New York – Devo estar mal da cabeca mesmo para estar escrevendo coluna tendo uma estréia ("Earth in Trance") daqui a quatro dias no La MaMa. Hoje foi o primeiro ensaio técnico, aos trancos e barrancos. Todos com as mãos na cabeça, pedindo aspirina, revólver, veveno de rato, alka selzer, tendo diarréia, justamente assim como deveria ser! Tudo certo. Há 25 anos é assim e ainda não me acostumei.
Então, como não agüento mais essa "atmosfera", resolvi sair do East Village onde até a Tower Records está fechando suas portas pra sempre "going out of business". (Quem diria, já morei lá, na frente dela, da Tower, na Broadway com a rua 4! Em questão de semanas essa "instituição" não existirá mais. Foi engolida pela Virgin em Union Square). Enfim, resolvi sair desse antro e dar um pulo uptown, andar um pouco no Central Park, já que está geladérrimo e eu queria saber se a gringada toda – mesmo com o gelo no ar – ainda assim, estaria em pleno frenesi da loucura das compras pré-natalinas. Nada consegue parar o capitalismo! Nem o mundo aos pedaços, a situação no Iraque, na África, nesse planeta em geral: o negócio é comprar! O trânsito de pedestres na esquina da 57 com Quinta Avenida estava pior que impossível. Só mesmo empurrando as pessoas com espetos. E me dizem que a economia esta péssima. Onde? Ouvi todas as linguas: todas as nacionalidades com 11 bracos segurando bolsas lotadas de sacos de compras.
Dois quarteirões acima, meu coração dá uma parada quando vejo que o Plaza Hotel também não existe mais. Caramba, o Plaza! Vai virar um prédio de suites compráveis a partir de U$1.5 milhão (no primeiro andar: o preço sobe de acordo com o andar). Gente! O Plaza faz parte da dramaturgia da cidade. Várias peças de Neil Simon se passam lá (filmes também, como "Plaza Suites", com Wather Mathau e Jack Lemmon), e eu mesmo ia encontrar meu tio rico, Peter Kent (um dono de loja de casaco de peles), que aos domingos ia comer o seu brunch lá, debaixo das palmeiras na mesa vizinha de uma tal "rainha da Romenia", cujo chapeu era maior do que o restaurante inteiro. Bah! Ele tinha vergonha de seu sobrinho pobre e "hippie" e fazia de tudo para que eu não aparecesse lá. Mas eu ia, nem que fosse pra ele marcar comigo no Mac Donalds no dia seguinte. Eu era um adolescente faminto em NY e não iria recusar nenhuma refeição. Esses snobs!
Depois de tanto stress, depois de tanta pressão, de passar e repassar a peça, as partes tecnicas, e sentir saudades da minha equipe brasileira, resolvi assistir o DVD do filme "Fabricando Tom Zé" que me levou aos prantos. O homem é um gigante. O maior de todos. Em todos os sentidos. Quem sou eu para ficar reclamando da vida quando observo a dele? Quem sou eu pra ficar reclamando da vida quando olho pro mundo e vejo tanta miséria e violência e tanta hipocrisia? Quem sou eu?
Mas quero falar de Tom Zé, o maior de todos porque ainda tem vida, fala e se expressa com vida! Seus olhos abrem de verdade e o que sai da sua boca não é blasé, não é hipócrita. Quando berra, berra. Quando ri, gargalha, apesar de ter penado por quase duas décadas de ostracismo. E nós? Temos o direito de ter autopiedade por não termos o refletor que queremos? Ora, que inferno!
Tom Zé é muito mais que músico ou poeta. É mais que uma ou duas ou três vidas. Esse Pablo Picasso da música, o Jackson Pollock do violao com sua musa Neusa, prova que aquilo que eu mesmo ainda não consegui aprender (apesar das várias influências importantes que tive): que estar dentro da "patota" sempre será mais confortável – por ora.
Mas a arte que a "patota" financia, para garantir a hegemonia dos grandes lords do pedaço, são produtos de extrema mediocridade. Parabéns Tom Zé por ter se perdido por aí. O mundo te achou e hoje você é divino.
Quanto aos Plazas e Towers, os dois outros monumentos, bem…alguém, algum dia, haverá de explicar esse fenômeno.
Gerald Thomas
texto parecido com o do www.diretodaredacao.com