Monthly Archives: August 2005

critica do JB: Macksen Luiz

Gerald com humor

Autor e diretor se revigora em 'Um circo de rins e fígados'

Macksen Luiz

No circo montado por Gerald Thomas para aquela que talvez seja a sua encenação com maior humor, o diretor faz uma virada em suas obsessões cênicas sem abandonar nenhuma delas. Neste tráfico de corpos dilacerados, de sexualidade necrófila, de mortes coletivas, de dependências químicas, de mídias vorazes, de ego complacente, de desconstruções de significados, de referências repetitivas e de perplexidade diante de um sentimento de finitude, Gerald Thomas provoca o riso, de si mesmo e da ausência de sentido de um mundo explodido. O teatro é a lona de tecido cênico, bem mais leve e quase seqüencial, que abriga esse manifesto, que reproduz um estado agônico e desiludido da biografia do predistigidador de uma estética em crise, que retira de caixas múltiplas, como torres desabadas, as tantas mortes, desespero e injustiças que fundamentam a contemporaneidade.
Um circo de rins e fígados revigora Gerald Thomas por introduzir, em meio a uma acentuada visão desolada desses tempos impossíveis de se entender, componentes de humor que quebram com a rigidez de estrutura cênica, em que os significados (meios de compreensão) e as referências (exposição de conhecimento) são submetidos a um banho de comédia performática e de improviso descomplicado, que reforçam com clareza, e por contraste, o quadro opressivo de um picadeiro de horrores. Destes contrapontos aparentemente contraditórios surge uma edição cênica do manifesto que aponta para o que atinge de maneira tão visceral o autor: ao mesmo tempo, ressensibiliza os códigos do diretor através de um intérprete que os absorve e os subverte, filtrados pela personalidade de ator que incorpora a máquina do diretor, impondo-lhe abertura para maior comunicabilidade e novas possibilidades expressivas.

A visualidade de Gerald Tomas, com a cena enevoada e os painéis com seus desenhos, é também reforçada pelo contraste de ser vista através de suas entranhas. A ameaça de sufocar os espectadores com mais fumaça, brincadeira em resposta a uma das características visuais de Gerald Thomas, ameniza a atmosfera retalhada de pedaços de corpos e insufla beleza em outras cenas, nas quais a desertificação do preto e do cinza se colore com o traço gráfico dos guaches. Na cenografia, Gerald Thomas busca outro enquadramento, explorando, com a entrada e saída dos painéis e com a força da poderosa iluminação, projetar um mundo desolado, que desarma a escala do dramático.

A trilha sonora sustenta os quadros com escolhas perfeitas, revelando-se extraordinária na cena final, em que o Hino Nacional é tocado apenas na percussão, com sonoridade surda e efeito perturbador.

Os figurinos de Antonio Guedes são grotescamente exagerados para o personagem Marcos Nanini, evocativos para a bailarina e realisticamente referenciados para o coro policialesco.

Fabiana Guglielmetti, como a musa que paira em meio a delírios e angústias do homem que vive o pesadelo da atualidade, brinca com certo tipo de interpretação impostada e desenha em movimentos dançados a arte em declínio. O elenco de apoio – Amadeo Lamounier, Pedro Osório, Gustavo Wabner, Gilson Matto Grosso, Beto Galdino, William Ramanauskas, Rodrigo Sanches e Narciso Tosti – forma grupo integrado, virulentamente invasor, mas que mantém também tom cômico, com referências à sua condição de extras e outras citações às suas características coletivas.

Marco Nanini, que interpreta personagem com seu próprio nome, é um delirante alter-ego do diretor, que por sua vez se deixa devorar pela atuação irônica, quase debochada e brilhante de Nanini. Toda a carga do autor-diretor é triturada pela ousadia do ator, mas ao mesmo tempo integralmente mantida por ele, que entra e sai deste colcha de erudição, perplexidade, medo e vazio com absoluta consciência de que está dentro de um jogo, no qual ultrapassa as regras para torná-las mais vivas.

Nanini impõe algum distanciamento, ainda que não se desvie daquilo que é exposto, apenas acrescentando-lhe ''espontaneidade'' e toques pessoais que desvendam qualquer hermetismo. O ator abala os significados, desconstrói as citações, se diverte com as referências, sem, no entanto, desqualificá-las com atuação artificialmente crítica. As repetições de frases e o pedido de participação da platéia lembram a experiência de Nanini com o teatro mais popular com o qual mambembou no início da carreira. E na apotética e glauberiana cena final, em que surge como figura entre uma imagem positivista republicana e um parangolé tropicalista, se materializam o sincero desabafo de Gerald Thomas e a exuberância refinada de Nanini, com uma nacionalidade desabando ao fundo.

Um circo de rins e fígados – Teatro Villa-Lobos, Av. Princesa Isabel, 440, Copacabana (2275-6695). 6ª e sáb., às 21h, e dom., às 19h. R$ 30 (6ª) e R$ 40 (sáb. e dom.).

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O Globo – Segundo Caderno

A festa do talento de Marco Nanini

Roberta Oliveira

Ufanista, com certeza. Com direito a bandeira do Brasil gigante e Hino Nacional tocado em ritmo de samba. Mas também recheado de críticas ao Brasil da Era do Mensalão e da CPI dos Correios e, principalmente, ao Ministério da Cultura de Gilberto Gil. Assim é "Um circo de rins e fígados", novo espetáculo do diretor Gerald Thomas, que estreou, na última sexta-feira, no Teatro Villa-Lobos.

Em cena, Marco Nanini vivendo… Marco Nanini, ator que recebe de um amigo que mora em Nova York, João Paradeiro, uma penca de caixas contendo documentos que provam o envolvimento dos EUA em golpes militares na América Latina, inclusive no Brasil. O assunto é sério, mas o humor dá o tom do espetáculo. Especialmente graças – sem trocadilhos, embora, bem ao estilo Thomas, haja muitos – ao talento de Nanini, que, na estréia, arrancou do público aplausos em cena aberta. Os primeiros no momento em que Thomas, também autor, ri de si mesmo, escrevendo um texto em que o ator/personagem pede ao público para que participe ativamente de um número de platéia, caso contrário o diretor encherá o teatro de mais fumaça.

Mais aplausos para Nanini vieram quando foram feitas críticas ao ministério de Gil. Estas mais duras e com menos humor: na cena final, o ator/personagem precisou se defender diante do Esquadrão Gilberto Gil de Morte ao Teatro. Sobreviveu e foi ovacionado.

Os dois críticos do GLOBO concordaram com a platéia e elegeram Nanini o que há de melhor em "Um circo de rins e fígados". Para Barbara Heliodora, não há dúvida de que a peça "não seria o que é sem Marco Nanini, que tem aqui uma das mais brilhantes atuações de sua já brilhante carreira". Na opinião de Jefferson Lessa, a peça "se apóia no imenso talento do ator, num carisma que faz os espectadores saírem do teatro acreditando que viram um monólogo".

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"Um circo de rins e fígados" no Rio de Janeiro O Globo – Segundo Caderno

Triunfo da teatralidade em peça feita de episódios impactantes

Barbara Heliodora

Com "Um circo de rins e fígados" Gerald Thomas procurou expressar todo o caos, as dores, os desencantos, os medos, os desesperos, as torturas, as perplexidades, o negativismo, o desatino que o mundo e o Brasil têm conhecido desde a Segunda Guerra Mundial.

O caminho que o autor buscou foi detonado, segundo declara ele, por uma quantidade assustadora de caixas que um passageiro tentava embarcar em um avião, em Nova York, a caminho do Brasil.

A pura quantidade de caixas desfiava a curiosidade de quem testemunhava o episódio, e muito embora Thomas tenha deduzido que a única resposta a qualquer indagação seria a da simples muamba, em sua criação ele as transforma em caixas de Pandora, de onde saem todos os vícios e os desesperos do mundo que nos cerca, graças à sua quase infalível intuição teatral.

Encenação despojada, quase austera

O resultado é uma grande colcha de retalhos, formada por episódios desconexos, mas altamente impactantes, aos quais a pura teatralidade empresta organicidade, sentido e dimensão.

Volta e meia o episódio perde fôlego e aparece uma espécie de interlúdio que enche o tempo até a imaginação tornar a pegar fogo, e é preciso notar que o humor de idéias e a comicidade física são muito bem usados.

A encenação de "Um circo de rins e fígados" é despojada, quase austera: em um fundo liso são projetados alguns desenhos de Thomas, que podem ou não ter ligação com o que acontece, mais uma cama, uma mesa, algumas cadeiras e muitas caixas.

A luz e a trilha sonora servem muito bem ao projeto todo. Os figurinos de Antonio Guedes, que beiram o clownesco para o protagonista, são devidamente violentos para o mundo inimigo, e imaginativos para o mundo sonhado. A direção de Gerald Thomas é determinada pela intenção de seu texto, e pelo ótimo uso do material humano que tem a seu dispor.

Fabiana Guglielmetti faz razoavelmente toda uma série de pequenos papéis, enquanto Amadeo Malounier, Pedro Osório, Gustavo Wabner, Gilson Matto Grosso, Beto Galdino, Willian Ramanausakas, Rodrigo Sanchez e Narciso Tosti formam, em bloco, as forças mais assustadoras do mundo contemporâneo com rendimento interessante.

Mas não pode haver dúvida de que "Um circo de rins e fígados" não seria o que é sem Marco Nanini, que tem aqui uma das mais brilhantes atuações de sua já brilhante carreira. Com um ator desse calibre em mãos, Gerald Thomas teve a liberdade de criar um sem-número de desafios, aos quais o talento de Nanini corresponde, provavelmente ainda muito melhor do que o autor teria ousado sonhar.

"Um circo de rins e fígados" é o triunfo da teatralidade e a festa do talento do ator.

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O GLOBO – Segundo Caderno


Um Gerald com começo, meio, fim, fumaça e muito bom humor


Jefferson Lessa

Se um marciano bem informado querendo fazer turismo na Terra chegasse de viagem e entrasse no Teatro Villa-Lobos, nem precisaria perguntar: sim, ele está para assistir a uma peça de Gerald Thomas. Mas como o nosso alienígena poderia ter tanta certeza? Pela névoa cenográfica, que se faz presente antes mesmo de soar o primeiro sinal, transformando o foyer numa espécie de Londres de filme de Jack, o Estripador. No entanto, quem vê fumaça não vê espetáculo: a repetição de velhos Geralds está lá, mas o espectador se depara com um texto linear conduzindo uma peça com – acredite – começo, meio e fim.

Citações e referências a intelectuais em cena

O bom e velho Gerald se faz presente nas eternas citações, nas referências a intelectuais europeus (estão lá Beckett, Genet, Kafka; a turma toda, enfim), em sua voz gravada e, claro, na fumaça. Escrita especialmente para Marco Nanini, "Um circo de rins e fígados" se apóia no imenso talento do ator, num carisma que faz com que alguns espectadores saiam do teatro acreditando que viram um monólogo. Como sempre, Nanini é o espetáculo.

No entanto, a atuação brilhante do ator não é o único ponto alto. Ela conta com os figurinos inteligentes e bem bolados de Antonio Guedes (a roupa de Nanini faz pensar imediatamente em Bispo do Rosário), com a luz impactante e belíssima do próprio Gerald Thomas, com a trilha que mistura clássicos com música de Alexandre Lunsky, excelente. Basicamente, "Um circo de rins e fígados" é um espetáculo visual e auditivo bonito, imponente e grandioso.

Infelizmente, o texto não tem a mesma grandiosidade. O angustiado personagem do ator atira críticas para todos os lados, da atuação do ministro Gilberto Gil ao próprio país, passando por uma impagável e ácida (embora acuradíssima) imitação de Jô Soares. É uma pena, entretanto, que todos esses assuntos altamente criticáveis sejam tratados por um texto que chega a beirar o pueril, com uma repetição de clichês e lugares-comuns imperdoável. Salva-se, porém, pela atualidade das farpas atiradas, pois são facilmente reconhecíveis e fazem a platéia rir à larga.

Mais bacana é encontrar um Gerald extremamente bem-humorado, fazendo graça de si próprio. Muito boa é a cena em que Nanini conclama a platéia a responder com mais entusiasmo para que o diretor não leve adiante a ameaça de encher o teatro com mais fumaça cenográfica. Interessante também é o trocadilho que faz com algemas e gêmeas que, repetido ad infinitum , causa um saudável e divertido estranhamento da linguagem. As piadinhas à clef , como a cena em que o ator é carregado por vários rapazes sarados, também têm sua graça.

Resumindo, trata-se de um espetáculo leve e perfeitamente assistível. Uma colcha de retalhos que não vai fazer ninguém sair do teatro com questionamentos perturbadores além dos habituais (se é que essa era a intenção). Mas… E daí?

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palavras de ARNALDO JABOR

PALAVRAS DE ARNALDO JABOR NA CBN SOBRE "CIRCO DE RINS E FIGADOS" – " EH O "REI DA VELA" DO SECULO XXI". E foram mais uns 5 minutos de ode e adoracao ao espetaculo. Te serei grato pra sempre, Jabor. Fiquei profundamente emocionado com os teus comentarios em Sao Paulo. E levei as tuas criticas em consideracao.

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