem a ser deflorado. A mega empresa de Sir Richard Branston que também é dono da Virgin Atlantic (faz a ponte aerea "cool" entre Londres e NY e outras cidades americanas), de celulares e outras coisas. Não tem nada de "virgem" nessa mega Virgin.
O outro é o Angelica, que de angelical não tem nada: você é posto em salas minúsculas, subterraneas, com o metrô correndo embaixo e os ratos comendo a sola dos seus sapatos. Quanto cinismo! Mas não sou eu, juro.
Na década de 70, em St. Mark's Place com Segunda Avenida, muitos artistas, hoje conceituados, conseguiram a fama através desse tipo de approach: o cartunista Crumb, o "ator" Joe Dalessandro (dos filmes do Warhol), o próprio diretor Paul Morrisey (diretor dos filmes de Warhol) e bandas como Velvet Underground, além de tantos pintores e autores que panfletavam a esquina mais junkie daquela época, a época de Electric Ladyland.
Será que transformamos o "outro" num ser um ser indesejável? Será esse o resultado que vemos quando nos olhamos no espelho depois dos estragos de tantos anos de politica externa corrompida e gulosa e maldosa e, sei lá mais o que dizer sobre esse assunto?
Hoje vivemos com medo. Quem será que está ao nosso lado nos vigiando ou nos entregando coisas? Será a própria encarnação de Orwell disfarçado de um rastafari como esse independent film maker, ou como aquele que, com a camerazinha de seu cellular, capturou as últimas imagens de Saddam Hussein antes de ser pendurado no Hajj, o dia mais sagrado do calendário islâmico?
O que pode fazer sentido em tudo isso? Crazy stuff man! Crazy stuff, como dizia a Fabiana no Earth in Trance nessa tumultuada temporada no La MaMa, em NY, prematuramente cancelada por razões que um dia contarei (nada como uma boa respiração, mas texto, texto, texto realmente não é o tipo de teatro pro La MaMa, e a Ellen Stewart que me deu a vida no teatro considerou aquilo uma "punição". Mas rolou tanta água debaixo dessa ponte que se eu contasse teria que ocupar o espaço de todos os outros colunistas.
Desejo um feliz e, sobretudo, criativo 2007 pra vocês leitores. No mais, a vida aqui e ali caminha (ainda) e isso, como diria Samuel Beckett, é em si surpreendente.
do http://www.diretodaredacao.com
do Rodrigo Contrera
parabéns ao Ruy pela verdadeira aula. Gerald: pano rápido a esses boçais. não merecem qualquer atenção. bj Contrera
Rodrigo Contrera
do Atila Roque
Atila Roque] [Brasilia]
Gerald, Feliz 2007. Estamos sim em um mundo mergulhado na solidão e encurralados pelo medo. Basta pensar nas manchetes dos jornais daí e daqui na passagem do ano. Mas assim mesmo alguns resistem e gritam a sua mensagem. São como os meninos malabaristas do Brasil, equilibristas doidos, sobreviventes sabe-se lá como de virarem falcões (MV Bill e Celso Athayde), mortos antes de completarem 15 anos. Ou simplesmente homeless ignorados em NY. Pelo menos este inverno está ameno, a calmaria que antecede o desastre do aquecimento global. Mas este é outro assunto. Eu queria mesmo dizer apenas Feliz Ano Novo, mas acho que hoje estou um pouco prolixo. Pode deletar!