Monthly Archives: August 2006

Lamas e Cremes e Sprays

NY – Onze de setembro está na esquina: vou dar um jeito de fugir. Nao, vou ficar!!! Um ótimo documentário feito pela Christiane Amanpour e pelo Peter Bergen sobre o Bin Laden foi ao ar pela CNN estes dias: coisas reveladoras, "delicadas". Mas eu não agüento mais. Confesso que eu estava entusiasmado para começar esta coluna escrevendo sobre o explosivo e bombástico livro de Thomas E. Ricks, do Washington Post, o "Fiasco". Ele afirma, mais uma vez (assim como Woodward e tantos outros livros cuja resenha eu já fiz ao longo desses três anos), que a "intelligence community" falhou no que diz respeito aos ataques de 11 de setembro e prova que a administração de Bush e de Blair forjaram documentos para criarem pretextos para a invasão do Iraque. Afirma também que se existe um inimigo "real"na região, esse seria o Iran. Mas como disse, nao aguento mais escrever, pensar, falar sobre isso!

Chega! Minha pele e meus músculos estão na "mode" de "information overload", ou seja, naquela sensação de basta! E por que isso? Porque nao adianta mesmo. Ontem, sábado, fui jantar com um empresário australiano-thailandês ( e que sempre me dá uma outra perspectiva do mundo). Dessa vez, assim como eu, ele estava descrente, desiludido e com seus ombros caídos me deu suas impressões: "acho que a população do mundo ligou o "foda-se". Se fosse há 10 ou 15 anos, iriam todos para as ruas fazer manifestações, berrar, quebrar vitrines, assim como se faz até hoje na França". Será?

Penso no pacto que Fausto fez com Mephisto ou que Goethe fez com ele mesmo no dia em que virou prefeito de Weimar e criou a rua de mao unica a Einbahnstrasse. Vou entregar essa coluna pedindo desculpas ao Antunes Filho porque sei que – por inocência ou espírito de brincadeira, acabei por ofendê-lo. Não quis fazer isso. Sei que ele esta magoado comigo porque eu sai rindo de um espetaculo dele; nao era pra rir (na opniao dele). Sorry. Jamais quis ofender uma pessoa tão legal. Estou me retirando da cena, pouco a pouco, pouco a pouco, pouco a pouco…..mas não antes de fazer o inventário do que tenho no armário do meu banheiro:

Cremes. Quanta coisa inútil. Cremes pra endurecer o que está mole. Ou amolecer o que está duro. Isso no campo das peles e cabelos. Quanta vaidade! Fausto brincando com a eternidade e jogando com seus anjos caídos? "Be Curly" e "Flax Seed Aloe" ambos da Aveda pros cabelos. Ah, tem tambem o "Anti – Frizz" da Phyto francesa, para baixar tudo e amaciar tudo o que os dois anteriores deixaram para cima. Tem o "StriVectrin-SD" que é para deixar a pele jovem, como se fôssemos um eterno bebê. Bem ao lado tem uns shampoos e condicionadores da Fekkai e um "wave spray" que não sei muito bem usar pois mancha o óculos e deixa a mão toda melada.

Mas tudo bem. Essas coisas chegam aqui em caixas, amostras. Amostras de pequenos cremes do Perricone MD, o dermatologista que se transformou no antioxidante em pessoa. Tão antioxidante que um carro enferrujado, desenferruja só ao vê-lo! A L'Ocitanne lota uma prateleira inteira com sabonetes e cremes de barbear que o Gerson Steves, meu ator, me deu de presente (e eu uso mesmo). Da Ahava, tenho a lama e mais lama do Mar Morto, lá de Israel, que nada tem a ver com o bombardeio sobre o Líbano. Mas tem leitor que vai chamar a lama de sionista e financiada pelos EUA, etc…a gente tem que aguentar essas coisas! Mesmo assim é uma lama milagrosa. Se eu abrisse a minha necessaire eu falaria dos ansiolíticos, dos dorflex e dos reguladores de humor. Mas essa coluna não fala de tarja preta. Aqui é tudo muito "light". Dessa vez não quero encher o saco de ninguém, falando de Marcola, se bem que eu escrevo de um PC, ja me encantei pelo PC do B e ja li Dante tambem, assim como Clausevitz e….nao quero matar ninguem, justamente agora que minha mae morreu. Se bem que, pensando bem, gostaria sim, digo, se tivesse um fuzil na mao eu atiraria em…deixa pra la. Aqui nao se fala em tragedia ou do furacão Katrina ou de corpos putrefatos boiando ou na beira de uma estrada no Iraque. Melhor pensar em……caviar beluga, mesmo porque não fazemos a menor diferença, nós os mortais.

No fundo no fundo, os produtos do banheiro não passam de uma metáfora. Um produto combate o outro, desfaz o dano do outro. Exatamente igual a ONU. Ou ao Congresso. Ou ao Senado. Não importa o país. Tudo a mesma lama. A humanidade não passa de um creme de beleza, ou melhor, de postura, digo, feiura!

Gerald Thomas

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A Fogueira das Confissoes Vaidosas

Como minha amiga Jo Abdu me disse há algum tempo, a espritualidade do mundo está empobrecendo. Depois da morte da minha mãe, há duas semanas, meu mundo virou de cabeça para baixo. Mesmo assim, ainda consigo enxergar esses "machos" brigando por territórios, petróleo, por um deus. Jo Abdu é descendente de libaneses e está, obviamente, desgastada com o que tem acontecido lá.

Eu também estou. Aliás, no domingo passado, o Mike Wallace, do "60 Minutes", da Rede de TV CBS, entrevistou o presidente do Iran (cujo nome não me entra na cabeça, sorry). Confesso que fiquei boquiaberto. Esse presidente, que é ironizado feito um peão imbecil, por todos os líderes do ocidente, por afirmar que o holocausto nunca existiu e que Israel tem que ser varrido do mapa, disse na entrevista, pela primeira vez, que tudo é uma questao de contexto. Para ele, se o holocausto aconteceu na Alemanha, então que Israel deveria também ter sido "instalada" lá, na Alemanha. Nada mais lógico para ele e os que o seguem. Cada povo com sua verdade. Cada líder com sua retórica. E cada retorica em busca de um personagem Pirandeliano.

Mas ele, o presidente do Iran, usa a lógica dos oprimidos, e não dos extremistas islâmicos, apesar de apoiar financeiramentee belicamente, o Hezbollah. E, justamente por usar um discurso que deixou Mike Wallace mudo, mas usar táticas por debaixo do pano, é que os líderes ocidentais, como Bush e Blair, não saberão nunca lidar com ele, a não ser através da força, através de ameaças e, possivelmente, de uma outra guerra.

Essa guerra, antes de mais nada, é uma guerra de valores. O que queremos? Quem somos? Quem são eles, os tão temidos extremistas islâmicos e seus valores que a imprensa ocidental chama de medievais? Queremos mesmo a submissão total da mulher? Queremos mesmo abdicar dos direitos e das liberdades civis conquistadas nas últimas décadas? Será que é mesmo assim, ou será que estamos sendo enganados por uma propaganda da midia ocidental, assim como grande parte da população árabe está sendo enganada por uma propaganda extremista, cujos exageros beiram o drama teatral mal feito, o grand guignol, a farsa amadora? Sera tudo uma midia mal construida? Ou estamos no meio de terceiro ato de um drama verdadeiro e de terriveis consequecias? Bush nao me parece ser um ator de verdade. Mas quem sera o autor de verdade que escreve suas linhas? Karl Rove? Mesmo? Ja era tempo em que gente com cultura escrevia, os tais chamados ghost writers. Muitos deles, como William Saphire, por exemplo, acabam escrevendo colunas sobre "language" para as OpEd pages dos grandes jornais americanos justamente porque sabem que politica nao passa de um jogo de semantica e xadres de retoricas que deformam a opiniao publica e as tornam baratas ou insetos, como Gregor Samsa, o besouro de Kafka.

É Pirandelesco o que acontece no Ocidente mesmo. Um professor – John Mark Karr – revela na Thailandia, que estava com a menina Jonbenet Ramsey quando ela morreu na mansão em Boulder, Colorado. Essa estória tomou conta da mídia dos EUA nos últimos 10 anos como quase nenhum outro caso. Cogitam que ele seja somente um louco que quer chamar atenção e que "fabricou" esses fatos. Pedófilo confesso, Karr deve ter estudado cada minúcia do caso e agora aparece na frente das câmeras do mundo como se fosse um pop star.

Não muito diferente dele, Guenter Grass, um aparente gênio da literatura alemã, de repente, momentos antes de lançar sua biografia, revela que pertenceu à elítissima Waffen SS. Esse escritor (que eu conheci pessoalmente em Weimar, no Deutsches National Theater, quando eu lá montei o Tristan und Isolde, em 1996, e sei, de fato, que todo alemão se cala quando ele se pronuncia) está lucrando muito com uma verdadeira atrocidade. Mas o que há de novo nessa coisa que Tom Wolfe talvez chamasse de a "Fogueira das Confissões Vaidosas"?

O dramaturgo alemão Heiner Müller, cujas peças eu encenei em première mundial aqui em NY e no Brasil (com Tonia Carreiro e Sergio Britto), era da Stasi (Servico Secreto da Alemanha Oriental, a DDR). Ou seja: dedurava colegas seus para o regime de Hoenecker. Em troca disso, ele tinha o poder de ir e vir, atravessava o Muro de Berlim e mantinha apartamento nos dois lados da cidade.

Heidegger, assim como Herbert von Karajan e tantos outros artistas e intelectuais, eram do partido Nazista. Isso é uma coisa normal para quem foi jovem na Alemanha de Hitler. Não havia saídas. E ninguém cobra mais ninguém por causa disso. O que é hipócrita a respeito de Grass é o fato de ele ter ido além: não somente pertenceu ao partido ou a juventude hitlerista, ele se alistou na Waffen SS e, quem sabe, não matou alguns judeus, ciganos, excepcionais. O que ele diz agora tem alguma veracidade?

Assim como a entrevista do presidente do Iran, é tudo uma questão de tempo e de ponto de vista. "Nada prova nada", era a frase que eu coloquei na boca do Marco Nanini no "Circo de Rins e Fígados". "Prova alguma coisa?" E o público, tenso, morria de rir.

Um dia, quem sabe, descobriremos que Saramago já foi Salarazista, que Semprum era devoto do Generalissimo Franco e que Jorge Amado contribuia com o SNI na época da ditadura militar brasileira. Espero que o pesadelo acabe e meu saco de dormir desabe, digo, se desmanche assim como numa das lindas bandeiras de Arthur Bispo do Rosario: um dos poucos cidadaos saudaveis do seculo passado.

Gerald Thomas

(artigo parecido com o do http://www.diretodarecao.com)

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