A meninada Londrina acha que a grama nasce mais verde em Nova York. E vice versa. Tudo continua sendo um sonho ou um pesadelo
Londres – É engraçado notar como, de fato, o gramado é sempre mais verde no jardim do vizinho. São 7 da manhã e eu tomo um expresso na Patisserie Valerie, na Old Compton Street, no Soho de Londres. Esse lugar é muito conhecido entre boêmios, artistas e quem passou a noite em claro e está tentando colocar os pés na terra de novo. Aqui – geralmente – se vê de tudo. Desde ex-integrantes de bandas de rock que se apresentavam no Marquee, aqui perto (na Wardour Street na Belle Epoque dos Yardbirds, e do UFO na Tottenham Court Road), onde Eric Burdon, do The Animals, conseguiu convencer Paul McCartney a ver um concerto de Jimi Hendrix, e que mudou a história do mundo….até figuras como o autor e ator Steven Berkoff ou casais gays e travecas que fazem ponto aqui nesse bairro que contém quase todas as produtoras de filmes inglesas. Ah, sim, aqui os traficantes de crack cospem o produto de suas bocas, nos pequenos saquinhos plásticos na mão dos compradores. A quantidade de heroinados e 'homeless' é mais visivel que em NY. Mas os ingleses acham que é justamente o contrário. É bizarro.
Aqui me encontro com Bruce Griffiths, um 'stand up comic' australiano, cabelos longos encaracolados, óculos, parecídissimo comigo. "Estou aqui para ver uma banda de rock tocar hoje à noite no 100 Club, na Oxford Street e, no entanto, ainda não consegui tempo para montar meu website. Estou com 43 anos e minha desorganizacão é terrivel", diz ele.
Outro sentado na mesa é um jovem produtor de teatro chamado Tom, que acha que Nova Iorque é que é o lugar 'quente'. Se decepciona com o que ouve quando eu conto o que acontece: "a maioria das produções estão vindo daqui de Londres, Tom. Tem espião de teatro aqui em tudo que é lugar", eu digo a ele.
Eu me lembro que há algumas semanas, no Chelsea Hotel de Nova York, alguns roqueiros chegavam a Nova Iorque deslumbrados com a cidade: "we're going to make it here!". Nada aconteceu. Hoje eles estão de volta a Londres com o rabo entre as pernas, com ódio de NY jurando que jamais votarão.
O mesmo acontece com um grupo de teatro que permaneceu em NY por duas décadas: os Bluelips, um grupo de travecas muitíssimo engraçado que interpretava os clássicos e se baseava no Theater for The New City, na Primeira Avenida. Agora estão de volta e seu fundador voltou a ser um dos atores da Royal Shakespeare Company.
Quentin Crisp, lembram? Criou uma amargura tremenda em relação à Inglaterra pelo tratamento que recebeu por ser gay. Se instalou no East Village de NY e de lá nunca mais saiu.
Ainda existe esse mito de ter que vencer em NY. No entanto, o maior sonho que os grupos de teatro novaiorquinos têm é o de poder se apresentar em Londres. Não é estranho esse espelho as avessas? O mundo não ficou mais perto com a internet e os meios de comunicação.
Tony Blair está meio de saída. O Embaixador Bustani e seu attaché cultural, Felipe Fortuna, também. Ontem à noite, numa festa de despedida, perguntei ao magnifico Paul Heritage (uma das pessoas mais importantes do teatro brasileiro: um dia irão reconhecer sua importância!): "Que fim levou Lindsay Kemp?" (Kemp foi um dos fundadores do teatro de dança décadas antes de Pina Baush aparecer. Adaptou Genet para o palco e suas apresentações no Saddler's Wells eram tão disputadas quanto um concerto de Eric Clapton). Heritage me disse: "não sei".
Eu tambem não sei. O mundo caminha depressa demais e nossa memória seletiva não guarda os verdadeiros heróis que formaram nossas ideologias, nosso banco de referências e de gostos. Entre Londres e Nova Iorque não existe nenhuma diferença, já que ela está em nossas cabeças. Um dia, infelizmente, perguntaremos a alguém: "e o que aconteceu a Godard?". E esse alguém responderá: "Quem?" Deverá ter virado o Dr. Smith do "Perdidos no Espaço".
Gerald